O governo da Paraíba publicou, no mês passado, o decreto 43.376/2023 que permite a exploração de apostas de cota fixa, como são chamadas as apostas esportivas na legislação. A norma foi sancionada pelo governador João Azevêdo (PSB) no último dia 17 de janeiro. Mas não deve atrair o interesse das empresas que já atuam no Brasil a partir de sedes no exterior.
Pela lei local, a Loteria do Estado da Paraíba (Lotep) é quem cuidará do setor, concedendo a permissão de exploração a empresas privadas por dez anos (renováveis), mediante pagamento de uma taxa fixa cujo valor será definido. A Lotep também fiscalizará o serviço.
Na prática, o governo da Paraíba se adiantou à União, realizando uma regulamentação das apostas esportivas. Em nível federal, as empresas desse segmento trabalham no Brasil sob o regime que os advogados chamam de “legislação cinzenta”.
Prazo perdido
Desde 13 de dezembro de 2018, quando o ex-presidente Michel Temer sancionou a lei 13.756, as apostas esportivas estão permitidas no país. O governo federal teve então um prazo de quatro anos para regulamentar a lei, que foi encerrado no final de 2022. Nada foi feito.
Com isso, as operadoras aceitam apostas de brasileiros, mas mantêm sede em países ou territórios onde há regulamentação para o setor, como Chipre, Malta, Curaçao e Ilha de Man. Por causa disso, também não precisam recolher impostos no Brasil.
Isso gera vários complicadores. Os apostadores não conseguem garantia de que receberão seus prêmios, já que órgãos de fiscalização de direitos do consumidor, como o Procon, não têm competência para fiscalizar empresas sem representação no Brasil.
As empresas não podem criar um CNPJ e montar operação no país, estreitando o relacionamento com os clientes locais. O governo não ganha arrecadação com taxas de concessão e impostos em um setor que provavelmente já movimente alguns bilhões de reais por ano. Sem a regulamentação e com todos os players atuando fora do país, é impossível estabelecer uma estatística confiável sobre o faturamento das casas de apostas no Brasil.
Por fim, com a regulamentação, as apostas poderiam criar milhares de empregos diretos e indiretos. Hoje, esses postos de trabalho são gerados em países estrangeiros.
Sede no Brasil
Com a regulamentação na Paraíba, essas empresas poderiam, teoricamente, se interessar em finalmente estabelecer sede no Brasil. Mas isso não deve acontecer.
“Vai depender de o operador chegar à conclusão se vale a pena ou não [criar estrutura no Brasil]. A partir do momento em que não houver medidas efetivas de combate ao mercado cinza, esse operador, com licença para atuar na Paraíba, não vai conseguir competir com concorrentes que não pagam impostos no país”, analisou Udo Seckelmann, head do departamento de Web3 & gaming do escritório Bichara e Motta Advogados.
Entre as desvantagens de montar sede na Paraíba está o fato de que os impostos no Brasil são mais altos do que em paraísos fiscais, onde boa parte das empresas fincou sede. Só com a regulamentação da União é que seria vantajoso criar um CNPJ nacional.
“Uma forma de combater o mercado cinza, com a regulamentação federal, é travar o pagamento para operadores sem licença de atuar no Brasil. O Banco Central conseguiria proibir a maioria das formas de pagamento para o exterior”
Udo Seckelmann, advogado
“Com isso, operadores no exterior não conseguiriam receber nos métodos de pagamento mais populares no Brasil, como o Pix”, completou.
Legislação cinza
Outro problema que poderia ocorrer é com a legislação brasileira. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que as loterias são uma forma de prestação de serviço público. Por conta disso, não pode haver monopólio da União para exploração do setor.
Havia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), de número 4986, que discutia se as normas do Mato Grosso (MT), que regulamentou loterias estaduais, não se chocavam com o monopólio do governo federal de legislar sobre loterias. O STF julgou a ação improcedente.
“Porém, junto disso, a lei federal 13.756, que legalizou as apostas esportivas, diz expressamente que a exploração dessa atividade é um serviço público da União, o que gera um conflito entre a lei e o que foi decidido pelo STF”, apontou Udo Seckelmann.
Ou seja, quem decidir investir na montagem de uma operação na Paraíba estaria respaldado pela decisão do STF e na legislação estadual. Mas correria o risco de ter sua atividade subitamente suspensa por causa da lei federal.
Sem atração
Concorrência desleal e choque de legislação são motivos mais do que suficientes para que a lei paraibana não seja atraente para as empresas. Impedir pagamentos de não licenciados via norma do Banco Central é algo que o governo da Paraíba não tem competência para fazer.
Contando com o ônus de estar no Brasil e sem o bônus da regulamentação federal, é mais provável que os principais players do mercado continuem, do exterior, aguardando uma movimentação do governo federal.
Um dos principais sites de apostas atuando no país, a Pixbet possui sede em Curaçao, mas seus donos curiosamente são da Paraíba. Apesar disso, nem essa plataforma de apostas parece interessada em transferir suas operações para João Pessoa (PB).
“A Pixbet, embora seja favorável à regulamentação da atividade no Brasil, ainda prefere esperar um posicionamento do governo federal para decidir quais serão os próximos passos com relação à criação de uma base física no país”, respondeu Ernildo Júnior, CEO da Pixbet, ao ser questionado pela Máquina do Esporte se a empresa estaria interessada em montar sede na Paraíba.