O novo caso de racismo contra o brasileiro Vini Jr., as reações globais de repúdio ao que aconteceu no Estádio Mestalla, em Valência, e a crise de imagem em que se enfiou a LaLiga desde o último domingo (21) fizeram a Espanha mostrar alguma reação para combater o problema.
A polícia espanhola prendeu, nesta terça-feira (23), quatro torcedores do Atlético de Madrid acusados de pendurar um boneco enforcado representando Vini Jr. em um viaduto próximo ao Estádio Cívitas Metropolitano, em Madri, pouco antes de um clássico contra o Real Madrid pela Copa do Rei.
Acima do boneco foi colocada uma faixa com os dizeres: “Madri odeia o Real”. O incidente racista aconteceu em janeiro. Em quatro meses, a polícia espanhola nada havia feito. A força de segurança trabalhou nesta terça-feira (23), dois dias após uma reação em nível mundial ao racismo sofrido pelo atacante brasileiro, que gerou um incidente diplomático entre Brasil e Espanha.
Crise de imagem
Até o jogo do último domingo (21), os gritos de vários torcedores do Valencia chamando Vinícius Júnior de “macaco” antes e durante a partida contra o Real Madrid pareciam ser encarados com razoável normalidade tanto pela LaLiga como pelo público.
Para o brasileiro, não. Indignado, Vini Jr. reclamou com o árbitro Ricardo de Burgos Bengoechea, que nada fez. Em uma confusão no final da partida, ainda levou uma gravata do atacante Hugo Duro, do Valencia. Ao reagir à agressão, o brasileiro derrubou o espanhol.
Foi quando o árbitro de vídeo Iglesias Villanueva chamou Bengoechea para analisar apenas a reação do brasileiro no VAR. Vini Jr., a maior vítima de tudo o que aconteceu no Mestalla, ainda foi expulso de campo.
Não bastou o incidente lamentável nem a inércia da LaLiga em prevenir e combater os casos de racismo recorrentes, principalmente contra o atacante do Real Madrid. Ainda houve um bate-boca de Javier Tebas, presidente da LaLiga, com Vini Jr. nas redes sociais. Tebas praticamente culpou o jogador pelo racismo sofrido. Tal iniciativa ajudou a arranhar ainda mais a imagem do Campeonato Espanhol em nível internacional.
Entre os espanhóis, houve quem defendesse que os cânticos da torcida eram apenas uma forma de reagir a uma provocação de Vini Jr., que mostrou dois dedos para os torcedores, indicando que o Valencia era um time de segunda divisão. Um repórter questionou o brasileiro se ele pediria desculpas pela ofensa à torcida rival.
“O quê? Você é burro? Você é burro”, respondeu o brasileiro, que ironizou o slogan da LaLiga nas redes sociais: “Não é futebol, é desumano”.
Gestão de crise
Na segunda-feira (22), a LaLiga tentou agir para estancar a sangria. A liga espanhola divulgou um material para pretensamente mostrar que era uma entidade esportiva preocupada com o racismo. No texto, foram listados 13 casos de racismo desde janeiro de 2020. Desses, nove foram contra Vini Jr. (ou quase 70% dos casos).
Desses, apenas um grupo de torcedores do Mallorca, reincidente, foi expulso pelo clube das Ilhas Baleares por terem insultado Vini Jr. e, na semana seguinte, Samu Chukwueze, do Villarreal. Dos demais 12 casos, quatro foram arquivados, sete estão sob investigação da polícia e apenas um ainda irá a julgamento. Ninguém havia sido punido na esfera penal até as prisões desta terça-feira (23).
Mudança na lei
Os casos de racismo se acumulam porque não há punição. Isso parece claro nessa crise de imagem que a LaLiga atravessa. Por conta disso, a liga espanhola divulgou, nesta terça-feira (23), que pedirá mais poderes de punição para conseguir efetivamente fazer frente a casos de “violência, racismo, xenofobia e intolerância”.
A entidade afirmou que se sente impotente ao ver que suas denúncias entram em um limbo. E ninguém é punido. Atualmente, a LaLiga tem poderes apenas de identificar e denunciar, mas não de punir.
“A LaLiga se sente tremendamente frustrada pela falta de sanções e condenações por parte dos órgãos esportivos disciplinares e das administrações públicas e judiciais as quais a LaLiga envia as denúncias”, afirmou a liga espanhola, que repentinamente se atentou ao problema.
Por isso, a LaLiga pediu alteração nas leis 19/2007, que trata de violência, racismo, xenofobia e intolerância no esporte, e 39/2022, que trata de esporte. As punições propostas pela liga são a possibilidade de impedir torcedores infratores de frequentarem as regiões próximas aos estádios, proibição de acesso para sócios e aplicação de sanções financeiras.
Inércia
A liga espanhola se diz frustrada pelo fato de suas denúncias ao Ministério Público (MP) da Espanha nem chegarem aos tribunais. Entre as justificativas do MP mostradas pela LaLiga, algumas são de fato risíveis:
“Ao examinar as redes sociais do acusado, verifica-se que ele não é uma pessoa que pretendia incitar o racismo, ou que os gestos feitos não visassem atingir esta situação”, afirmou um documento. Em outro, “os autores não foram identificados” pelas autoridades policiais.
Já em outro parecer, o MP disse que “a expressão e os sons proferidos, são sem dúvida próprios de atitudes profanas e desprezíveis, bem como vexatórias e absolutamente reprovadas, não parecem revestir, inicialmente, para o caso presente, a dimensão pública que se postula”.
Outra denúncia de cânticos racistas teve como resposta que eles seriam “desagradáveis, inapropriados e desrespeitosos, já que aconteceram durante a celebração de uma partida de futebol de máxima rivalidade, com outras alusões depreciativas ou provocativas naquela competição esportiva, juntamente com sua natureza, que não voltaram a ser reiterados além de dois atos expostos e que duraram alguns segundos”.
Campanha
A LaLiga também divulgou, nesta segunda-feira (22), um novo vídeo de campanha de combate ao racismo, após o incidente contra Vini Jr.
“A LaLiga denunciou todos os possíveis casos de racismo nos últimos anos. Seguiremos trabalhando para acabar com o racismo na nossa competição”, afirmou um trecho do vídeo (ver abaixo).