Até o ano passado, o principal ícone do hipismo brasileiro atendia pelo estranho nome de Baloubet du Rouet, medalha de ouro nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, com Rodrigo Pessoa. A redenção do cavalo – que chegara como favorito em Sydney, mas acabara sem medalha após três refugos – rendeu nos principais jornais do país manchetes na linha: ?Brasil, a pátria de ferraduras?.
Baloubet se aposentou e o hipismo ficou relegado a pequenas notas no noticiário esportivo. Até que, em meados de 2007, Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, pegou emprestado o nome e prestígio da esposa, a bilionária Athina Onassis, para organizar o maior evento da modalidade no país.
Com investimentos na casa dos oito dígitos, o Athina Onassis International Horse Show virou um marco para o esporte no Brasil e iniciou um movimento, ainda que tímido, de popularização do hipismo, principalmente entre os jovens. Em São Paulo, onde é disputado o concurso, houve um crescimento de 25% nas categorias de base.
?O filho que vai acompanhar o pai na hípica nos dias de competição, por exemplo, já começa a se interessar pelo esporte, pede para praticar, e por aí vai?, afirma o cavaleiro e saltador de obstáculos, medalha de bronze por equipe nas Olimpíadas de Atlanta e de Sydney, que rejeita o rótulo de ?aristocrata? da modalidade:
?O hipismo pode não ser aberto a todas as classes sociais, mas também não acho que seja um esporte restrito à elite?, completa.
Nesta entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, Doda Miranda compara o evento à Fórmula 1, fala sobre a importância da mídia para consolidar o concurso entre os mais relevantes do mundo e diz que a “grife” Onassis deu credibilidade para atrair patrocinadores.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Apesar de, historicamente, ter bons resultados, o hipismo não é um esporte popular no Brasil. De onde surgiu a idéia de realizar um evento desse porte em um país sem forte ligação com a modalidade?
Doda Miranda: Eu sempre tive o sonho, desde menino, de ver cavaleiros desse nível competindo no Brasil. Imagino que muitos praticantes de hipismo tenham o mesmo desejo. Em 2005, os criadores do Global Champions Tour me ofereceram algo nesse sentido. Conversei com a Athina e ela gostou da idéia. O difícil foi encontrar uma equipe que conseguisse levar um evento desse nível adiante, do jeito que nós queríamos. Conversei com o Ivan Zurita e ele logo colocou a Nestlé como patrocinadora máster da competição. Foi assim que tudo começou.
ME: No ano passado, o Athina Onassis International Horse Show pegou tudo mundo de surpresa, justamente, pela sua grandiosidade. A organização esperava tanto retorno de público e de mídia logo na primeira edição?
DM: Quando nós decidimos fazer o evento, queríamos que fosse algo muito bom. Mas o resultado foi muito maior do que o esperado. O evento foi crescendo no meio da disputa. Começou numa quinta-feira e foi evoluindo. Os empresários que não tinham comparecido no primeiro dia vieram ao longo do evento, fizeram contato e até deixaram de viajar no final de semana para participar. Esse público excepcional criou uma plataforma de marketing impressionante.
ME: Mesmo com toda a repercussão que teve por aqui, receber a final de uma competição do circuito internacional foi uma grande surpresa, não?
DM: Desde que ventilaram essa possibilidade, nós ficamos com água na boca. Mas, realmente, o que deu essa confiança toda para a FEI [Federação Eqüestre Internacional] foi ter feito algo que deu tão certo ano passado, ter ouvido elogios de todos os que estiveram presentes, principalmente dos cavaleiros. Isso mostrou que nós tínhamos condições de tentar pleitear essa final.
ME: Para a organização, qual é a principal dificuldade para realizar um evento dessa magnitude no ?país do futebol??
DM: A distância é o que mais nos atrapalha. Na Europa, por exemplo, não há a necessidade de buscar aviões para transportar os cavalos e isso diminui muito o custo. Só para trazer os animais vamos gastar, aproximadamente, R$ 3 milhões. Isso sem contar que a viagem é longa e pode apresentar riscos aos cavalos. Essa, sem dúvida, é a parte mais difícil. No ano passado nós tivemos muita sorte.
ME: Além da boa organização, a que você atribui o sucesso do evento?
DM: A mídia foi fundamental. O resultado do ano passado foi impressionante e o retorno que nós conseguimos dar aos patrocinadores foi excelente. Tudo isso graças ao apoio forte da imprensa, que possibilitou que tudo isso acontecesse novamente.
ME: Ano passado, o investimento divulgado para o evento foi de R$ 11 milhões. Neste ano, serão R$ 14 milhões. Sem contar que houve também um aumento considerável na premiação. O que inflacionou a competição?
DM: Receber a decisão do circuito é que provocou esse acréscimo nos valores. Além de ter outras provas, é preciso colocar um milhão de euros só para a final. E essa soma é de responsabilidade do organizador, e não do Global Champions Tour. Mas isso não chega a ser problema, porque nós temos grandes empresas ao nosso lado. E uma acaba ?chamando? a outra. Alguns patrocinadores que estiveram conosco no ano passado já renovaram o contrato. E é impressionante a fila de empresas que querem se associar ao evento, principalmente da indústria automobilística.
ME: E qual a relação entre automobilismo e hipismo?
DM: O Global Champions Tour é a Fórmula 1 do hipismo. [risos] Falando sério, as empresas se interessam pelo evento, principalmente, pelo retorno de mídia do primeiro ano. A organização também ajuda. E tem o esporte, em si, que é muito legal. Além da emoção, da competição, o hipismo é plasticamente muito bonito.
ME: A marca ?Athina Onassis? foi fundamental para atrair investidores?
DM: Sem dúvida. Principalmente no início, o nome dela foi muito importante para dar credibilidade para os patrocinadores. No final, fomos coroados com um resultado de mídia muito grande, o que fortaleceu mais ainda esse triângulo com o nome da Athina, os patrocinadores e a organização.
ME: Atualmente, ela tem alguma participação efetiva na organização do campeonato ou só emprestou a ?grife? Onassis para o evento?
DM: Muitas das idéias que foram colocadas em prática são da Athina. As inovações deste ano também foram sugeridas por ela. Enfim, ela deu várias dicas, nem sei enumerar quantas, para que o evento se tornasse o sucesso que é.
ME: Há uma corrente que diz que o hipismo nunca será popular. Outros defendem a tese de que a modalidade tem que focar na audiência, e não na busca por praticantes. O Athina Onassis International Horse Show tem condições de quebrar esses paradigmas e atrair novos adeptos?
DM: Não tenho a menor dúvida. Antes de Atlanta, o Brasil não tinha nenhuma medalha em Olimpíadas e o hipismo era muito menos popular. O princípio da popularização de qualquer esporte é a formação de ídolos. Sem ninguém em condições de brigar por títulos, por que alguém ligaria a TV de madrugada para acompanhar as provas? A medalha que conquistamos em 1996 fez que com surgissem ídolos e, por conseqüência, despertou, ainda que timidamente, o interesse das pessoas. Confirmamos as expectativas nas Olimpíadas seguintes, houve uma série de vitórias do Rodrigo [Pessoa], tudo isso fez com que o hipismo ganhasse outro status no Brasil. Seguindo essa lógica, o evento pode ser realmente um marco. O filho que vai acompanhar o pai na hípica nos dias de competição, por exemplo, já começa a se interessar pelo esporte, pede para praticar, e por aí vai. É assim que começa.
ME: O entrave para o andamento desse processo não seria o alto custo do esporte?
DM: Para uma pessoa começar a montar, não há necessidade de se comprar um cavalo. É só buscar uma escola de equitação que ela vai dar todo o suporte. Por R$ 400 mensais, é possível iniciar os treinamentos. Lógico que não é todo mundo que tem esse valor à disposição, mas também não é nada de outro mundo. É o equivalente ao que muita gente paga em uma academia normal, ou em aulas de tênis. O hipismo pode não ser aberto a todas as classes sociais, mas também não acho que seja um esporte restrito à elite.