O ano era 2006, e o BandSports fechou os direitos de transmissão da NFL no Brasil. Há quase 20 anos, a principal liga de futebol americano do mundo não tinha a força que tem hoje no Brasil. A ESPN já transmitia, mas era raro conhecer alguém que parava para ver a NFL, deixando até de assistir ao futebol de domingo para acompanhar a bola oval.
Eu já trabalhava no canal há mais de dois anos, inclusive coordenando transmissões. Sim, aquele que precisa estar antenado em tudo que está acontecendo e que fala no ponto eletrônico dos narradores e comentaristas.
No começo, achava que seria como qualquer outra transmissão. Só que, com as primeiras semanas avançando, fui percebendo que é impossível coordenar um jogo que eu não entendia absolutamente nada. Basicamente, só sabia que a bola era oval. E só.
E foi aí que tive a ideia de falar com quem entendia do assunto. Para minha sorte, o narrador das partidas da NFL no BandSports era Ivan Zimmermann. Sim, aquele que eu havia assistido muitas vezes quando mais novo e que foi um dos principais responsáveis pela popularização das ligas norte-americanas, em especial NFL e NBA, na TV fechada brasileira com muitos anos de trabalho na ESPN, era meu colega de trabalho, me ouvia no ponto e, a essa altura, já era um amigo.
Como ele sempre foi daqueles caras raros na profissão, generoso e bem-humorado ao extremo, perguntei se poderia tirar dúvidas com ele. O Ivan, obviamente, disse que sim. E ainda me pediu: “quero que tire durante o jogo, para ficar mais claro ainda para você”.
Então, era assim: quando surgia alguma jogada que eu não entendia, esperava um dos comentaristas, os sensacionais Paulo Mancha e Silvio Júnior (este também saudoso, que nos deixou no ano passado), começarem a falar para ir no ouvido do Ivan e fazer a pergunta. Ele respondia para mim ali na hora, com um conhecimento absoluto do jogo. E paixão, pelo esporte e pelo que fazia. Muita paixão.
Fiz isso muitas e muitas vezes. Passei a entender e, com as semanas passando, a gostar. Hoje, quase 20 anos depois, não só entendo como acompanho, passei a torcer por um time, sigo as redes sociais, assisto e até “xingo” a arbitragem e fico bravo quando meu time perde. Dependendo da derrota, até mais do que quando o time que torço no futebol perde.
Contei essa história porque talvez ilustre, ao menos um pouco, a generosidade desse narrador de voz rouca e dono de alguns dos bordões mais sensacionais da história da TV brasileira. Ao lado de Silvio Luiz e Januário de Oliveira, aqueles que mais imitei na vida em brincadeiras e conversas. Desde os icônicos “Fogo na bomba” e “Hasta la vista, baby” até o meu preferido, o “Rasteja, verme”, falado quando um quarterback era derrubado antes de soltar a bola.
Ivan foi realmente importantíssimo na tarefa de criar uma conexão dos esportes americanos com o público brasileiro. Até por gosto pessoal, acompanhei bastante as narrações dele na NFL, na NBA, na NCAA e na Nascar, mas ele também foi um dos grandes nomes das transmissões da MLB e da NHL por aqui.
Com um jeito que era só dele, conquistou muitos e muitos fãs por onde passou, inclusive mais à frente na carreira, quando também fez sucesso na já extinta Rádio Bradesco Esportes FM.
Fora das telas, também foi protagonista de inúmeras histórias nos bastidores, algumas delas impublicáveis.
Uma vez, tive que dirigir o carro dele e deixá-lo em frente a uma produtora em que o Ivan fazia narrações de pôquer. À época, ele morava no litoral paulista e, quando estava na capital a trabalho, ficava em um hotel.
Naquele dia, já eram quase 4h, e ele precisava estar na produtora às 7h. Dormiria muito pouco no hotel. Então, foi taxativo: “Giannella, me deixa na porta da produtora. Depois, avisa o porteiro do prédio em frente que eu vou ficar dormindo umas duas horas no carro. Ele é parceiro. Fala pra ele ir até lá, bater no vidro e me acordar às 6h30. Se eu for para o hotel, não vou acordar”.
Fiz exatamente o que ele pediu. Mais tarde, ao nos encontrarmos no BandSports, perguntei se tinha dado tudo certo. “Claro. Acordei com a batida no vidro, levantei, entrei na produtora, lavei o rosto e narrei as quatro horas que precisava narrar. Tudo perfeito”. E soltou aquela risada tão característica para completar.
Em outra oportunidade, eu e meu chefe à época, Kleber Baía, um grande amigo até hoje, tivemos que ir buscá-lo desesperados porque havia uma transmissão ao vivo de basquete prestes a começar, e o Ivan tinha ficado parado no meio da rua sem gasolina. Voltamos para a Band faltando poucos minutos para entrar no ar, com os três quase sem ar por correr até estúdio para dar tempo.
Após quase 10 anos de casa, saí do BandSports em 2013, não antes de ter tido a honra de participar da cobertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, na companhia dele e de muitos outros amigos.
Segui a carreira fora do Grupo Bandeirantes. Ele ainda ficou um pouco mais. Nos últimos anos, infelizmente, não nos falamos. Mas sei que a revolta dele pela quantidade de coisas erradas que temos no Brasil chegou a um ponto tão grande que ele decidiu mudar para os Estados Unidos. Lá, virou cidadão norte-americano e, nos últimos tempos, vinha se cuidando como nunca havia feito na vida. Estava feliz.
É assim, inclusive, que sempre me lembrarei de Ivan Zimmermann. Aliás, eu e qualquer um que teve a honra de conviver com ele. Contador de piadas, riso fácil, sempre disposto a ajudar quem fosse, bem-humorado e muito, mas muito generoso. Acima de tudo, um grande ser humano. Que fazia bem ter por perto.
Parece ironia do destino ele ter nos deixado poucos dias antes de mais um Super Bowl, poucos dias antes do maior evento da NFL organizado no Brasil, o NFL in Brasa, que, de alguma forma, tem um dedinho de “culpa” dele por tudo que fez para alavancar a liga no mercado brasileiro desde a década de 1990.
Ou talvez o Ivan só quisesse assistir a mais uma final de temporada de um lugar diferente. Porque tenho certeza de que ele estará em um camarote dos melhores em alguma outra dimensão e não vai perder o jogo do próximo domingo (9) por nada.
Pena apenas que não poderemos ouvir sua narração.
Hasta la vida, Ivan Zimmermann! E obrigado, muito obrigado!
Wagner Giannella é editor-chefe da Máquina do Esporte