* Com Erich Beting
TJ Rosandich não tem fé na internet. A negativa é preocupante se for considerado o cargo do personagem, vice-presidente da United States Sports Academy, que nesta semana proferiu uma palestra em São Paulo sobre a gestão da tecnologia em organizações esportivas e como isso pode ser uma ferramenta poderosa no planejamento.
O ceticismo de Rosandich sobre a internet diz muito sobre ele. Em conversa exclusiva com a Máquina do Esporte nesta semana, em São Paulo, o professor falou sobre os meios de aproveitar o esporte como plataforma e como a tecnologia pode contribuir com isso. Entretanto, ele também fez vários alertas sobre as ameaças que o trabalho inapropriado com o tema pode representar.
?Se as pessoas não estão preparadas para isso, é melhor que se preparem. A melhor explicação para isso é o Google. As organizações que não entendem como as coisas estão evoluindo não vão sobreviver. Inicialmente, eu estava louco sobre o Facebook por uma série de razões. Mas, sobretudo, porque nós somos responsáveis pela segurança e pela integridade dos computadores que nós temos. Eu sei que é muito fácil de burlar a segurança e invadir computadores por redes sociais. Quando você trabalha com redes sociais, abre seus dados para uma série de pessoas que podem ou não trabalhar de estações contaminadas. Eles podem fazer um upload de um vídeo com seus cachorros fazendo acrobacias, e com isso podem levar trojans para quem assiste. Há várias coisas sobre as quais estávamos preocupados sobre limites de acesso e privacidade no Facebook?, disse Rosandich.
O professor ainda fez uma análise sobre a tecnologia da informação no Brasil e as necessidades que o país terá no setor para a próxima década, quando receberá a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016). Com exemplos e um discurso extremamente didático, Rosandich deu uma série de exemplos sobre como a evolução tecnológica tem mudado o mundo do esporte.
Confira a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Sua apresentação no Brasil teve como tema a tecnologia da informação em organizações e eventos esportivos. Fale um pouco sobre o trabalho da United States Sports Academy nessa área e a importância dela para o Brasil, por favor.
TJ Rosandich: Quase 99% da entrega da nossa produção acadêmica é feita online, pela internet. Nós temos de estar muito ligados à evolução da tecnologia e da tecnologia de transmissão. Isso nos possibilita formatos diferentes de trabalho. Temos uma agenda distribuída em um período que eles precisam cumprir, ou então eles podem pagar mais dinheiro por uma curta duração. Eles pagam pela internet, fazem tudo pela internet. Ninguém não paga a uma instituição pela internet. Então, tudo é como você gerencia a informação. Todo mundo elogia o que nós fazemos com a educação online, e é isso que eu tentei mostrar aqui no Brasil: os preceitos da nossa educação na web.
O programa de valores olímpicos, por exemplo, é algo muito importante para o Brasil. Todo mundo pensa na parte online da coisa, mas ninguém entende realmente que o importante também é uma base underline para fazer tudo funcionar. Eu preciso gerenciar o conteúdo e a base underline, mas também as estratégias, a presença na web, o e-commerce. Tudo isso está conectado. Nós somos uma instituição de ensino, mas também trabalhamos com gestão do esporte porque formamos as pessoas e precisamos proporcionar experiências. O que eu posso fazer é dividir com os participantes algumas coisas realmente práticas sobre a organização do esporte. Há pessoas que vem do esporte e nunca pensam sobre essas questões de gestão e tecnologia. Então, eu mostro as coisas em que eles precisam pensar.
ME: Hoje em dia, é possível pensar o esporte sem considerar a tecnologia?
TJR: Você não pode pensar em esportes sem pensar em tecnologia. E a tecnologia está mudando o esporte. Muitas pessoas realmente não entendem como, mas eu dou um exemplo: se você pensa sobre a era da tecnologia e da indústria, pensa em televisão. Por que o futebol nunca conseguiu espaço nos Estados Unidos? Muito disso é explicado pela televisão. O esporte não podia mudar as regras para se adaptar às necessidades de distribuição da mídia local. Há o pontapé inicial e 45 minutos, mais acréscimos que apenas o cara que controla o relógio sabe quantos são. Como o futebol não conseguiu se adaptar a intervalos comerciais, isso dificultou a propagação dele como modalidade nos Estados Unidos. A televisão mudou as regras do futebol americano, por exemplo. Você vê um dos árbitros usando um boné vermelho em vez dos pretos. Ele tem um fone conectado com as transmissões e anuncia os intervalos ou outras decisões.
Vamos usar o futebol de novo como um exemplo: temos o fantasy football. O que acontece com ele é que ele muda tudo que o esporte e essa indústria ditam. A primeira coisa é o produto. O modo como o esporte é consumido, no estádio ou em qualquer meio de transmissão, muda muito. Se você pensar nos conceitos de marketing, há o preço, a promoção e o ponto de venda, mas a primeira mudança acontece no produto. Com o fantasy football, eu posso viver em New Orleans, que tem um time de futebol americano chamado Saints, e eles nunca começaram a temporada com dez vitórias consecutivas. Eu posso ter um time de fantasy com um quarterback diferente, como o Tom Brady, e ver o jogo do Saints torcendo para que o meu quarterback erre para eu ganhar o fantasy. O meio como as pessoas consomem esportes está mudando.
ME: As pessoas que trabalham no mundo dos esportes estão prontas para essas mudanças?
TJR: O mundo dos esportes, como qualquer outro, está tentando se ajustar. Muitas vezes, sem grande sucesso. Eu posso dar uma série de exemplos em que pensar sobre a organização do esporte e como a tecnologia a afeta. Vamos supor que uma organização contrata um RP e que o trabalho dele é publicar notícias sobre o time e fazer com que os jogadores tenham uma boa imagem. Ele tem obrigação de reduzir os danos causados por um atleta que é pego dirigindo bêbado ou que faz qualquer tipo de besteira, faz um bom trabalho de gerenciar os problemas do time e cuida da organização. Agora, você tem um jogador estrela no Twitter, ele tem milhares de seguidores e publica que o treinador é um canalha. Está feito. Todo o esforço para uma boa comunicação e para mandar uma mensagem foi jogado pela janela por um atleta que pode ou não ter pedras na cabeça, que pode não entender e que provavelmente não se importa. Agora, a comunicação não se preocupa apenas em mandar uma mensagem. Com as novas mídias, ela precisa estar antes da mensagem, buscar notícias e juntar pedaços para se antecipar.
ME: Podemos concluir, então, que o nível de complexidade do trabalho com esporte também cresceu?
TJR: Pense sobre o dano que pode causar quando um jogador diz que outro é um canalha. Ele diz isso na internet, não ao vivo, e de repente você tem uma crise no elenco. Você pergunta ao treinador como gerenciar isso, como administrar os conflitos criados por uma mídia social. O nível de complexidade do trabalho com esportes é maior do que nunca.
ME: As mídias sociais são o único meio de mudança na relação do segmento com a tecnologia?
TJR: As mídias sociais tornam as coisas mais complicadas, mas também há os blogs. Quando um técnico está discutindo seu novo contrato com a equipe, a negociação não é mais apenas entre ele e o time. É entre ele, o time, 40 blogueiros e centenas de milhares de pessoas que leem o que esses caras escrevem. Então, você negocia o contrato, com uma série de questões complicadas de resolver, e alguns blogueiros vão dizer que ele está vendendo os serviços por um valor muito barato. Por outro lado, outros dirão que o preço está muito superior à demanda de trabalho. É claro que há uma série de tolos na mídia, mas como você lida com isso? Há pessoas elogiando e criticando seu trabalho ao mesmo tempo.
ME: E como é possível lidar com isso para que a tecnologia ajude o trabalho?
TJR: Há o outro lado, também: você pode ter jogadores de futebol com pouca idade, que já são tratados como estrelas desde cedo porque os feitos deles são mais conhecidos por todos. Isso acontece muito em função do trabalho dos blogueiros, que difundem esse conteúdo, e as estrelas têm de ser gratas a eles porque eles trabalham de graça. Mas ele também pode postar uma foto em seu Facebook com uma garrafa de bebida. Ele é uma estrela, não tem idade legal e aparece bebendo. Como o técnico lida com isso? Como Michael Phelps lida com uma foto na página do Facebook de outra pessoa em que ele aparece fumando maconha? Literalmente, isso custou milhões. Então, você precisa sempre olhar em volta.
Onde a pressão era grande antes, hoje em dia é gigantesca. Em outro nível, pensar sobre direitos de mídia é importante: se eu compro direitos em nome da Fox para transmitir algum evento, eu pago milhões de dólares para mostrar aquelas imagens. Aí outras pessoas chegam com um celular fabricado pelo Google, filmam o jogo e mandam aquele vídeo para o Youtube instantaneamente. Antes que exista alguma investigação ou proibição, muita gente já teve acesso ao vídeo. Nossa companhia de mídia vai pagar muito por um evento esportivo que vai ser violado por milhões e visto em todo o mundo antes que alguém possa fazer alguma coisa? Provavelmente não. Então, a organização e a gerência dos times vão sofrer com isso. Para todo lugar em que você olha, a tecnologia está mudando o esporte.
ME: Além de agentes de mudanças, as novas mídias e a internet podem servir como ferramentas de alguma forma?
TJR: Há dois lados da moeda. Como um exemplo: o time pode ter sua própria página no Facebook. Os diretores também podem criar perfis. Então você controla a mensagem que transmite aos fãs e ganha um meio importante de interagir com eles. Você pode estabelecer contatos entre os torcedores e os atletas, com um adepto escrevendo um post e um jogador respondendo. É uma forma de aproximar o público de alguém que ele idolatra, e desse modo você pode manipular a mídia para tornar o esporte mais atrativo e direcionar o público para um tipo determinado de conteúdo. Não sei se é eticamente correto, mas é um caminho.
ME: Está claro que a relação do esporte com a mídia mudou e que as novas ferramentas estão mudando o esporte. Quais são as novas possibilidades comerciais que isso abre?
TJR: Uma das coisas que nós falamos é sobre anúncios no Facebook. Nós compramos anúncios no Facebook. Com isso, podemos determinar o público que nós queremos, porque conhecemos essas pessoas, e sabemos que as pessoas querem ver aquilo. As pessoas no Facebook estão mexendo com o planejamento de comunicação. Eu posso focar os dólares que invisto em publicidade em um determinado perfil de público, selecionar quem vê e pagar apenas se essas pessoas clicam. Além disso, tenho um relatório de dados completo do Facebook, que me diz quantas pessoas viram e quantas clicaram em meu anúncio. Essa relação ainda é uma porcentagem muito pequena, mas quando você pensa em quantas pessoas efetivamente consomem entre as que clicaram, o número aumenta. Trata-se de algo mais eficiente, por exemplo, do que os jornais, mas que precisa ser bem trabalhado.
ME: Os gestores do esporte estão preparados para isso?
TJR: Se as pessoas não estão preparadas para isso, é melhor que se preparem. A melhor explicação para isso é o Google. As organizações que não entendem como as coisas estão evoluindo não vão sobreviver. Inicialmente, eu estava louco sobre o Facebook por uma série de razões. Mas, sobretudo, porque nós somos responsáveis pela segurança e pela integridade dos computadores que nós temos. Eu sei que é muito fácil de burlar a segurança e invadir computadores por redes sociais. Quando você trabalha com redes sociais, abre seus dados para uma série de pessoas que podem ou não trabalhar de estações contaminadas. Eles podem fazer um upload de um vídeo com seus cachorros fazendo acrobacias, e com isso podem levar trojans para quem assiste. Há várias coisas sobre as quais estávamos preocupados sobre limites de acesso e privacidade no Facebook.
Vou dar outro exemplo sobre um time profissional de futebol dos Estados Unidos: como eles não estavam preparados para lidar com a tecnologia, havia pessoas que tinham acesso a áreas em que elas não deveriam estar. Um empregado que estava para ser despedido e sabia disso distribuiu para todos os compradores de carnês um e-mail com um assunto que falava sobre os ingressos. Ele vinha de um domínio que todo mundo conhecia, com um assunto que interessava às pessoas, e o anexo era um vírus. A mensagem era ?importante assunto sobre seus carnês?. Se você recebe isso de alguém em quem confia e de um assunto interessante, clica na hora. E muita gente que não tinha um antivírus confiável perdeu os computadores. O que eu estou dizendo é que gerenciar a tecnologia da informação é um requisito. Se vocês não estão preparados, é fundamental que estejam. Ou vão pagar caro.
ME: Como você vê a tecnologia colaborando para os eventos esportivos de grande porte que acontecerão no Brasil na próxima década?
TJR: A academia recebeu uma solicitação do Comitê Olímpico Internacional para colocar o programa de valores olímpicos online. Eles reconhecem que a internet tem grande poder e que não existe educação esportiva sem tecnologia. Mas há poucas instituições de ensino com esporte que possuem experiência em educação virtual. Nós colocamos isso online, com download grátis. Não posso falar sobre o que está acontecendo nos Estados Unidos, mas sei a importância de disseminar esse conhecimento do COI. Eles vão precisar de um grande número de voluntários, e essas pessoas não podem trabalhar nos Jogos Olímpicos sem saber quais são os valores. Eles precisam saber e para poderem dizer que estão orgulhosos de trabalhar para essa organização. No Brasil, além de outras coisas que geram pressão, é importante ter preocupação com isso. É uma das coisas que o país precisa fazer. Há um investimento de milhões de dólares para preparar a região para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, com infraestrutura e atletas, mas o gasto com tecnologia é algo que precisa ser feito. Eu acho que seria uma boa coisa educar o público sobre o porquê desse tipo de investimento, e o programa de valores olímpicos poderia ajudar. Esse é só um exemplo de como a academia dá suporte aos objetivos esportivos.
Ainda quando eu falo de voluntários, você precisa conhecer essas pessoas. Precisa saber o tamanho de camiseta que elas usam para que não pareçam palhaços andando nas ruas, e para isso o sistema de comunicação também é importante. Também é fundamental conhecer os interesses, até para que um fanático por futebol não seja colocado para trabalhar com nado sincronizado.
ME: Na sua visão, a tecnologia da informação no Brasil está preparada para as necessidades que surgirão com Copa do Mundo e Olimpíadas no país?
TJR: Eu fiz algumas perguntas sobre esse assunto por aqui para não ficar totalmente deslocado quando falar sobre a realidade do país. Mas eu também li bastante e vi algumas coisas interessantes. Existe uma necessidade grande de investimento em aparatos de estrutura. Eu não posso precisar de algo, enviar uma mensagem e não receber uma resposta porque o sistema caiu. Essa área precisa funcionar perfeitamente, e há um gargalo a ser preenchido no Brasil. Ainda sobre as coisas que eu li, há muito a ser feito em termos de softwares no país. A razão principal para essa preocupação é que muitas pessoas usam produtos sem licença, e se você usa um produto sem licença, você não tem atualizações de segurança. Isso faz com que você seja mais suscetível a um ataque. Máquinas comprometidas podem ser alvos de qualquer parte do mundo. Eu sei que em muitas cidades do Brasil houve um problema elétrico causado por um ataque. Os caras maus usaram máquinas eletrônicas para desligar o sistema elétrico. É fundamental que tudo isso seja fiscalizado durante os grandes eventos. Não dá para acreditar que todo mundo tenha um bom coração. Tem gente que decide desligar as luzes só porque foi convidada para uma festa.
Nos Estados Unidos, as pessoas que trabalham com internet geralmente são pressionadas a fazer coisas que aquele meio nunca havia feito antes. Há um exercício de desenvolvimento, e isso funciona como meio de evitar que os ataques aconteçam. No Brasil, pelo que eu li, ainda falta um investimento nesse tipo de pesquisa. Eu não tenho servidores no meu prédio porque eu não tenho fé na internet. Não tenho fé suficiente na habilidade de evitar que os caras maus criem ataques.