O Santo André acabou a fase de classificação do Campeonato Paulista na segunda posição. O Santos, dono da melhor campanha, mostrou futebol empolgante e obteve goleadas contundentes. Entretanto, a grande surpresa do torneio estadual até o momento não é nenhuma dessas equipes. O que mais chamou atenção foi a arrancada do Grêmio Prudente, time que ainda não sofreu um revés sequer em sua história.
O Grêmio Prudente surgiu durante o Campeonato Paulista. Depois de a direção da equipe ter se desentendido com a prefeitura de Barueri e mudado de sede, a alteração no nome foi ratificada no dia 26 de fevereiro, data de assinatura de uma lei que confirmou a cessão de estrutura da cidade para o clube.
Desde que assumiu a nova nomenclatura, o Grêmio Prudente não perdeu. A sequência invicta, que já dura nove partidas (oito vitórias e um empate), alavancou a classificação da equipe para as semifinais do Campeonato Paulista pela primeira vez na história e foi permeada por outros feitos. O time do interior venceu o Corinthians por 2 a 0 na estreia de seu novo escudo, por exemplo, e tem 100% de aproveitamento desde que contratou o treinador Toninho Cecílio (seis vitórias em seis jogos).
A mudança de sede começou a ser projetada no ano passado, quando a direção da equipe começou a colidir com a prefeitura de Barueri. Durante o processo de saída da cidade da Grande São Paulo, o Grêmio realizou uma análise mercadológica e identificou Presidente Prudente como a região de maior potencial entre as alternativas viáveis. Sem um time na primeira divisão do Campeonato Paulista há 43 anos, a cidade tinha carência de grandes eventos ? no ano passado, esse fato levou a prefeitura a investir e abrigar todos os clássicos entre Corinthians e Palmeiras.
Depois de atuar diretamente na decisão de escolha de sede, o departamento de marketing do Grêmio Prudente precisou definir o novo nome, o escudo e o uniforme que a equipe usaria. Optou por mudar o mínimo possível, até para preservar a história recente positiva de um time que disputou a Série A do Campeonato Brasileiro no ano passado e obteve classificação para a Copa Sul-Americana.
A atuação do marketing então se voltou a outra demanda urgente: aproveitar a boa fase da equipe no Campeonato Paulista para capitalizar. Para isso, o Grêmio Prudente precisou lançar produtos oficiais com a nova marca e buscar parcerias comerciais. Na reta final do torneio estadual, isso pode ser representado por contratos pontuais para a cota máster de patrocínio ? o posto está vago desde o ano passado.
Por ser novidade na região, pela boa campanha ou pela classificação às semifinais, o fato é que o Grêmio Prudente chamou atenção na cidade. O marketing também precisa, portanto, usar os holofotes para criar uma torcida.
?Sempre coloco em questão que a equipe precisa ajudar do ponto de vista técnico. O que está acontecendo até supera as nossas expectativas, principalmente porque tivemos uma mudança significativa do ponto de vista de jogadores. Quando uma fase assim acontece, a abordagem do marketing é facilitada. O que nós precisamos é transformar o envolvimento inicial em fidelização?, apontou Michel Mattar, diretor de marketing do Grêmio Prudente, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
Funcionário do Grêmio desde 2007, Mattar explicou a atuação do departamento de marketing no processo de mudança e os desafios que o setor tem em um clube com história tão inusitada. Também contou que, apesar da mudança, a equipe não sofreu grandes desfalques de profissionais em sua estrutura administrativa. Ao menos na direção, a fidelização já é uma realidade.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Como foi definida a mudança para Presidente Prudente? Qual foi o papel do marketing nesse processo?
Michel Mattar: Havia uma sondagem. O que nós fizemos foi uma análise da parte mercadológica entre todas as opções de cidades que nós tínhamos. Avaliamos o potencial mercadológico de cada região, e esse foi um dos aspectos importantes para a escolha de Presidente Prudente. A região é carente de uma equipe profissional desse porte. A cidade tem 200 mil habitantes, mas falamos para uma área com 800 mil pessoas, que não tinha equipes nem na primeira divisão do Campeonato Paulista e agora conta com um clube na elite nacional.
ME: Quais foram as outras cidades que fizeram propostas? Além da parte mercadológica, o que pesou de forma favorável a Presidente Prudente?
MM: Quanto a outras cidades, tenho por obrigação não dizer. Tivemos algumas sondagens, outras propostas mais concretas. Em todas, a negociação com a prefeitura foi conduzida com foco estrutural. Precisávamos de um aparato necessário para um time desse porte. Há agregados, como a questão mercadológica, mas o foco inicial foi esse.
ME: De que forma essa mudança afetou o planejamento do departamento de marketing?
MM: Na verdade, o primeiro aspecto do planejamento foi a questão mais bruta. Começamos a trabalhar a reformulação da marca, o nome, o operacional e o uniforme, por exemplo. O Grêmio Prudente tem uma equipe enxuta de trabalho e a parte operacional é realmente dura, o que fez com que colocássemos isso antes de qualquer outro trabalho. É óbvio que, com essa parte no eixo, passamos a ter um enfoque na torcida. Mas a estrutura é importante até nisso, já que parte da torcida depende fundamentalmente do desempenho do time.
ME: Por que vocês decidiram alterar tão pouco o símbolo, as cores e o nome da equipe?
MM: Essa foi uma ideia da direção, compartilhada com o marketing, que teve um peso importante. Já temos um reconhecimento de marca e, apesar da saída do município de Barueri e da vinda para Presidente Prudente, a preservação da marca é importante. Não estamos em uma nova instituição, nem em uma nova empresa; estamos no mesmo clube, mas em outra cidade. Não faria sentido mercadológico criar uma nova marca. Nós queríamos passar a mensagem de que houve uma alteração de sede, mas permanecem a gestão profissional e a equipe competitiva. Não queríamos perder essa imagem positiva.
ME: A sensação que os jogos do Grêmio passam é que a adesão do público às partidas na época de Barueri dependia mais de incentivos da prefeitura a moradores da região e que agora existem ações mais incisivas para atrair adeptos. Isso procede?
MM: Na verdade, em Barueri a proposta também era essa. A questão é que Barueri é um município mais próximo de São Paulo, e consequentemente mais próximo dos clubes de maior porte. Isso torna a relação com o torcedor mais complicada. É preciso oferecer um atrativo muito maior, um argumento muito mais forte para o público consumir seus produtos. Isso mudou aqui. Como a possibilidade de consumir equipes da capital é menor, a ligação passa a ser muito maior em termos de evento. A adesão do público passa muito mais por isso do que por uma estratégia de marketing.
ME: Mas como fazer para transformar esses frequentadores dos jogos em torcedores?
MM: Sempre coloco em questão que a equipe precisa ajudar do ponto de vista técnico. O que está acontecendo até supera as nossas expectativas, principalmente porque tivemos uma mudança significativa do ponto de vista de jogadores. Quando uma fase assim acontece, a abordagem do marketing é facilitada. O que nós precisamos é transformar o envolvimento inicial em fidelização. Isso passa por termos produtos na loja oficial, o que é uma grande dificuldade porque a produção precisou esperar a definição do nome. Também passa por outras campanhas, tudo no momento mais pertinente.
ME: De que formas vocês pretendem explorar a classificação para as semifinais do Campeonato Paulista?
MM: Esse é um momento que o marketing tem de aproveitar. Principalmente porque a nossa cota máster hoje está disponível no mercado. Tivemos uma série de abordagens para patrocínios de oportunidade e campanhas pontuais. Além disso, o calendário não permite fazer muita coisa. Nós nos classificamos na quarta-feira e já temos jogo no fim de semana. Não há muito que o marketing possa fazer a não ser reforçar a comunicação e deixar disponível tudo que possa ser consumido.
ME: No ano passado, ainda em Barueri, vocês chegaram a anunciar oficialmente um acordo para ceder a cota máster ao Best Shop TV. Posteriormente, desistiram do negócio em função de um veto da Globo. O que aconteceu naquela negociação?
MM: Tudo foi conduzido naturalmente. Pouca gente sabe que o Best Shop TV tem TV no nome, mas é uma empresa de varejo online. Isso está na constituição da empresa, que tem capital fechado e não disponibiliza essas informações para todo mundo, mas o fato é que não se trata de um programa de TV. É uma empresa que compra espaço na TV Gazeta. Foi feita uma análise antecipadamente, fizemos uma consulta interna e achamos que não haveria problema. Quando a campanha foi efetivada, recebemos uma notificação da Globo e achamos por bem não discutir. Não foi uma questão em que julgamos que estávamos errados, mas há o aspecto político. Melhor não discutir.
ME: Por que o Grêmio Prudente não consegue vender a cota máster de patrocínio?
MM: A negociação de patrocínio é uma constante, com os clubes tentando valorizar suas propriedades e as empresas buscando o menor custo possível. Quem trabalha com futebol sabe que existe uma associação direta entre arrecadação e desempenho. Quanto mais arrecadação, melhor o desempenho. Tivemos uma série de sondagens nesse período, várias negociações, mas não chegou ao clube nada que tenha um valor adequado. Isso faz parte do processo. Seria cômodo da nossa parte ter uma marca na camisa e desvalorizar uma propriedade. Nós queremos uma empresa que entenda a relação direta e seja parceira da equipe.
ME: Mas apesar de procurarem alguém que seja parceiro, cogitam aportes pontuais na fase final do Estadual…
MM: Se você me perguntar se eu acho que esse é o caminho ideal, evidentemente que eu vou responder não. Por outro lado, o momento e a oportunidade não podem ser descartados. Não é o ideal, mas temos negociações acontecendo e não podemos abrir mão.
ME: O que mudou para o planejamento de marketing com relação ao estádio? A arena de Barueri tem uma estrutura melhor para camarotes e ações comerciais.
MM: A estrutura lá é muito boa, mas não tínhamos direitos comerciais. Tudo era explorado pela prefeitura. Aqui é o contrário: a estrutura não se equivale à arena, até porque o estádio é mais velho, mas nós temos direitos comerciais no estádio. Isso é algo facilitador. O argumento de acomodação mudou um pouco, mas o trabalho da parte comercial foi bem facilitado aqui.
ME: O Grêmio Prudente tem atraído mais negociações com empresas da região ou com marcas de abrangência maior?
MM: Existem dois projetos distintos, e isso depende do porte da empresa. Há marcas daqui que se interessam pela cota regional, por placas fora do campo visual da televisão ou propriedades de uso no estádio. Empresas de abrangência maior se interessam pela cota nacional porque somos um time que vai disputar a primeira divisão do Campeonato Brasileiro e a Copa Sul-Americana. A aceitação do mercado tem sido boa e tem melhorado, naturalmente, de acordo com o desempenho.
ME: Com a mudança de sede, os executivos do Grêmio viveram uma situação muito comum a jogadores e treinadores e precisaram mudar de casa. De que forma isso afetou a estrutura de vocês quanto a profissionais?
MM: A mudança não é fácil, tanto do ponto de vista do clube quanto no aspecto pessoal. Mas boa parte dos profissionais que nós julgávamos essenciais para não haver prejuízo operacional topou a vinda para cá. No marketing não foi diferente: não é fácil a mudança, mas somos um grupo enxuto, forte e unido.
ME: Depois da campanha positiva no Campeonato Brasileiro do ano passado, o Grêmio perdeu alguns de seus principais jogadores para outras equipes nacionais. Vocês temem que um novo desmonte após o Estadual abale a relação com a torcida?
MM: Isso nem tem sido cogitado. Nós temos aqui uma política de não valorizar o atleta individualmente. A nossa mascote é uma abelha porque ela representa o trabalho em grupo, o foco no coletivo. Evidentemente que alguns jogadores se destacam, e nós não temos intenção de esconder ninguém. Mas também não podemos evitar as negociações, e esse foco no coletivo, do ponto de vista mercadológico, acaba minimizando as saídas.