O Figueirense passou por uma reformulação administrativa neste ano. Em março, o time catarinense findou parceria com a Figueirense Participações e acompanhou debandada de sua diretoria, que tinha mandato até setembro. Um mês depois, nova cúpula foi eleita para tocar o clube até 2014.
Em meio a esse processo, a equipe de Florianópolis contratou um novo diretor de marketing. Trata-se de Nelson Galvão Júnior, que até o início do ano trabalhava na Cimed. Com grande experiência na indústria farmacêutica, o executivo tem lastro na posição de patrocinador. Além disso, fundou e presidiu o time de voleibol da companhia em que estava até esta temporada.
Galvão Júnior assumiu o cargo antes de a nova diretoria ser empossada. A antecipação na contratação dele justifica-se pelo tamanho do desafio: estruturar o marketing do clube, que durante anos foi gerido em parceria com a Figueirense Participações, e fazer isso antes do início da Série B do Campeonato Brasileiro.
Nos primeiros dias, o novo diretor de marketing fez um mapeamento da situação. Depois, traçou um projeto para seu departamento a partir de missão e valores desejados pelo clube. A estratégia contempla o lançamento de um novo plano de sócios e uma mudança drástica na relação com patrocinadores.
A experiência, nesse caso, é uma das grandes armas de Galvão Júnior. Após ter trabalhado durante anos, em diferentes modalidades, como empresa, ele migrou para o lado do clube com uma noção mais clara do que os investidores esperam ter como retorno ou respaldo.
?O que está servindo, e muito bem, dessa minha visão de patrocinador, é a seriedade nas ações. Eu sei a importância e a valorização que devem ter os patrocinadores que estão com o Figueirense. Também tem a questão de cuidar da marca, de ser chato quando um atleta se apresenta à imprensa e não está com as marcas do clube. Esse cuidado com os parceiros é o mais imediato. Quando não existe uma visão assim, acontecem coisas desagradáveis?, explicou o executivo em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
Durante a conversa, Galvão Júnior revelou expectativas para o Figueirense, o futebol de Santa Catarina e o vôlei brasileiro. As projeções do diretor oscilam entre um otimismo flagrante sobre o Estado e uma postura cética sobre a modalidade em que ele trabalhava com a Cimed.
O acerto com o Figueirense levou o executivo a cancelar uma mudança para São Paulo ? Galvão Júnior pretendia abrir uma agência de propaganda no local. Entre previsões sobre o clube, o futebol, o vôlei ou o próprio futuro profissional, resta saber se o comportamento incisivo do executivo renderá um bom índice de acertos.
Confira a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: O que motivou você a trocar o vôlei da Cimed pelo futebol do Figueirense? Como aconteceu esse processo de mudança entre um cargo e outro?
Nelson Galvão Júnior: Eu estava trabalhando na indústria farmacêutica havia 20 anos, e indiretamente havia tido contato com marketing esportivo em diferentes projetos. Trabalhei com futebol, vôlei e automobilismo, mas estava precisando de novos desafios. Então houve uma alteração na Cimed, a diretoria de marketing foi entregue ao Renan dal Zoto e me fizeram uma proposta para assumir a área de criação. Eu sou publicitário de formação, mas não aceitei. Achei que a minha contribuição já tinha passado, inclusive com a participação na fundação do time de voleibol, e quis tocar outras coisas na minha vida.
Depois que eu saí, estava decidido a montar uma agência de propaganda em São Paulo, coisa que eu já havia feito anteriormente. Nesse meio tempo, o próprio Renan falou sobre a mudança na diretoria do Figueirense e me perguntou se eu tinha interesse no projeto. Fui conhecer, tive uma reunião com as pessoas que estavam tocando a transição da diretoria anterior para a atual. Vi que se tratava de algo sério, profissional, com uma visão de marketing corporativo, nos moldes de grandes empresas. Isso me seduziu. Deixei de lado minha primeira ideia e assumi o desafio. Já estava até com mudança programada para São Paulo.
Outra coisa importante para tomar essa decisão foi a questão de Olimpíadas e Copa do Mundo no Brasil. O mercado esportivo vai crescer muito nos próximos anos, e agora acontece uma carência de profissionais. Essa lacuna me motivou.
ME: Como você planejou o início do trabalho com o marketing do Figueirense? Quais foram os primeiros passos?
NGJ: Eu comecei no dia 16 de março a fazer uma análise do momento do clube. Minha chegada foi comunicada oficialmente no dia 22, e há cerca de um mês eu estou reestruturando as coisas. Nesse mapeamento da situação atual do clube, percebi que o marketing estava relegado a um terceiro plano. As questões principais eram o futebol e a negociação de atletas, enquanto o marketing deixava a desejar. Havia muita coisa a ser feita sobre licenciamento, utilização da marca, cuidado ao ligar o clube com produtos do mercado, endomarketing, campanhas institucionais… Enfim, vários furos. Até uma distância dos patrocinadores existia. Você tem de tratá-los com atenção, mas eles estavam em segundo plano.
Comecei definindo missão e visão, coisas que não estavam claras, e estruturei um plano de marketing a partir disso. Tentamos fazer uma aproximação com os nossos patrocinadores, que são Taschibra na cota principal, Proimport nas mangas e Fila como fornecedora de material esportivo. São empresas sérias, que trabalham com planejamento, e isso facilitou nossa estruturação.
ME: A partir dessa reestruturação, quais serão as diretrizes do departamento de marketing?
NGJ: Precisamos gerar verba para fazer ações. Estamos planejando uma grande campanha de sócios. Temos dez mil atualmente, mas acreditamos que podemos dobrar esse número em um ano. Não vamos fazer nada da noite para o dia, mas as fontes de renda vão melhorar. Vamos trabalhar a venda de produtos com marca do clube, maximizar a atuação nas lojas, pegar firme no suporte à mídia, coisas que não aconteciam antes. E vamos dar um suporte ao departamento de futebol passando conceitos de marketing e orientações, tanto para atletas quanto para comissão técnica. Nossa ideia é ter algo mais profissional.
ME: Como o fato de o Figueirense estar na segunda divisão interfere no trabalho do seu departamento? Existe uma pressão para que o clube encontre fontes alternativas de receita, uma vez que as tradicionais são reduzidas em função do rebaixamento?
NGJ: Tem um lado que é prejudicial, que é a diminuição dos valores de patrocínio, renda e receita de televisão, por exemplo, mas isso está sendo um incentivo extra para o nosso trabalho. O objetivo do marketing, da presidência e de todo o clube é voltar para a primeira divisão. Não vamos fazer loucuras, mas queremos subir e subir com músculo para montar um time à altura da elite e ficar. Está todo mundo sensibilizado, e isso tem sido muito bacana. Acaba ficando mais fácil encontrar pessoas para trabalhar em prol do clube na segunda do que acontecia quando estávamos na elite.
ME: O Avaí, rival local de vocês, está na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Isso serve como incentivo ou prejudica vocês a partir da comparação entre as duas realidades?
NGJ: O fato de um coirmão estar na elite é um grande incentivo para nós. A rivalidade é gigante, maior até do que eu tinha noção. Vivia em Florianópolis, mas trabalhava com voleibol, um esporte em que as torcidas têm uma relação bem diferente. O que nós queremos é que o Avaí permaneça na elite e nós consigamos voltar. O futebol do Estado cresceria bastante com isso. Temos visto uma movimentação de clubes tradicionais na região, como o Criciúma e o Metropolitano. Santa Catarina está crescendo, e os clubes daqui estão deixando de ser o segundo time dos torcedores.
ME: E como vocês pretendem aproveitar essa evolução do futebol catarinense?
NGJ: Esse fato é positivo para todo mundo. Nossos estádios têm recebido um bom número de torcedores, a cidade está cada vez mais envolvida. Tem sido cada vez mais comum em Florianópolis vermos pessoas com camisas dos clubes. Acredito que em até cinco anos o Estado estará equiparado aos grandes centros do futebol, como São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre.
ME: Mesmo sem Copa do Mundo? Florianópolis não faz parte da lista de cidades escolhidas para receber jogos da competição em 2014…
NGJ: Por incrível que pareça, apesar de não termos jogos da Copa programados para a cidade, estamos vendo muitas oportunidades. O Figueirense, por exemplo, está trabalhando em cima de uma nova arena. Pretendemos que ela esteja pronta em dois ou três anos, e isso deve fazer parte de um projeto para que uma seleção fique abrigada em Florianópolis. Estamos a 30 minutos de Curitiba, a uma hora de São Paulo. Seremos uma região bem disputada. Dizem que podemos ficar até com a Argentina, que tem um grande número de torcedores aqui.
ME: O Avaí, até pela campanha positiva que fez na primeira divisão do ano passado, conseguiu uma valorização contundente em valores de patrocínio ao uniforme. Como foram essas renovações de aportes no Figueirense?
NGJ: O Avaí teve mais facilidade na negociação, justamente por conta dessa excelente campanha. Nós trabalhamos uma base forte com os parceiros atuais para conseguirmos manter o nível que tínhamos na primeira divisão. E se conseguirmos voltar, teremos um aumento e um aditivo nos contratos.
ME: Clubes que tiveram sucesso na Série B recentemente, como Corinthians e Vasco, adotaram comunicação baseada no emocional e apostaram em ações para sensibilizar seus torcedores. Vocês seguirão caminho parecido em 2010, a despeito de o Figueirense não ter caído agora?
NGJ: Vamos usar um apelo racional e mostrar ao torcedor tudo que estamos estruturando para que o time consiga voltar. O trabalho feito por Corinthians e Vasco foi muito interessante, mas estamos falando de clubes que têm muito mais torcedores. Tenho dúvidas se o Flamengo tem mais torcedores do que o Corinthians, por exemplo. Com esse volume, ele não precisa nem de parceiros. O Vasco é o segundo ou terceiro time do Estado. E só o fato de ter mudado a gestão já deixou a coisa mais aberta. Antes era muito difícil, e falo isso até por conta da visão que eu tinha como patrocinador. Tentava fazer alguma coisa, mas no Vasco era impossível. As coisas lá mudaram muito.
ME: De que forma as mudanças no organograma do Figueirense têm refletido em seu trabalho? Sua contratação foi anunciada antes de o clube definir um novo vice-presidente de marketing e um novo presidente. Esses profissionais já haviam conversado com você? Eles participaram de alguma forma do planejamento?
NGJ: Na realidade, o que aconteceu é que eu cheguei antes, mas já fazia parte de um projeto da nova diretoria. Eu já tinha um entendimento com o Nestor Lodetti, presidente eleito em abril, e com todos os membros do conselho. A minha chegada e a de um diretor jurídico foram feitas antes para facilitar essa transição. Saiu a Figueirense participações, hoje Florianópolis participações, e voltou o pessoal do clube. Havia muito a ser feito.
ME: Como sua experiência anterior trabalhando em uma empresa que investe no esporte ajuda no atual momento da carreira?
NGJ: O que está servindo, e muito bem, dessa minha visão de patrocinador, é a seriedade nas ações. Eu sei a importância e a valorização que devem ter os patrocinadores que estão com o Figueirense. Também tem a questão de cuidar da marca, de ser chato quando um atleta se apresenta à imprensa e não está com as marcas do clube. Esse cuidado com os parceiros é o mais imediato. Quando não existe uma visão assim, acontecem coisas desagradáveis.
Outra questão importante é a transparência. O patrocinador quer que sua marca seja valorizada, mas com seriedade e transparência. Hoje mesmo [quinta-feira], tive uma reunião com o pessoal da Taschibra. O primeiro ponto que foi tocado por eles foi a felicidade de trabalhar com um clube sério, que não convive com notícias diárias sobre dívidas ou atraso na folha de pagamento dos atletas. Olha qual é a preocupação do presidente da empresa que investe. A marca dele está muito bem associada ao uniforme e ao estádio, mas ele não quer ser vinculado a escândalos ou algo do tipo.
ME: Mudando um pouco de assunto, até para aproveitar sua passagem pela Cimed, como você avalia o momento atual do vôlei brasileiro? A modalidade é badalada no país e tem sido impulsionada pela proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, mas viu uma debandada de patrocinadores de peso recentemente, como Finasa, Brasil Telecom e Santander. Entre o otimismo do primeiro cenário e o pessimismo do segundo, qual se aproxima mais da realidade?
NGJ: Pelo que eu acompanhei e sempre acompanho, porque sou um apaixonado e nunca vou deixar de ser, o mercado brasileiro vai entrar em parafuso porque houve uma inflação por parte de uma empresa que entrou agora. Estou falando direta e abertamente da Sky, que investe no Pinheiros. Eles partiram para uma política que inflacionou muito o negócio. Antes você conseguia montar uma equipe de ponta com R$ 300 mil por mês, mas hoje não faz um time para estar bem por menos de R$ 500 mil mensais. Do jeito que a coisa está desenhada, os investidores não vão conseguir acompanhar e você vai voltar a ter seis ou sete equipes de ponta contra um monte de sacos de pancada. Não estou otimista quanto a isso.
Também existe a dificuldade na relação com a TV. O voleibol não é um produto bem explorado na televisão, até porque a líder de audiência só compra uma partida e isso prejudica o esporte. É impossível saber em um só jogo quem é o melhor, ainda mais depois de um campeonato de turno e returno, de uma série de playoffs. Isso foi uma imposição da Globo, que mostrou a falta de força dos clubes e a conivência do Ary Graça, que entrega o campeonato para eles e não se preocupa com as equipes.
ME: Essa questão do formato da Superliga, que passou a ser decidida em apenas uma partida, tem relação direta com a parte comercial?
NGJ: Claro que sim. O investidor fala que não tem retorno de mídia. Os jogos só são transmitidos no Sportv, mas a TV fechada no Brasil ainda é muito restrita. Estamos num país em que o plano básico custa algo em torno de R$ 100, mas o salário mínimo é menos de R$ 500. Aí a Bandeirantes tenta entrar no voleibol, tenta aproveitar o histórico que tem na modalidade, e a Globo não permite. A CBV, por sua vez, não se envolve.
Fiquei profundamente chateado com o fim do Santander/Banespa. É um dos times, ao lado da Pirelli, mais tradicionais do esporte em âmbito mundial. Outro dia eu vi o Serginho, líbero da seleção brasileira, dizer em um programa de TV que estava desempregado. Sinceramente, não sei como vai terminar essa história. O que aparece agora é o glamour de Giba, Gustavo, Bruninho, muitos atletas de ponta. Quero só ver nos próximos meses. Hoje em dia, em função do privilégio à seleção, você paga um atleta por um ano e usa só seis meses. A política da CBV afugenta qualquer investidor.
ME: Ainda há a questão de o nome não ser falado nas transmissões, fato que chegou a ser usado como justificativa pela Unisul quando ela decidiu se retirar da modalidade…
NGJ: Eu arrumei uma briga enorme por isso. A Globo não falava o nome dos patrocinadores, mas dizia Ulbra e Unisul porque eram instituições de ensino. Em uma reunião com todo mundo, questionei isso. A Cimed não pode ser chamada por outro nome, até porque Cimed é o nome do clube. Eles responderam que é uma política interna, que não pode e que isso independe de ser anunciante ou não. Citaram até como exemplo o caso da Red Bull, que é chamada de RBR na Fórmula 1. Disseram que não falam o nome de patrocinadores que tenham como meta a geração de lucro, e que a situação só era diferente com as universidades porque são instituições sem fins lucrativos. Pedi para arrumar bolsas para os meus filhos e funcionários, então. A Ulbra é paga, a Unisul é paga, e portanto buscam lucro. Aí eles pararam de falar esses nomes também. Eles dizem que a exposição visual compensa a falta de áudio, mas vai explicar para um executivo que desembolsa R$ 6 milhões ou R$ 7 milhões por ano que o nome dele não vai ser falado.
ME: Além da questão ética, a emissora que adota esse procedimento valoriza seu comercial.
NGJ: Sim, mas empresas que são tradicionais no voleibol acabam não entrando por causa disso. A situação de investimento está cada vez mais complicada. Hoje você tem de vender apenas um jogo em TV aberta, mas e se o time não se classificar? Não tivemos esse problema na Cimed porque disputamos quatro finais em quatro anos, e por isso conseguimos renovar contrato para manter o projeto. Mas também não sei como vai ser quando não se classificar e não tiver jogo na Globo.