O Ceará é um dos times promovidos no ano passado para a Série A do Campeonato Brasileiro de futebol. E logo na primeira temporada após o acesso, já desponta como um dos mais populares. A média de público é a terceira melhor do campeonato, atrás apenas dos líderes Corinthians e Fluminense. Esse é o resultado de um trabalho com torcedores que começou em 2008, mas já se traduz em um crescimento financeiro significativo.
Por trás dessa história está a agência Fã-Clube, que tem como sócio e fundador o paulista Maurício Dias. Hoje ele é morador de Fortaleza, onde controla de perto dois dos times geridos por sua companhia, o Ceará e o Fortaleza. Em visita à sua cidade natal, Maurício recebeu a Máquina do Esporte para expor a importância que a Fã-Clube dá aos programas de sócio-torcedor implantados em clubes como o Ceará, o Remo e o Vila Nova.
Maurício Dias é taxativo: “O ativo mais valioso do sócio-torcedor é o relacionamento”. Para o empresário, além da fidelização do seu torcedor, os programas podem ser usados como base de dados e como plataforma de negócios para empresas que querem chegar aos seus clientes de forma “simpática”.
Com o programa, o Ceará conseguiu juntar 20 mil sócio-torcedores em um período de dois anos, quadriplicando as rendas com bilheterias do clube. Além do acesso ao ingresso, o torcedor recebe benefícios como publicações sobre o time e descontos em uma série de locais em Fortaleza. A expectativa é chegar aos 70 mil associados no fim de 2011.
Em favor ao seu plano de negócio, em que o clube terceiriza a sua gestão, Maurício Dias afirma que grandes clubes são difíceis para empresa entrar, mas que a iniciativa seria benéfica até para gigantes do futebol brasileiro. “O Flamengo deveria terceirizar sua gestão de marketing. Deveria terceirizar a decisão sobre o preço do ingresso e o atendimento ao cliente”, afirmou o empresário, em discurso de lamentação ao amadorismo enfrentado por grande parte das administrações esportivas no país.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Primeiramente, o que faz a Fã-Clube?
Maurício Dias: Hoje o nosso negócio é gestão, com o objetivo de se fazer o relacionamento direto entre torcedor e clube, para maximizar o lucro. Esse relacionamento é direto pelo formato de contrato. Se você pegar hoje um varejo de venda de camisas oficiais, você sai de lá com, às vezes, 2,5%, 3% do valor bruto chegando ao clube através de royalties, que são, em geral, na faixa de 10%. Ou seja, você vende a camisa por R$ 70,00, mas esse valor é entre a fabricação do item e a loja. Essa camisa vai ser vendida por R$ 160,00, mas os royalties são fixados a R$70,00, não a R$ 160,00. Dessa maneira, os royalties ficam em menos de 5%. Nosso esquema qual é: a gente faz a loja oficial do clube, a gente faz o site oficial de venda, a gente faz a ciranda desde a produção do item até a entrega na mão do cliente, e entrega pro clube um porcentual muito maior dessa brincadeira. Por outro lado, eu sou exclusivo. A nossa missão, a missão da empresa, é alavancagem financeira dos clubes que nós atendemos, através do comércio direto, produtos, serviços e ingressos.
ME: O Fortaleza lamenta que, com o Ceará na Série A, há um prejuízo para o clube, já que os investimentos da região ficam polarizados. Como a Fã-Clube trabalha com dois clubes rivais? Isso não pode trazer problemas?
MD: Meu contrato é diferente com o Fortaleza. Eu não faço a comunicação e o marketing do Fortaleza. Existe uma terceira empresa que desenvolve esse lado. Dentro da mesma praça, com dois clubes rivais, eu não consigo conceber o trabalho de marketing sendo feito da forma que é. Por que o Fortaleza reclama? Antes, quando os dois estavam na Séria B, a Nacional Gás, que era o patrocinador máster dos dois, passava valores iguais, não tinha muito o que se discutir. A marca não quer entrar com um só, porque teme uma possível rejeição. Quando foi um pra A e outro pra C, o Ceará não aceitava o mesmo preço do Fortaleza em hipótese alguma. E aí a coisa “quebra geral”. Quando a gente está fazendo os dois, a gente pega, por exemplo, a rede de conveniado. Quando a gente fala no Habibs, o Habibs quer os dois. Então a gente tem ganho de escala, é fácil fazer o negócio, vale a pena fazer. Mas tem aquele boteco de bairro que não, quer um ou outro. Tem coisas que a gente pode levar com os dois, tem coisas que não são possíveis. Existe uma separação clara. Tem uma empresa que trabalha com a comunicação do Fortaleza, com o negócio sendo gerido pela gente. Mas eu não ponho a mão em certas coisas. Às vezes dá conflito, mas a gente conseguiu um formato que eu pego a parte boa.
ME: O que se exclui no Fortaleza?
MD: Não há nenhum tipo de material de conteúdo e nem o pensamente de marketing do programa. Então a parte comercial das vendas dos espaços e a produção dos materiais são feitas por outra empresa. Em termos de negócios, eu faço o sócio-torcedor da mesma maneira. Nos outros clubes, o modelo é igual ao Ceará. O trabalho é muito íntimo em relação à sinergia com o clube, então você tem uma equipe trabalhando em como fazer a apresentação de um determinado jogador, que muitas vezes os dois clubes lutam para ter, por exemplo. Eu não posso ter essa informação nas mesas dos dois clubes, e você precisa de um alto nível de informação para poder realmente fazer marketing, senão não dá. Alto nível de informação com os dois rivais juntos é muito difícil, seria exigir demais da confiança dos dirigentes.
ME: Qual são os desafios de trabalhar com clubes pequenos?
MD: Os clubes são pequenos, mas as torcidas não. Eu tenho as maiores torcidas de quatro capitais do Brasil. O Remo, por exemplo, é enorme no Belém do Pará. O Vila Nova é o maior do centro-oeste. Na verdade, os clubes não são pequenos, mas têm uma estrutura muito fraca, muito amadora. Por isso eu não vejo a gente fazendo o trabalho que a gente faz em nenhum dos doze grandes do Brasil. Posso fazer outro tipo de trabalho, mas não esse, até por contrato. O Corinthians já tem uma série de outros contratos que são conflitantes com o que eu faço. Veja pelo licenciamento: todo o desenvolvimento de produtos do Ceará e do ABC é nosso. A gente define o que vai ser feito, como vai ser vendido, com qual preço… Em São Paulo, esqueça, já foi loteado. A grande vantagem de trabalhar com os clubes em que nós trabalhamos é a liberdade de trabalho. Podemos fazer algo mais consistente, mais coerente, mais cuidadoso do que você consegue em um Corinthians, em um Flamengo, onde vão te atropelar o tempo todo.
O grande problema do futebol é que a gente está lidando com uma diretoria na outra ponta – e eu não me refiro a nenhum clube em específico – que tem aspirações entre o orgulho próprio e a pretensão política, maior do que a preocupação financeira; até porque a operação é altamente deficitária. E, nesse caso, o dirigente quer visibilidade, são outras pretensões, completamente divergentes de um objetivo de levantar financeiramente o clube. Ele pode até ter o entendimento de que, se ele levantar o clube a um patamar A ou B, faturamento cinco vezes mais, ele pode se projetar como gestor. Só que o timing da coisa é outra. Você não consegue um planejamento de cinco anos em um clube que muda a diretoria a cada dois anos, por razões internas. É muito diferente a visão que a gente tem de fora, como explorador do contrato, do que a pessoa que está dentro do clube, para fazer acontecer. Eu não vejo um clube fazendo isso. Olha o Flamengo. O Flamengo deveria terceirizar o seu marketing. Deveria terceirizar a decisão sobre o preço do ingresso, o atendimento ao cliente… É o que a gente faz: atendimento ao cliente. Do SAC à venda do negócio, à entrega do produto, ao estacionamento do estádio.
ME: E como lidar com dirigentes que não tem um pensamento de gestão profissional?
MD: Eu tento lidar com isso com muita presença dentro do cliente. Às vezes eles fecham contratos que até esbarram no que você já tinha. Mas eu tenho uma apresentação de modelo de negócio. E nós vamos usar esse espaço determinado e, se o clube não quiser, não me contrate. Isso a gente aprendeu ao longo do tempo. O negócio que eu fiz com o Ceará foi completamente pelas portas do fundo, trabalhando num quintal e lutando corpo-a-corpo para não atrapalhar a política de ingresso. Hoje não. Hoje a gente apresentou um contrato pra fazer da maneira exata do que foi apresentado. Até porque a empresa vem crescendo muito, e o trabalho é muito Taylor Made. Tem uma equipe para cada clube, tem uma equipe com um escritório em cada uma dessas cidades.
ME: E como é lidar com essa falta de profissionalismo?
MD: Não é fácil, eu tenho mil atropelos. Por exemplo: o dirigente põe o programa de sócio-torcedor no ar e se empolga, porque o Internacional faz, o Atlético Paranaense faz, então ele tem que fazer. Mas na primeira dor de barriga ele coloca o ingresso a R$ 10,00, a R$ 5,00, a R$ 1,00. E aí ele chama de otário todo mundo que acabou de comprar os últimos quatro meses o plano que está no ar. E ele não entende isso, ou entende, mas ignora. Normalmente a gente tem que conversar até com o presidente, dizendo que ele pode ser processado por duas mil pessoas se ele quiser impor a promoção que ele queria. A informalidade e a urgência do dinheiro fazem o pessoal quebrar o negócio. A gente termina como guardião do conceito.
ME: Com o Internacional, você cuidou apenas da parte técnica do sócio-torcedor. Hoje a Fã-Clube ainda enfrenta problemas com essa questão?
MD: Sim. Não tem tecnologia disponível no Brasil para fazer isso. Tanto é que eu saí da tecnologia, mas continuo desenvolvendo porque há um pedaço dessa tecnologia que ou eu faço, ou ninguém tem. São as partes de transmissão, a parte de web na venda de ingressos… São coisas que a gente fez para o Internacional e que o clube comprou e hoje é dele. Eu, com os meus clientes, tive que fazer de novo. Eu não tenho interesse em desenvolver mais, mas eu preciso.
ME: O quão dependente são os clubes menores da receita gerada pela bilheteria?
MD: O dinheiro rápido, na mão, é o dinheiro da renda, sobretudo num clube que está fora da Série A. O dinheiro da TV dá uma ensurdecida em tudo. Um clube de Séria A tem 10% da sua receita na bilheteria. Na Série B, isso já vai a 15%. Na Série C, às vezes chega a 50%, porque ele não tem outra forma de receita, não tem televisionamento e os patrocínios não valem muito. O que ele tem é o estádio. O clube precisa entender que ele vai fazer três vezes mais de dinheiro se ele vender na base do mês ou do ano e não na base do jogo a jogo. Para isso, é preciso um movimento para o projeto, coerente com todas as ações de comunicação e, sobretudo, com as políticas comerciais.
ME: Quanto que o Ceará passou a ter a mais de rendimento com o sócio-torcedor?
MD: É difícil você separar o efeito do futebol, do momento vivido pelo time, com os efeitos de um trabalho feito tijolo por tijolo. Mas os números do Ceará são impressionantes. De 2008 para 2009, nós tivemos um aumento de 100%, só de receita de bilheteria, que inclui a verba com vendas de ingressos e com as vendas de pacotes de sócio-torcedor. De 2009 para 2010, nós estamos dando outro pulo de 100%. Então a gente vai quadriplicar as receitas de 2008 para 2010. Mas é difícil separar o fato de que neste ano a gente joga contra Corinthians e Flamengo e no outro ano a gente jogou contra times com bem menos apelos. Mas com o sócio-torcedor, a gente tem a entrada de dinheiro independente do jogo.
ME: Vários clubes brasileiros estão fazendo um programa de sócio-torcedor. Como você vê esse mercado hoje no Brasil?
MD: Nós estamos amadurecendo muito. A gente falava disso há cinco anos e as pessoas achavam que era um negócio impossível. Hoje a gente vê acontecer em todos os lugares. Os clubes perceberam que se pode ter uma receita extra fantástica se o projeto for bem feito, principalmente se ele tiver muita torcida, caso do Remo, por exemplo. A dificuldade de convencer um dirigente de que esse é um grande negócio é muito menor do que era há cinco anos. Hoje, tem clubes que nos procuram, principalmente no nordeste, onde os dirigentes viram o que a gente fez com o Ceará. Até a cultura do torcedor, que é a chave do processo, tem mudado. Esses programas já existiam, mas eram amadores, mudavam conforme as mudanças de administração. A primeira coisa que a gente fez foi tirar aquela ideia de que ser sócio era uma maneira de ajudar o clube, a gente tirou isso do marketing em todos os clubes em que a gente entrou. O desafio é mostrar para o torcedor que ele é quem mais ganha quando assina um plano. Ele tem que perceber que não terá problemas na compra do ingresso, não terá problemas para entrar no estádio. No ABC a gente dá até estacionamento para o sócio-torcedor, e isso é muita comodidade.
ME: Como ganhar com o programa indo além da vende de ingresso?
MD: O plano dá uma grande base de dados pra gente, com qualidade de um dado fresco. Além disso, o torcedor recebe mensagens de email e SMS abre isso com prazer. Aí nós temos uma base de negócio. Dessa maneira a gente pode chegar pra Vivo, por exemplo, e oferece milhares de clientes dos quais ela consegue levar uma mensagem simpática para elas, dando benefícios que só a empresa dará. Quanto vale isso? É valor de relacionamento, não é de mídia. Nós estamos querendo deixar o clube numa situação estratégica muito interessante para oferecer a empresa. A Fã-Clube é uma empresa que quer plantar os caminhos para que isso possa acontecer. Nesse sentido, é muito mais interessante trabalhar com mais clubes, para abrir um espaço para empresas que querem o mercado do nordeste e que não sabem como fazer isso. Com a mídia fechada, eu consigo passar a mensagem sem ter nenhum tipo de resistência. Então a TIM poderia passar uma mensagem para todos os corintianos sem fazer com que o palmeirense entre nesse jogo. O ativo mais valioso do sócio-torcedor é o relacionamento.