O Brasil, sede da próxima Olimpíada, ainda não se atentou à grave crise que assola o atletismo, esporte-base dos Jogos. A Iaaf (Associação Internacional das Federações de Atletismo) foi assolada por denúncias de tráfego de influência sobre o filho do presidente da entidade, Lamine Diack, além de possível acobertamento de vários casos de doping pelo planeta.
Papa Massata, que exerce o privilegiado cargo de consultor da Iaaf, teria pedido um pagamento de US$ 5 milhões durante o processo de candidatura de Doha ao Campeonato Mundial de 2017. A capital do Qatar acabaria triunfando na concorrência pelo evento em 2019. O pagamento é negado de parte à parte, mas e-mails vazados na imprensa britânica confirmariam a negociação. Não bastasse isso, o filho do presidente ainda trabalha para a Dentsu em mercados emergentes, incluindo o Brasil. A gigante japonesa de publicidade também tem contrato com a federação internacional.
O escândalo ganhou proporções ainda maiores com o documentário da rede alemã ARD, escancarando uma política sistemática de uso de doping no atletismo da Rússia, sob olhar desatento da Iaaf. Liliya Shobukhova, principal fundista russa e tricampeã da Maratona de Chicago (2009 a 2011), teria tido resultado positivo encoberto após pagamento de uma propina de R$ 1,5 milhão. Um parceiro de negócios de Papa Massata teria ajudado a atleta a levantar dois terços desse montante.
O escândalo russo respingou no tapete de Mônaco, sede da Iaaf, com a divulgação da existência de uma lista de 150 atletas que tiveram parâmetros sanguíneos suspeitos. Esses casos, nunca divulgados, atingem em cheio a Rússia, que lidera o ranking da desconfiança, com 58 atletas. Destaque também para o Quênia, com 25 competidores. Na Europa, além da Rússia, também têm números significativos Espanha (12), Grécia (12), Romênia (11) e Ucrânia (11).
Nas Américas, a lista é liderada por Estados Unidos… e Brasil! Cada um com quatro atletas sob suspeição. A existência da lista foi noticiada pela ARD, e pelo menos dois jornais tiveram acesso a ela, o francês L’Equipe e o britânico The Guardian.
De forma um tanto eleitoreira, Sebastian Coe afirmou que a crise atual assemelha-se ao escândalo de doping de Ben Johnson na Olimpíada de Seul-1988. Ou ao alvoroço criado ao desbaratar a Balco, laboratório da Califórnia fornecedor de drogas a atletas de elite no início dos anos 2000.
Candidato à presidência da Iaaf nas eleições de 2015, Sebastian Coe tem seus motivos para esbravejar contra o lamaçal que envolve a entidade. Exceto pelo fato de o ex-campeão olímpico ser um dos vice-presidentes da entidade e, ao que consta, não ter agido de forma contundente contra tais desmandos.
Não, lord Coe, a crise institucional por que passa a Iaaf não pode ser comparada com nenhum outro escândalo da história do atletismo. É muito pior.