“Você se considera um vencedor?” É quando faço a última pergunta de minha entrevista com Popole Misenga, no Lounge Visa, sua patrocinadora, que o judoca engole seco e apenas acena com a cabeça em leve sinal afirmativo, os olhos embargados.
A história do judoca que fugiu da República Democrática do Congo, tornou-se atleta olímpico e venceu uma luta no Rio 2016 é mais surpreendente do que sua breve participação nos Jogos.
Muito antes de subir nos tatames para enfrentar os melhores atletas do mundo, Misenga lutou pela vida. Aos 8 anos, fugiu sozinho Bukavu, sua terra natal, no leste do país, para escapar da guerra civil. Demorou dois anos para chegar a Kinshasa, a capital do país, onde viveu em um campo de refugiados e tomou contato com o judô.
“O início foi mais uma brincadeira. Consegui emprestar um quimono de um amigo para poder treinar”, conta Misenga, que descobriu no esporte uma saída da miséria e um caminho para o futuro.
No campo de refugiados e nos tatames conheceu Yolande Bukasa Mabika, de trajetória semelhante à sua. “Tinha dez anos. Voltei da escola. Minha mãe preparou o almoço. Depois saí para brincar e nunca mais a vi. A guerra começou. Barulho na cabeça. Muita gente correndo. Eu queria voltar para a casa. Mas as pessoas me disseram que estava tudo destruído”, conta.
Yolande fugiu em um helicóptero que resgatou os desabrigados e os levou para um centro de refugiados na capital do país. Nunca mais viu os pais, nem os quatro irmãos (dois homens e duas mulheres).
“Tenho certeza de que minha família está viva. Eles devem ter me visto na TV. Deus vai fazer tudo para a gente se reunir de novo. Estou com saudades deles”, confessa. “Um dia eles vão me ligar”, acredita.
Revelações do país, começaram a competir. Popole disputou torneios africanos em países como Marrocos, Senegal e Moçambique. Em 2013, a dupla veio ao Brasil disputar o Mundial do Rio de Janeiro. Foram abandonados pelo treinador, seduzido pelos encantos da noite carioca. Sem dinheiro sequer para comer, os judocas passaram fome e tendo que emprestar um quimono para competir, foram logo eliminados. Decidiram não tomar o ônibus de volta na saída do ginásio do Maracanãzinho.
Vagaram pelas ruas até descobrirem uma ONG que os ajudou. Reencaminhados ao judô, passaram a treinar no Instituto Reação, mantido pelo ex-judoca Flávio Canto e dirigido pelo técnico Geraldo Bernardes, ex-treinador da seleção brasileira.
Em junho, foram selecionados para disputar a Olimpíada do Rio 2016 no inédito time de refugiados, iniciativa do COI (Comitê Olímpico Internacional) para abrigar atletas sem pátria. Popole foi além do que se esperava dele. Venceu na estreia o indiano Avtar Singh. Acabou eliminado nas oitavas de final pelo sul-coreano Donghan Gwak, campeão mundial. Mas vendeu caro a derrota, resistindo ao adversário por 4min01s.
“Agora quero treinar um ciclo olímpico inteiro. E quero vencê-lo no Japão. Em 2020 [em Tóquio] quero buscar medalha”, planeja ele, que nesses três anos se casou e é pai de Elias, seu filho brasileiro. “Uma menina está vindo aí”, conta, referindo-se à gravidez da esposa Fabiana.