A Nike se utilizou de uma operação considerada legal para desviar fundos de suas receitas na Europa, África e Oriente Médio para um paraíso fiscal nas Bermudas, com o intuito de pagar menos impostos na Europa entre 2005 e 2014. A informação é do jornal britânico The Guardian.
De acordo com o veículo, os documentos que comprovam a ação da empresa norte-americana foram publicados nos “Paradise Papers”, nome dado a uma enorme filtragem de documentos que revela como multimilionários e multinacionais em todo o mundo usam estruturas financeiras complexas para esconder riqueza e mover grandes quantidades de dinheiro para longe das autoridades fiscais dos países em que residem ou exercem suas atividades.
Segundo o The Guardian, “significa que o dinheiro pago em tênis em cidades como Londres, Paris, Berlim e Madri chegou a entrar e sair da Europa, a caminho do Caribe, ou a entidades que são efetivamente apátridas. E isso é tudo aparentemente acima do conselho quanto às autoridades fiscais. A Nike fez isso com a ajuda de advogados inteligentes, leis complexas e governos compatíveis”.
Governo compatível aqui é sinônimo de governo holandês. Em 2005, as autoridades holandesas concederam à empresa um programa de dez anos de benefícios fiscais. Dessa forma, a multinacional aplicou sua tática por meio de um instrumento corporativo permitido por lei. Aos olhos da justiça holandesa, portanto, não fez nada ilegal.
O sistema funcionava da seguinte maneira: durante esses dez anos, a Nike transferiu grandes quantidades de dinheiro, que vinha da Europa, da África e do Oriente Médio, da Holanda para as Bermudas, paraíso fiscal com zero imposto. A multinacional fez isso por meio de uma subsidiária nas Bermudas, a Nike International Ltd., que detinha os direitos de propriedade intelectual da empresa para suas marcas de tênis, carro-chefe da marca norte-americana.
Apesar desta subsidiária parecer não possuir funcionários ou escritórios nas Bermudas, cobrava taxas de royalties de grandes marcas a cada ano para a sede da Nike na Europa por vender seus tênis. Assim, as taxas permitiram à Nike transferir seus lucros da Europa, África e Oriente Médio para a Nike International Ltd.
Em 2014, o acordo com o governo holandês acabou. A Nike, então, teve uma nova ideia e, mais uma vez, contou com a parceria das autoridades do país. A multinacional transferiu a propriedade intelectual da Nike International Ltd. nas Bermudas para outra subsidiária, a Nike Innovate CV.
Esta nova subsidiária não fica nas Bermudas. Na realidade, não fica em lugar nenhum. O modelo CV permite que a Nike Innovate evite pagar impostos locais na Holanda. Além disso, ela também não é tributada em nenhum outro país, nem nos EUA, onde fica a sede mundial da empresa. Aqui vale lembrar que o modelo CV não é exclusivo da marca esportiva. Muitas das maiores multinacionais norte-americanas usam subsidiárias parecidas.
Para se ter uma ideia de como o modelo é vantajoso, a taxa de imposto global da Nike, que era de 34,9% em 2007, caiu para 13,2% em 2016. Em maio deste ano, os lucros acumulados da empresa chegaram a 12 bilhões de dólares. A multinacional foi questionada sobre as manobras pelo The Guardian e respondeu:
“A Nike está totalmente em conformidade com os regulamentos fiscais e asseguramos rigorosamente que nossos arquivamentos de impostos estejam totalmente alinhados com a forma como administramos nossos negócios, os investimentos que fazemos e os trabalhos que criamos. A sede europeia da Nike fica na Holanda desde 1999. Ela emprega mais de 2.500 pessoas, que supervisionam as operações da Nike em mais de 75 países.”
Só que as facilidades do modelo CV, conhecido no comércio como “incompatibilidade híbrida reversa”, podem acabar em breve. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) quer acabar com ele. Segundo a norma antievasão fiscal da União Europeia, a Nike terá que encontrar uma nova maneira de canalizar seu dinheiro até 2021. Se não o fizer, pagará mais impostos do que paga atualmente.