Quando Paulinho deu apenas um tapa na bola para tirar do goleiro e abrir o placar da seleção brasileira contra a Sérvia, minha comemoração foi contida. Por que o gol teria sido anulado? Não foi. Mas diante de uma narração americana, havia a clara impressão de que algo estava errado. Para além da distância de amigos companheiros de jogo, esse é um dos piores fatos de assistir à Copa do Mundo longe de casa.
Nos Estados Unidos, narrador não grita gol na hora do gol. Se for algo excepcional, talvez um tom acima para dizer que a finalização foi ótima. E é surreal perceber como algo tão banal para nós, brasileiros, pode detonar a experiência de assistir a um evento esportivo.
E não é implicância de americanos com o futebol. Na NFL ou em outras ligas, o tom também é bem mais contido. A diferença é que não se espera nada diferente; logo, não há a quebra de uma expectativa.
Durante a Liga dos Campeões, era engraçado. Trabalhava de costas para a televisão, com volume baixo, sob a expectativa de me virar quando escutasse algo acontecer. Mas não dava certo: quando virava o rosto para a tela, era surpreendido com algum placar elástico do Real Madrid.
Quando envolve torcida, a falta de empolgação dos narradores perde a graça. É como se o futebol estivesse incompleto, como se faltasse alguém para exprimir toda a emoção daquele que é o ápice do jogo.
O estilo escandaloso de narrar gols é algo nosso. Surgiu em São Paulo, na Rádio Difusora, quando o locutor Rebello Júnior resolveu se diferenciar de seus colegas e espichou o grito de “gol”. Já na Copa de 1958, quando o Brasil foi campeão pela primeira vez, o modo de locução já estava espalhado.
Globalmente, a puxada no gol foi adotada por diversos países latinos e até mesmo a Alemanha, em que os narradores gritam “tor” na hora do gol. Na Inglaterra, por outro lado, o estilo de narração está muito mais próximo do americano.
O fato é que, hoje, na cultura do futebol brasileiro, a troca da palavra “locutor” por “narrador” parece etimologicamente fazer cada vez mais sentido. O discurso narrativo empregado não é passivo ao que ocorre diante de suas observações; ele é protagonista da história principal.
Entre alguns torcedores e até agentes do mercado esportivo, há uma certa tendência em falar mal dos gritos apaixonados de Galvão Bueno durante as partidas da seleção brasileira. Mas, mais do que nunca, tenho convicção: assistir a uma Copa do Mundo sem esse estilo torcedor nos bastidores não tem a metade da graça.