Os Jogos Pan-Americanos de 2007 devem ser o cartão de visita para o Brasil realizar futuramente o sonho de abrigar os Jogos Olímpicos. A estratégia, sempre cantada por Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), é embasada pelo maior nome do marketing esportivo mundial, o inglês Michael Payne.
Payne foi o responsável, nos anos 80 e 90, pela transformação dos Jogos Olímpicos no maior evento esportivo do planeta, com números mais expressivos do que a Copa do Mundo. Atual consultor de marketing da Fórmula 1, Payne esteve no Brasil no último dia 8.
Numa palestra para convidados do COB e jornalistas, o ex-diretor de marketing do Comitê Olímpico Internacional (COI) falou sobre a sua trajetória na entidade e, também, sobre o impacto dos Jogos Olímpicos para uma cidade.
Após o evento, Payne concedeu uma entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, em que contou como foi feita a virada do marketing olímpico e também como o Brasil pode se beneficiar disso para fazer do Pan o trampolim para ter, finalmente, o sonho olímpico.
Leia a seguir a entrevista com Michael Payne:
Máquina do Esporte: No início dos anos 80 o Comitê Olímpico Internacional (COI) sofria com boicotes aos Jogos Olímpicos e ausência do interesse de cidades em abrigar a competição. Como foi que se deu essa mudança de percepção das pessoas em relação ao evento?
Michael Payne: É incrível quando vemos hoje grandes cidades como Londres, Paris e Nova York querendo receber os Jogos. São bilhões de dólares em mídia, as maiores empresas do mundo se associando para o evento. Todo mundo esqueceu de algo que ocorria 25 anos atrás, quando ninguém queria receber os Jogos, havia os problemas dos boicotes. Tudo isso acabou. Esta mudança na visão das pessoas sobre os Jogos Olímpicos é uma das maiores viradas da história do mundo empresarial. A chave foi encontrar o mecanismo, desenvolver uma estratégia de negócio com as empresas e com a mídia, sem comprometer suas idéias, sem comprometer o espírito olímpico.
ME: E como isso foi feito? Quais os passos estratégicos que foram adotados pelo COI para atrair empresas e cidades?
MP: O primeiro passo para a mudança foi criar uma estratégia clara para as emissoras de TV que iriam mostrar os Jogos para que o acesso fosse amplo, de graça, ou seja, para todo mundo assistir. Não colocamos nenhuma barreira no caminho, evitamos a transmissão em pay-per-view. Além disso criamos parcerias com as emissoras para expandir a exposição dos jogos olímpicos. Também criamos um programa de patrocínio chamado de Programa TOP, para que pela primeira vez patrocinadores como Kodak e Coca-Cola tivessem garantias de seu investimento. Antes disso era muito complicado ter garantias do patrocínio. Nós simplificamos o processo e passamos a trabalhar com estas grandes companhias para mostrar o potencial verdadeiro que ela teria com a marca olímpica.
ME: E como foi possível convencer as empresas de que, mesmo sem ter sua exposição nos estádios e nos uniformes dos atletas, seria possível ter um retorno com o investimento?
MP: No começo foi muito difícil, porque as empresas estavam acostumadas com a publicidade nos estádios ou camisas dos atletas. Mas é só começar a olhar de maneira profissional para o marketing. As empresas acreditam sempre em algo valioso, importante, é uma associação da imagem do esporte e a promoção em toda oportunidade. Nós pegamos os valores e integramos neles uma parceria longa. Criamos programas para motivar os empregados, criamos programas para incentivar a comunidade investidora a mostrar casos de sucesso, novas tecnologias. E as empresas eram as primeiras a desenvolver estes programas porque não teria nenhuma propaganda nos estádios. Na verdade elas ajudaram a criar um novo herói que era o marketing. As patrocinadoras entenderam que ter o nome em exposição nos estádios era importante, mas eles tinham uma oportunidade muito maior que era ter o programa olímpico ao lado e todas as formas de comunicação tendo os Jogos Olímpicos como pano de fundo. A Samsung, em 1996, era a 96ª empresa no ranking das mais lembradas. Em 97, ela entrou para o programa TOP do COI. Em 2004, ela é a 21ª colocada na lista. Não seria possível sem essa associação com a marca olímpica e outros esportes atingir esse crescimento em tão curto espaço de tempo.
ME: Para uma cidade, qual é o impacto de abrigar os Jogos Olímpicos?
MP: Os Jogos Olímpicos representam o mais longo programa de patrocínio do mundo. A força e o sucesso dos Jogos ultrapassam o esporte. Em 1964, Tóquio mostrou ao mundo que era um país recuperado dos impactos da Guerra. Barcelona mudou a percepção do que era a Espanha como destino turístico. Os Jogos catapultaram o turismo para Barcelona, que se tornou um dos cinco principais destinos de viagem do mundo. Agora Pequim tem a oportunidade de se mostrar para o mundo. É a chance de entender muito mais sobre a China.
ME: Os Jogos Pan-Americanos podem ser, para o Brasil, uma oportunidade de se mostrar ao COI para uma futura candidatura a sede dos Jogos Olímpicos?
MP: O Comitê Olímpico Internacional gostaria de poder levar os Jogos para outras partes do mundo. A China não teve a candidatura mais técnica, mas tinha uma importância política e econômica levar os Jogos para lá. Se o Pan for bem sucedido, será uma plataforma para mostrar que o Brasil está pronto para receber os Jogos.
ME: E o que os Jogos Pan-Americanos podem representar em termos de marketing esportivo para o Brasil?
MP: Eles devem mostrar ao mercado que existem outras maneiras de exposição de marcas além daquelas já tradicionais, como exibição em camisetas e objetos. Os Jogos serão uma plataforma de desenvolvimento para o Brasil e o setor de marketing não estará excluído desse processo.
ME: Em sua palestra o senhor disse que 60% dos custos dos Jogos Olímpicos são cobertos pelo setor de mídia? Qual o impacto que as novas mídias terão nessa relação? O celular e a internet podem acabar com a tradicional transmissão da TV?
MP: É interessante porque, em 2000, quando a internet viva aquela bolha, eu dizia que ela não substituiria a TV. Hoje, a bolha estourou e surgiu uma nova internet, que é um complemento do sistema tradicional de transmissão que é a TV. O celular também. Essas duas plataformas serão usadas para a comunicação das pessoas, que se reuniriam num local para verem o evento numa grande televisão. Hoje, a situação se tornou um pouco mais complicada. Um pai de família, por exemplo senta-se em seu home theater para assistir ao SuperBowl. É a sensação de ter a tela grande e o conforto de ver o jogo em casa. Já o filho fica no andar de cima, vendo na internet para poder se comunicar com os amigos. Isso mostra que a próxima geração será totalmente diferente. Precisamos ver como ela verá e consumirá o esporte. Esse é o desafio para os organizadores do evento.