A transferência de Kaká do Milan para o Real Madrid escancarou uma realidade que se tornou cada vez mais palpável nos últimos anos. Com a ascensão irretocável do Campeonato Inglês e a afirmação dos dois principais clubes espanhóis, o futebol italiano perdeu força no mercado europeu e encontra dificuldade para brigar com os rivais. ?A crise mundial afetou muitos clubes, principalmente os clubes-empresas, como o Milan. Em comum acordo, achamos melhor optar pela minha venda?, disse o meia, na coletiva que marcou a oficialização da mudança. Neste caso específico, outros fatores, que não a instabilidade econômica, interferem na situação. O Milan passou a última temporada fora da Uefa Champions League, e caiu, por isso, da sexta para a oitava posição no ranking dos clubes mais ricos elaborada pela Delloitte, com faturamento de 228,7 milhões de euros e 209,5 milhões de euros, respectivamente. A disparidade entre as ligas, no entanto, é considerável. Na última aferição da consultoria, dois espanhóis, quatro ingleses e um alemão ficaram à frente do Milan, o melhor italiano. O resultado é uma agremiação que passou a maior parte da temporada preocupada em vender o seu principal jogador. A explicação está nas fontes de receita de cada um dos envolvidos. ?Os times ingleses, o Real Madrid e o Barcelona têm um balanço mais equilibrado, recebendo do marketing, da TV e do matchday. Já o Milan fica muito preso aos direitos de TV, e não explora direito o seu estádio?, disse Oliver Seitz, pesquisador da Universidade de Liverpool. Os dois primeiros do ranking, Real Madrid e Manchester United, exemplificam a tese. Os espanhóis recebem 37% da renda da TV, 35% do setor comercial (patrocínios e ações de marketing) e 28% do matchday. Respectivamente, os ingleses recebem 36%, 25% e 39%. Já o Milan tem o gráfico dividido em 58%, 29%, com apenas 13% dos estádios. A dependência dos italianos das televisões é tão grande que, na comparação com o Manchester United, o ex-clube de Kaká sai ganhando. Enquanto os ?Diabos Vermelhos? receberam 91,6 millhões de euros, o Milan amealhou 97 milhões de euros. No matchday, no entanto, o resultado é inverso e mais discrepante, com 101,5 milhões de euros gerados em Old Trafford e apenas 21,1 milhões no San Siro. ?A diferença entre os campeonatos é relativa, porque muda a cada ano, mas quando se compara os grandes clubes europeus, os italianos estão realmente fragilizados. Só temos de ressaltar que eles perdem para Real e Barcelona, porque os demais espanhóis estão abaixo?, disse Amir Somoggi, especialista da Casual Auditores. A disparidade entre os dois gigantes e seus compatriotas tem várias explicações. Além de um bom trabalho de marketing, que lhes garante o maior público de toda a Europa, Real e Barcelona são favorecidos pelo sistema individual de negociação dos direitos e até pelo próprio governo. ?A gente não pode esquecer o fato de que o Real é amplamente amparado pelo governo espanhol. Isso é desde sempre. Ele é financiado, indiretamente, porque é a bandeira da Espanha, como o Barça é a da Catalunha?, disse Seitz. Teoricamente, esse crescimento exagerado prejudicaria os próprios grandes em longo prazo. Com uma liga enfraquecida, a dupla perderia competitividade doméstica e poder de fogo continental, reduzindo, então, seus resultados dentro e fora de campo. Amir Somoggi crê, no entanto, que os clubes estão tão enraizados que ainda assim atrairão atenção global. ?A Liga espanhola não tem a mesma força da Liga Italiana. Se você olhar para o Espanhol vai ver que ela não é tão forte, porque os dois estão muito à frente de todos os outros. Mas o Real sempre vai ser mais interessante do que a Inter de Milão, por exemplo?, disse o especialista.