Houve certa comoção com o patrocínio da Betnacional à prova de 10 km da Maratona do Rio. “Eu não vou usar a camiseta. “Que vergonha essa medalha. ”Tudo isso, claro, no velho Instagram, palco mais teatral da indignação contemporânea.
As bets já deitam e rolam no futebol faz tempo. Houve barulho, sim, mas o tom dos atletas-corredores agora parece mais agressivo do que foi o dos torcedores lá atrás.
Talvez porque a gente já tenha aceitado que o futebol vai pro inferno, e, nesse caso, tudo bem abraçar o capeta. Os números variam, mas cerca de 80% dos times das Séries A e B estampam o nome de um site de apostas na camisa.
É também o setor que mais cresce em investimentos publicitários: +48% entre 2023 e 2024, segundo o Ibope.Era natural que os tentáculos das apostas esportivas chegassem a outros esportes.
Mas na corrida doeu mais.
A corrida é um território meio sagrado pra quem pratica. Imaculado. O lucro é permitido, mas moderado (risos de nervoso). E, falando sério, a resistência faz sentido: é difícil listar um benefício social direto das bets. O que elas trazem de bom para o mundo? Geração de empregos, talvez? Não saberia listar quase nada.
O que fazer com o dinheiro das bets, então?
Talvez o melhor que esse dinheiro possa fazer seja justamente investir no esporte. O Banco Central projeta que o mercado de apostas deve movimentar R$ 360 bilhões em 2025.
A estratégia dessas empresas, ao serem agressivas no esporte, combina capilaridade, mídia e conexão com base de fãs.
Mas também é uma forma de sportswashing, nos moldes dos petrodólares que sequestraram a Fifa.
Você aceitaria dinheiro de bets? E dólares de ditaduras teocráticas?
Antes de julgar, é importante se colocar no lugar dos clubes, dos organizadores de eventos, de quem vive do esporte. Não há fomento suficiente ($). O dinheiro das bets tem viabilizado projetos, eventos, contratações.
O debate é moral e relativo. Se esse dinheiro está voltando ao esporte, tem até um lado bom. Se vão gastar de qualquer jeito, que seja fomentando educação, saúde… Ou, esse dinheiro pode migrar para outras mídias genéricas.
Preocupações emergentes
É compreensível o incômodo de ver as bets dominando tanto espaço –e alcançando novos. Sem entrar na discussão sobre vício e mazelas, o ponto que preocupa é o tamanho da dependência mercadológica. Uma parte enorme do esporte já se tornou refém da grana das apostas. Uma espécie de sequestro.
Se as bets só existem graças ao esporte, e lucram mais que qualquer entidade esportiva, por que não devolver uma fatia significativa ao esporte?
Isso já acontece através da regulamentação das mesmas –Lei nº 14.790/2023– que força que 12% do lucro é tributado e dividido entre alguns setores do executivo.
Destes 12%, 36% vem para o esporte.
O fato de que é uma tributação sobre lucro faz demorado o processo de repasse financeiro.
Quem declara são as empresas regulamentadas: Em 31 de dezembro de 2024, o Ministério da Fazenda autorizou 138 plataformas para operar no país sob regulamentação federal. Boa parte é do tigrinho, não esportiva.
Enfim. Do ponto de vista de negócio, cada um sabe onde o calo aperta. Mas enquanto as bets se espalham, é tempo de atenção. Porque, no fim, todo mundo tem seu preço; a questão é saber qual é o nosso.
Daniel Krutman é empreendedor e publicitário. Formado em Comunicação Social, pós-graduado em Ciências do Consumo e mestre em Marketing Digital, ocupa atualmente o cargo de CEO da plataforma de vendas de inscrições Ticket Sports, além de ser fundador da The Squad Academy, hub de conteúdo para o esporte