Há algum tempo, discute-se no futebol brasileiro o uso da grama sintética nos estádios. Nesta semana, o debate se intensificou, com grandes jogadores se posicionando a favor da grama natural. Esse posicionamento é compreensível para quem já esteve dentro de campo, mas pode não ser óbvio para todos.
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Afinal, por que os atletas se envolvem tanto nessa questão?
Três fatores influenciam diretamente o desempenho de um jogador: campo, bola e chuteira. Uma chuteira desconfortável pode machucar e afetar diretamente a performance do atleta. A bola, dependendo do peso, aderência e material, interfere na precisão dos lances. Mas o campo é o mais determinante, pois impacta todos esses elementos e ainda afeta diretamente a condição física dos atletas.
O tipo de gramado influencia domínio, passe, chute e movimentação. O sintético, por mais tecnológico que seja, jamais amortecerá o impacto como a grama natural. A aderência excessiva e a mudança brusca de direção sobrecarregam articulações e aumentam o risco de lesões. Além disso, esse material retém mais calor, tornando o jogo ainda mais desgastante.
Algumas pesquisas apontam que o gramado sintético aumenta as chances de lesões, enquanto outras indicam que não há diferença significativa. No entanto, um ponto essencial a se considerar é o impacto no longo prazo, algo que muitas vezes não é mensurado com precisão. Problemas nas articulações como desgaste de cartilagem. Situações que, a curto prazo, talvez não sejam perceptíveis, mas, a médio e longo prazo, os prejuízos são incalculáveis.
Há também um fator emocional: o cheiro da grama molhada, o contato com a superfície viva, tudo isso faz parte da experiência do jogador. Para quem assiste pela TV, um campo verde pode parecer perfeito, mas, na realidade, muitos estádios no Brasil apresentam condições ruins (grama alta, seca, buracos), exigindo um esforço extra dos atletas. Em um solo irregular, a bola não rola de forma previsível, forçando o jogador a gastar mais energia e concentração apenas para executar ações básicas. E um erro causado pelas condições do campo pode custar um jogo.
Para um atleta, o gramado é algo sagrado, pois é nele que passa a maior parte do tempo, realizando movimentos intensos. Se a qualidade não for a ideal, os riscos aumentam. Assim como na Fórmula 1, em que cada detalhe deve ser milimetricamente ajustado para evitar acidentes, no futebol o estado do campo precisa ser impecável para garantir precisão e segurança.
Hoje, o futebol tornou-se um grande negócio, e a grama sintética tem atrativos financeiros: exige menos manutenção e permite o uso do estádio para outros eventos, sem comprometer a estrutura do jogo. No entanto, a qualidade das partidas, a plasticidade das jogadas e a segurança dos atletas dependem de um campo natural bem cuidado.
No Maracanã, por exemplo, há muitos jogos, o que dificulta a manutenção, mas isso não deve ser justificativa para descuidar da superfície de jogo. A solução não é substituir a grama, mas sim investir em manutenção eficiente antes e depois das partidas. A Europa nos mostra isso. No Catar e nos Emirados Árabes Unidos, onde o calor é extremo, os campos são impecáveis porque recebem cuidados constantes.
Além disso, na Europa, há um padrão rigoroso para a manutenção. Na Champions League, por exemplo, a altura da grama é controlada, e os clubes que não atendem ao padrão são multados. Isso cria uniformidade e permite que os jogadores se adaptem melhor ao terreno, reduzindo erros e melhorando o espetáculo. Esse é o caminho que, na minha opinião, o Brasil deveria seguir. Afinal, nenhum lucro financeiro justifica prejudicar um elemento fundamental nesse grande espetáculo que é o futebol.
O futebol sempre será uma paixão antes de ser um negócio, e, para que essa paixão seja completa, todos os seus elementos precisam estar presentes. A grama natural é um deles. Defendê-la significa preservar a essência do jogo, garantindo um ambiente ideal para que os jogadores atuem com liberdade e segurança, e para que o futebol continue sendo completo e de qualidade.
Diego Ribas é ex-jogador de futebol, com passagens por Santos, Flamengo, diversos clubes europeus e seleção brasileira. Atualmente, é palestrante, comentarista, apresentador do PodCast 10 & Faixa e garoto-propaganda de empresas como Genial Investimentos, Adidas, Colgate e Solides