Especula-se que a primeira vez que um torneio nacional de futebol esteve na sala dos brasileiros em uma transmissão televisiva foi há 64 anos, quando o Bahia, de Léo Briglia, venceu o jogo final da Taça Brasil de 1959 contra o Santos, de Pelé, e se sagrou campeão. À ocasião, a TV Tupi transmitiu partes do jogo e apenas em algumas regiões do país devido às inúmeras limitações tecnológicas da época, afinal, a televisão ainda estava engatinhando no Brasil.
Assim, foi só a partir de 1970, com o marco da primeira transmissão ao vivo e em cores da Copa do Mundo, que a relação da torcida brasileira com o futebol na TV se transformou de forma intensa e profunda. Desde então, a venda dos direitos de transmissão fortaleceu o esporte como produto de entretenimento e representa, até hoje, a principal forma de geração de receita para os clubes brasileiros.
Transmissões do Campeonato Brasileiro: Um breve histórico
A negociação dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro passou por diferentes fases ao longo da história. Na década de 1970, os direitos de transmissão foram negociados em grupo e divididos de forma democrática entre as grandes emissoras da época, tendo a Rede Tupi e a TV Cultura como precursoras, recebendo a companhia, ao longo dos anos, da TV Gazeta, TVE Brasil, Band, Record e Globo. A quantidade de jogos transmitidos era limitada, e a maioria das exibições só ocorria horas após o término dos jogos.
No fim da década de 1980, um grupo que reunia os 13 principais clubes do ranking da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que ficou conhecido como Clube dos 13, foi criado para ganhar maior poder de barganha nas negociações dos direitos de transmissão, tanto de rádio quanto de TV. A partir dessa época, os direitos passaram a ser negociados por valores maiores e começaram a ser adquiridos majoritariamente pela Rede Globo, com poucas alternâncias ou acordos feitos de sublicenciamento com a Record e a Band.
Já no fim da década de 1990, com a popularização da TV por assinatura no Brasil, a Globo passou a transmitir mais jogos por rodada em seus canais pagos Sportv e Premiere. A emissora aumentou seu poder de rentabilização das transmissões, tanto com o valor arrecadado pelas assinaturas quanto com a criação de mais espaços de publicidade para comercializar com anunciantes, não só com as transmissões, mas com uma grande grade de programação voltada para o futebol nacional e internacional.
Até os anos 2010, quase nada afetou o predomínio da emissora fundada por Roberto Marinho em relação aos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Foi então que houve a chegada dos canais Turner no Brasil. O grupo, dono de canais como TNT e Esporte Interativo, entrou na briga pela negociação dos direitos de transmissão na TV por assinatura e conseguiu convencer uma parte relevante dos clubes da Série A em 2016, em um acordo válido de 2019 até 2024. Ainda em 2021, em meio à pandemia de Covid-19, mesmo restando três anos de contrato, a Turner anunciou que abriria mão das transmissões a partir de 2022.
Com isso, a Globo seguiu soberana nas transmissões da competição nacional, como é possível observar no gráfico abaixo. Mas o ano de 2021 ainda traria uma reviravolta, que significaria uma revolução na forma de negociar os direitos de transmissão.
Lei do Mandante e o nascimento das ligas
No dia 17 de setembro de 2021, foi sancionada a Lei nº 14.205/21, também conhecida como Lei do Mandante, que alterou profundamente a forma com que os direitos de transmissão são negociados, pois anteriormente a transmissão dependia de que tanto o clube mandante quanto o visitante tivessem contrato com a mesma emissora para o jogo poder ser transmitido. Com a mudança, o controle da transmissão passou a ser integralmente do clube mandante.
Paralelamente às discussões que culminaram na aprovação da lei, motivados pela necessidade de obter melhores condições para os clubes das Séries A e B em relação a calendário, regulamento, geração de receitas e também na negociação dos direitos de transmissão após o fim do Clube dos 13, os clubes iniciaram uma organização em torno da criação de três ligas: Liga do Futebol Brasileiro (Libra), Liga Forte Futebol (LFF) e Grupo União. Após muitas idas e vindas, discussões de escopo e objetivos, os grupos se consolidaram em apenas dois grandes blocos, Libra e Liga Forte União (LFU), cuja finalidade acabou se concentrando quase exclusivamente na negociação dos direitos de transmissão dos clubes envolvidos.
Direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de 2025: Diversidade e fragmentação
Com as mudanças na lei e a formação dos blocos das ligas, 2025 será o primeiro ano em que será possível observar na prática essa nova dinâmica a nível nacional. A transmissão do Campeonato Brasileiro de 2025 terá até o presente momento três canais de sinal aberto e gratuito de transmissão (Globo, Record e YouTube, via Cazé TV) e três canais por assinatura ou streaming pagos (Sportv, Premiere e Amazon Prime Video). A lista ainda deve aumentar até o início da competição, pois a LFU ainda negocia quatro jogos exclusivos por rodada com outras emissoras e com a própria Globo.
Na figura abaixo, é possível observar onde está posicionado cada clube e onde seus jogos podem ser transmitidos até o momento. Ainda há muita coisa importante a ser definida, principalmente quais clubes de cada grupo se manterão na Série A após o final da temporada atual, porém é certo que pelo menos um novo clube da Libra estará na Série A em 2025: o Santos. Já as outras três vagas ficaram com clubes da LFU (Mirassol, Sport e Ceará).
Dado todo esse contexto histórico e o que resultou na nova dinâmica de direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro a partir de 2025, agora vamos tentar prever quais serão os possíveis resultados práticos de tudo isso. Será que estamos vendo nascer o Brasileirão mais assistido de todos os tempos?
Afinal, quais motivos podem fazer com que o Campeonato Brasileiro de 2025 seja o mais assistido de todos os tempos?
Como toda mudança, a nova dinâmica dos direitos de transmissão traz uma certa apreensão e algumas incertezas, mas particularmente acredito que existem motivos suficientes para crer que a próxima edição do Brasileirão será, sim, a mais assistida de todos os tempos.
1. Transmissão multiplataforma e canais diversos
A pulverização das transmissões vai ao encontro de um movimento forte na forma de consumir conteúdo na atualidade: a diversidade de plataformas. Os Jogos Olímpicos de Paris representaram o ápice desse movimento dentro do esporte. Muita gente acompanhou uma modalidade pelo celular no YouTube enquanto assistia a outra na TV ou até em mosaicos de várias transmissões simultâneas.
Será possível observar um movimento parecido no Brasileirão 2025. A própria Globo já tem apostado há bastante tempo em facilitar ao máximo o acesso aos seus conteúdos em múltiplas plataformas. Hoje, é possível assistir aos jogos (gratuitos ou pagos) pelo canal de televisão tradicional, aplicativo de TV e celular, e até diretamente na internet no site da emissora, de acordo com a região da transmissão e pacote contratado.
No próximo ano, o mesmo cenário se repetirá com os jogos dos clubes da Libra, mas teremos uma nova gama de canais e múltiplas plataformas para os clubes da LFU. Em ao menos um jogo por rodada será possível escolher entre assistir pelo canal de TV da Record, instalando o aplicativo da Record, ou diretamente no YouTube no canal da Cazé TV. Além disso, um outro jogo exclusivo estará disponível na plataforma de streaming da Amazon, o Prime Video. A multiplicação de meios de acesso pode ser um marco na história do futebol brasileiro e um incentivo para o aumento da audiência.
2. Maior quantidade de jogos com sinal aberto e gratuito
Talvez o motivo mais importante e impactante para o crescimento da audiência seja a maior oferta de jogos gratuitos. Atualmente, a Globo transmite ao menos um jogo por rodada na TV aberta, podendo ter uma variação de jogos dependendo da região do país. A partir de 2025, no mínimo dois jogos por rodada serão exibidos de forma gratuita, com esse número podendo crescer, dependendo das escolhas de transmissão da Globo. Mesmo para quem não tem sinal de TV em casa, algo cada vez mais comum principalmente com as novas gerações, será possível acompanhar o mesmo número de jogos gratuitos no streaming.
Além do aumento da oferta de jogos gratuitos, a Record adotou uma estratégia interessante para não bater de frente com a concorrência da Globo e transmitirá seus jogos em horários diferentes: 20h de quarta-feira e 18h30 de domingo. É uma ótima chance de uma mesma pessoa assistir a mais jogos gratuitos por rodada, impactando diretamente na audiência.
3. Jogos pagos podem ser mais acessíveis
Atualmente, existem duas formas de acompanhar mais jogos do Brasileirão, além dos oferecidos gratuitamente:
- Assinar um pacote de TV por assinatura que contenha Sportv, Premiere ou ambos;
- Assinar ao pacote de streaming do Globoplay com Sportv, Premiere ou ambos.
Uma parte relevante da audiência do futebol nacional tem acesso aos canais, especialmente ao Sportv, como consequência da contratação de um pacote mais abrangente. Outra parte considerável busca assinar uma das opções de pacote tendo o futebol como principal motivador.
A presença dos jogos no Amazon Prime Video representará um aumento substancial e natural na audiência do campeonato, uma vez que, segundo dados da Just Watch, a plataforma da Amazon é o segunda mais popular e representa 19% dos assinantes de streaming no país, contra 12% do Globoplay.
Já para quem deseja assinar o Amazon Prime Video motivado pelo futebol, a assinatura é uma das mais baratas entre todas as plataformas de streaming.
4. Linguagem adaptada para diferentes públicos, especialmente para a Geração Z
Um dos trunfos da diversidade de plataformas é a possibilidade de adaptar a linguagem das transmissões para diferentes audiências. A Cazé TV tem demonstrado, nos últimos anos, uma grande capacidade de dialogar com as gerações mais jovens, e isso é fundamental para rejuvenescer a base de fãs do futebol. Mas as possibilidades vão além das gerações.
A Globo também tem realizado testes ao oferecer transmissões com narrações alternativas, mais alinhadas com as especificidades de cada torcida, regionalismos e toda a pluralidade que compõe a população brasileira. Com a TV conectada e os vários canais que transmitirão os jogos, é possível investir ainda mais nessa personalização das transmissões, trazendo mais para perto novos públicos, hoje pouco contemplados, e fortalecendo o produto.
5. Valorização do Campeonato Brasileiro como produto
Falando em produto, o futebol nacional tem evoluído como produto nos últimos anos. Com o fortalecimento da estrutura dos clubes, temos observado surgir novas potências e elencos valiosos. Além disso, a presença de treinadores estrangeiros e a chegada de jogadores de renome internacional, como Memphis Depay (Corinthians), Dimitri Payet (Vasco) e Martin Braithwaite (Grêmio), têm aumentado gradativamente a atratividade e a competitividade do Campeonato Brasileiro.
6. O alcance digital dos clubes e da competição também conta
Por fim, também temos uma evolução notável no crescimento do engajamento digital das torcidas com seus clubes e com a própria competição. Os clubes aprenderam a manter uma conversa ativa com seus torcedores em diversos canais digitais, principalmente nas redes sociais, com uma produção intensa de conteúdo de qualidade. A mesma coisa tem acontecido no perfil oficial do campeonato, e que é fomentado por inúmeras páginas de análise, humor e discussões gerais sobre times, lances, polêmicas de arbitragem e tudo mais que atrai o torcedor para se sentir no centro da discussão.
Quem pode ganhar com isso?
Ainda é cedo para dizer quais serão os benefícios que a nova divisão dos direitos pode trazer para todos os envolvidos no processo (clubes, torcida e patrocinadores), mas o mercado já dá alguns indícios muito interessantes de que as marcas podem ser grandes beneficiadas.
Conforme apontado aqui mesmo na Máquina do Esporte, as vendas dos pacotes do Brasileirão vão muito bem para Globo, Record e Cazé TV, que já contam com 19 marcas com cotas garantidas no total. São empresas de diversos segmentos, como automotivo, beleza, varejo, bebidas, alimentos e apostas.
A Stellantis deu um grande exemplo de como usar o mesmo território de diferentes formas e estará presente tanto no pacote da Globo quanto no da Cazé TV, podendo explorar linguagens, abordagens e audiências diferentes. Esse é um sinal claro da força que o futebol brasileiro e o esporte como um todo podem representar para as marcas. Poucos territórios são capazes de unir abrangência e personalização com tanta efetividade.
A diversidade de segmentos e marcas também faz muito bem para o esporte. O futebol representa um recorte importante de toda a população brasileira, com suas diferenças culturais, econômicas e de perfil de consumo. Existe espaço para praticamente todas as marcas explorarem o futebol como território, e isso é saudável também para os clubes e suas estratégias comerciais.
A multicanalidade das transmissões esportivas pode e deve ser utilizada como espelho para a estratégia de comunicação das marcas que estarão ocupando o território do futebol. Conversar com a torcida onde ela estiver pode ir muito além das transmissões e é uma forma de trazer as pessoas para perto, apresentando benefícios tangíveis, reforçando a imagem da marca e mantendo um relacionamento real. Mostrar que está ao lado da torcida nas vitórias, derrotas, conquistas e frustrações é algo que o fã de esporte valoriza, e muito.
Ainda existem preocupações e pontos a serem esclarecidos
Antes de fechar a coluna, é importante abordar pontos que ainda representam preocupações para muita gente. O principal deles diz respeito principalmente para o perfil do torcedor, que se acostumou a pagar por um único pacote que tinha oferta de todos os jogos do seu time. Para o caso de torcedores de times da Libra, neste exato momento, só há a garantia de que ele assistirá a todos os jogos do time em casa. Para os torcedores de times da LFU, ainda há uma indefinição de como será o quebra-cabeça das transmissões, pois isso depende das negociações que estão em curso.
O outro ponto de preocupação é sobre como a informação da transmissão chegará até o torcedor, principalmente para os que não são tão fluentes digitais para encontrar informações sobre as transmissões on-line. É importante que os novos detentores das transmissões também usem estratégias inteligentes para se comunicar com o torcedor onde ele estiver, avisando-o sobre a programação. Os próprios canais digitais dos clubes podem ser fortes aliados nesse processo ao longo de toda a temporada.
De toda forma, entramos em uma nova era do futebol brasileiro. O próximo ano será um termômetro muito importante do que isso representará para todos os envolvidos no processo: emissoras, clubes, marcas e, o mais importante de tudo, a torcida. E você, também acha que esse será o Brasileirão mais assistido de todos os tempos?
Vitor Marini é profissional de marketing com mais de uma década de experiência liderando projetos de mídia digital e dados para grandes anunciantes do país, como Samsung e Ford, entre outros. Atualmente, é CEO da Retize, a primeira sports media network (rede de mídia esportiva, em tradução livre) do país, que ajuda clubes esportivos a transformarem as interações digitais dos fãs em receita no mercado publicitário