Escrevo esta coluna apenas 12 horas depois de aterrissar no Brasil, de volta após uma semana intensa participando do Cannes Lions International Festival of Creativity 2022, encerrado na última sexta-feira (24). Faço questão de usar o título completo do evento para reforçar uma mudança não tão recente, mas que muitos ainda não se deram conta: o Cannes Lions é, hoje, um festival infinitamente maior que o mundo da publicidade e que impacta, direta ou indiretamente, todos nós que trabalhamos em marketing, comunicação, eventos, entretenimento, conteúdo ou patrocínio. Em suma, toda iniciativa que chega até o público em larga escala, de maneira coordenada e executada profissionalmente, com o objetivo de impactá-lo criativamente.
Esta foi minha segunda vez no festival. A primeira havia sido em 2019, na última versão presencial, quando foi introduzida a categoria de Entertainment Lions for Sport. Ali, já era possível notar a crescente mudança de percepção da nossa indústria. Se como tema o esporte já permeava Cannes desde sempre, enfim recebia o devido reconhecimento como um dos universos que mais cativam o público e que, por consequência, é cada vez mais utilizado criativamente pelas marcas para se conectar ao seu público de maneira orgânica e efetiva.
Há dois Cannes Lions, por assim dizer: um da faminta competição pelos Leões, com prêmios distribuídos entre um total de 29 categorias, incluindo Brand Experience, B2B, e-Commerce, Design, Entertainment, Sports, Music, Media, Innovation, PR, Social, Health, Film e outros mais. Este festival, dominado ainda pelo universo de agências de publicidade e, em certo grau, pela fogueira das vaidades e disputas acirradas entre os grandes grupos internacionais dos quais elas quase sempre fazem parte.
Pela primeira vez, acompanhei de perto a premiação da categoria de Sports, entendendo melhor a dinâmica do processo de escolha dos cases premiados pelo júri, que neste ano teve os brasileiros Beto Rogoski, diretor criativo executivo da VMLY&R, e Marcel Marcondes, CMO global da AB InBev, este como presidente.
Divididos entre Leões de Bronze, Prata, Ouro e Grand Prix, foram 22 cases premiados em Sports neste ano, sendo seis deles do Brasil, o grande vencedor entre todos os países nessa categoria. São eles: VMLY&R para Greenpeace (“Los Santos +3°C”) e SOKO para Guaraná Antarctica (“Stuck in the 80’s”) com um Ouro cada (os únicos de toda a categoria), Africa recebendo Prata com Brahma (“The Foamy Haircut”) e Bronze com Budweiser (“Unbreakable Courts”), e outros dois Bronze da TracyLocke Brasil/DM9 com Centauro (“The Uniform That Never Existed”) e da Mirum para a DirecTV Go (“Pirate Match”). O Grand Prix foi para o lindo e importante projeto “NikeSync”, criado pela agência R/GA para a Nike UK. A lista completa com todos os 22 trabalhos premiados, incluindo todos os cases selecionados para o shortlist da categoria de Sports pode ser acessada aqui.
Um dos mercados criativos mais valorizados do mundo, o Brasil ficou em segundo lugar no ranking geral de cases premiados, com um total de 70 dos 826 Leões distribuídos, atrás somente dos EUA, que teve 231. E vale lembrar que, mesmo fora da categoria de Sports, são muitos cases desse nosso universo que acabam sendo premiados também em outras categorias, como é o caso do “The Foamy Haircut”, aqui conhecido como “Cabelo Cremoso”, que além da Prata já citada, trouxe outros quatro prêmios para a Brahma, incluindo o primeiro Leão de Ouro da marca na história, na categoria Social & Influencer.
Outro Cannes Lions é o da programação intensa de sessões, palestras, cursos e apresentações importantes, muitas com a participação de executivos C-Level das maiores empresas do mundo, acompanhados de algumas das mentes criativas de maior destaque da indústria (agências também, mas principalmente de plataformas digitais), falando sobre o presente e o futuro desse amplo mercado, do qual todos nós que buscamos impactar pessoas comercialmente fazemos parte.
Além de CEOs e CMOs de marcas e empresas que investem muito em esportes, como Ted Sarandos, da Netflix; Michel Doukeris, da AB InBev; Todd Kaplan, da Pepsi; Morgan Flatley, do McDonald’s; Angela Zepeda, da Hyundai; Romain Mallard, da Coca-Cola; Rita Ferro, da Disney; Raja Rajamannar, da Mastercard; e Marc Pritchard, da P&G, também estiveram no palco profissionais de marcas que ditam os rumos do esporte mundial, como os CMOs Dirk-jan Van Hameren, da Nike; e Erika Wykes-Sneyd, da Adidas, além de Tim Ellis, da NFL; e Kate Jhaveri, da NBA. Estes últimos estiveram presentes em sessões acompanhadas por estrelas do esporte, como Russell Wilson, Cam Jordan e Zach LaVine.
Tive a chance de conversar com Tim Ellis sobre o trabalho que a Effect Sport desenvolve para a NFL no Brasil desde 2015, e com DJ Van Hameren sobre o que a agência fez para a Nike na última década, especialmente em torno da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Ambos reforçaram a importância do nosso mercado para marcas e entidades globais, cientes do quão apaixonados os brasileiros são por esportes.
Work hard, play hard. Em uma indústria em que encantar o público e estreitar relacionamento com clientes é essencial, durante o festival há ainda quase um terceiro Cannes Lions, com eventos paralelos que incluem almoços e jantares corporativos e festas nem tão corporativas assim, com atrações do porte de Dua Lipa, Kendrick Lamar, Post Malone, The Black Keys, LDC Soundsystem e Fat Boy Slim. Fora o “Baixo Martinez”, uma espécie de Baixo Gávea nos arredores do tradicional Hotel Martinez, território dominado pelos brasileiros em plena Riviera Francesa, que costumam deixar o local somente na alta madrugada, muitas vezes já sob o gentil convite da polícia local.
Ainda refletindo sobre tudo e todos que ouvi por lá na última semana, deixo como resumo dessa transformação crescente do Cannes Lions as aspas lembradas mais cedo pelo companheiro de festival Gian Martinez (que, até onde sei, não tem relação com o famoso hotel). A frase é de Marcel Marcondes, grande embaixador em Cannes da AB InBev, empresa homenageada nesta edição como a mais criativa do mundo no último ano: “95% dos prêmios recebidos pela AB InBev no Cannes Lions não foram para anúncios publicitários, e sim para ideias que ajudam a resolver problemas reais na vida das pessoas”.
Felipe Soalheiro é diretor geral da Effect Sport São Paulo, fundador da SportBiz Consulting e escreve mensalmente na Máquina do Esporte