A Copa do Mundo de 2026 terá os Estados Unidos como uma de suas sedes. Apesar de ser um dos principais mercados de esportes do mundo, o país pode criar problemas para a Fifa por conta de suas políticas migratórias.
Desde que Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos pela segunda vez no início de 2025, o país passou a adotar políticas de maior controle sobre a entrada de estrangeiros.
No início de junho, as restrições chegaram ao auge após entrar em vigor um decreto assinado por Trump que proíbe a entrada de cidadãos de 12 países nos Estados Unidos. Afeganistão, Myanmar, Chade, República do Congo, Guiné Equatorial, Eritreia, Haiti, Irã, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen foram banidos.
O decreto, ainda, dificulta a entrada de estrangeiros vindos de outros sete países. Viagens de cidadãos de Burundi, Cuba, Laos, Serra Leoa, Togo, Turcomenistão e Venezuela estão parcialmente restringidas de entrar nos EUA.
Destes 19 países, quatro seguem com chances de se classificar para a Copa do Mundo de Clubes 2026, que também terá Canaxá e México como sedes. Um deles, o Irã, bombardeado recentemente pelos norte-americanos, já está garantido na competição.
Ainda que a entrada de atletas para eventos como a Copa do Mundo 2026 esteja prevista, não se sabe se torcedores e membros da imprensa serão liberados para entrar no país.
A possibilidade de perder público e contrariar o posicionamento do Mundial como ponto de encontro das mais diferentes culturas pode se tornar uma pedra no caminho da Fifa nos próximos meses.
Casos recentes
O esporte mundial viu alguns exemplos do que pode acontecer na Copa do Mundo de 2026 caso os Estados Unidos não revejam suas políticas de imigração.
No final de junho, 16 membros da seleção de vôlei feminino de Cuba, rival histórica dos Estados Unidos, tiveram visto negado para entrar no país. A entidade afirmou ter realizado os pedidos dentro do prazo legal.
Com isso, a equipe ficou de fora do Final Four da Norceca (Confederação da América do Norte, Central e Caribe de Vôlei). O torneio começa na sexta-feira (18) e vai até 21 de julho, no Coliseu Juan Aubin Cruz, em Manatí (Porto Rico), que é um território não incorporado dos EUA.
A ausência da seleção cubana no Norceca Final Four coloca em risco a sua classificação para os Jogos da América Central e do Caribe, que serão disputados em Santo Domingo (República Dominicana), em 2026. O torneio em Porto Rico serve como qualificatório para a competição.
Dias depois, foi a vez do mesatenista Hugo Calderano ser prejudicado pela ausência de visto. O brasileiro número 3 do ranking mundial de tênis de mesa não conseguiu participar do WTT Grand Smash, realizado em Las Vegas, após ter o documento negado pelos EUA.
Calderano possui cidadania portuguesa e teria isenção de visto, precisa apenas informar a entrada no país através do Sistema Eletrônico para Autorização de Viagem (ESTA, na sigla em inglês).
Ao efetuar a solicitação, porém, descobriu que o prazo ficou maior do que o habitual. Com isso, entrou em contato com a Alfândega e Proteção de Fronteiras (CPB, na sigla em inglês), mas foi informado que não estava mais elegível para a dispensa de visto por ter viajado para Cuba em 2023.
O brasileiro esteve no país caribenho para disputar o Campeonato Pan-Americano e o evento de classificação para os Jogos Olímpicos de Paris 2024, competições organizadas pela Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF).
Narrativa
A opinião pública sobre as políticas de Donald Trump varia entre os cidadãos norte-americanos. Enquanto estados como a Califórnia são mais críticos, outras regiões compartilham de ideias mais convergentes com as defendidas pelo presidente.
De qualquer forma, um dos discursos que elegeram Donald Trump pela segunda vez está relacionado aos “malefícios” que a entrada descontrolada de imigrantes poderia causar aos cidadãos do país.
À Máquina do Esporte, Lucas de Souza Martins, professor de cursos de História dos Estados Unidos na Temple University, na Pensilvânia (EUA), exaltou que o “mérito” de Trump foi saber usar estes argumentos para conquistar votos.
“Historicamente, os Estados Unidos, na sua gênese, foi refratário à imigração de alguns grupos populacionais específicos. No final do século XIX, início do século XX, já haviam decretos do próprio Governo norte-americano restringindo as cidadanias de quem poderia emigrar ao país”, lembrou o professor.
“Donald Trump aproveita esse discurso que já existe na sociedade norte-americana, pelo menos em boa parte dela, para construir um discurso eleitoral que funciona, que é uma narrativa política, não necessariamente comprovada com dados”, analisou.
Apatia
Possíveis negociações entre Fifa e Estados Unidos em busca de flexibilização das políticas migratórias para facilitar a entrada de estrangeiros no país durante a Copa do Mundo 2026 podem ser dificultadas pela baixa conexão da população norte-americana com o futebol.
Os EUA receberam recentemente a Copa do Mundo de Clube da Fifa 2025, que, apesar de não ter a mesma relevância que o Mundial de seleções, serviu como uma demonstração do que será o torneio ano que vem.
A competição vencida pelo Chelsea fez sucesso em alguns mercados, como o brasileiro, mas causou pouco impacto entre o público norte-americano.
“Pelo fato do norte-americano médio pouco observar a Copa do Mundo e desconhecer a natureza do futebol como uma força mundial de visibilidade, a Copa do Mundo acaba com menos força, principalmente pelos desconhecimentos do americano médio”
A apatia dos cidadãos norte-americanos em relação a Copa do Mundo também enfraquece, ainda, a possibilidade de Donald Trump utilizar o torneio como forma de lavar sua reputação ou se promover frente aos seus eleitores.
Negócios
Uma das únicas coisas capazes de fazer com que os Estados Unidos reavaliem suas diretrizes é a possibilidade de potencializar os benefícios financeiros de qualquer negócio. Neste sentido, a Copa do Mundo de 2026 é uma grande oportunidade para geração de receitas extraordinárias para o país.
O aumento no impacto financeiro que pode ser causado pela organização do Mundial é um caminho que pode auxiliar na mudança, ainda que temporária das políticas anti-imigratórias.
“As flexibilizações poderão existir caso a Fifa consiga mostrar que efetivamente esses torcedores possuem uma força do ponto de vista comercial, que trarão recursos, que têm poder de compra de ingressos e virão em um número expressivo”, aposta Lucas de Souza Martins.
“Se houver um convencimento da parte da Fifa e um entendimento dos americanos de que, do ponto de vista comercial, vale a pena fazer flexibilizações a determinados países, eu acredito que essa flexibilização será feita”, avaliou o professor.
Aproximação
Mesmo diante da possibilidade de ter seu principal torneio atrapalhado por suas políticas, a Fifa segue tratando Donald Trump e os Estados Unidos como essenciais para a evolução do futebol.
Nos últimos anos, a entidade tem se movimentado para estar cada vez mais perto dos EUA, principalmente através da figura do presidente Gianni Infantino. Com a realização da Copa do Mundo de Clubes 2025, as intenções ficaram ainda mais claras.
Depois de inúmeras aparições ao lado de Donald Trump no Salão Oval, sala do presidente na Casa Branca, Infantino apareceu acompanhado de Eric Trump, filho do presidente, para inaugurar uma nova sede da Fifa nos Estados Unidos, em Nova York. Coincidentemente, o escritório foi montado na Trump Tower, luxuoso prédio que pertence a Trump.
A entidade já contava com uma sede em Miami, onde concentra grande parte de seu departamento jurídico. Ainda que Gianni Infantino defenda a necessidade de estar presente em diversas cidades de relevância global, a estratégia de ampliar o número de escritórios contraria o próprio modus operandi da entidade, que por mais de um século funcionou apenas com sua sede principal, em Zurich, na Suíça.
Faltando menos de um ano para a Copa do Mundo 2026, ainda não há definição de como será a entrada de cidadãos de países banidos por Donald Trump. Enquanto isso, o presidente norte-americano segue conturbando relações com outras nações e criando preocupações acerca da evolução da lista de países banidos.