Segundo a emissora suíça SRF Investigativ, o Catar montou uma operação global de espionagem para coletar informações e destruir a reputação de dirigentes de futebol que fossem contrários à candidatura do país como sede da Copa do Mundo de 2022. A iniciativa teria gerado gastos de US$ 387 milhões (R$ 1,982 bilhão).
A investigação jornalística mostra que o governo do Catar teria contratado ex-agentes da CIA (Agência Central de Inteligência, na sigla em inglês) e hackers da Índia para a coleta de informações. A rede de espionagem foi formada após a concessão ao país do direito de sediar a Copa de 2022 e foi uma tentativa de contornar as críticas à vitória catariana.
A empresa Global Risk Advisors (GRA), dos Estados Unidos, composta por ex-membros da CIA, foi contratada para liderar a espionagem. O fundador da empresa, Kevin Chalker, por exemplo, foi agente da CIA.
“A GRA propõe um plano estratégico para devolver o Catar a uma posição de poder e influência, e deter proativamente possíveis ataques”, afirmou um documento de apresentação da GRA revelado na investigação da SRF.
A emissora suíça informou que “as vítimas estavam à mercê dos agentes que as espionavam. Suas contas de e-mail, computadores, telefones, amigos e até familiares se tornaram alvos dos guerreiros das sombras do Catar”.
Monitoramento
A investigação mostra que a Suíça foi fundamental para a operação de inteligência do Catar. Segundo a SRF, “Chalker, a mando do Catar, viajou a Zurique com o objetivo de grampear os quartos de hotel de membros do Comitê Executivo [da Fifa] e de jornalistas”.
A reportagem revela três dirigentes que foram espionados: Theo Zwanziger, ex-presidente da Federação Alemã; Sunil Gulati, ex-mandatário da Federação dos Estados Unidos e que liderou a candidatura do país para 2022; e Peter Hargitay, conselheiro de Joseph Blatter (ex-presidente da Fifa). De acordo com a SRF, um total de 30 pessoas foram monitoradas ilegalmente.
Executivo de relações públicas, Hargitay trabalhou na candidatura da Inglaterra como sede da Copa de 2018 (perdeu para a Rússia) e foi consultor da Austrália na candidatura para abrigar o Mundial de 2022. Hargitay era amigo próximo do bilionário Frank Lowy, então presidente da Federação Australiana de Futebol.
Alvo alemão
Apenas para espionar o alemão Zwanziger, a candidatura do Catar teria investido US$ 10 milhões, atuando inclusive para influenciar a família do executivo de que uma Copa do Mundo no Catar seria boa para o planeta. Zwanziger, que na época também fazia parte do Comitê Executivo da Fifa, era um crítico feroz à candidatura catariana.
“Houve várias pessoas que me orientaram nessa direção. Claro, isso era do interesse do Catar, para provocar precisamente essa mudança de pensamento. O que eles subestimaram, no entanto, é que eu não desisti da minha opinião durante o processo [de escolha da sede]”, contou o dirigente.
“Essa eleição [do Catar como sede da Copa do Mundo] foi, como disse uma vez, um ‘câncer do futebol mundial’. De lá vieram muitas correntes que prejudicaram o esporte. Ainda hoje tenho essa opinião”
Theo Zwanziger, ex-presidente da Federação Alemã de Futebol
Zwanziger afirmou, em entrevista à SRF, que sentiu que a Fifa deveria ter agido.
“Isso é um escândalo. Deve ser assumido por aqueles que estão no comando. O presidente da Fifa [Gianni Infantino] seria o primeiro. Mas ele não fará isso, é claro, porque ele é um vassalo do Catar”, criticou o alemão.
Eleito em 2006 como presidente da Fifa, Infantino se mudou com a família, pouco depois, da sede da Fifa, em Zurique, na Suíça, para Doha, no Catar.
Alvo americano
Gulati como concorrente direto da candidatura do Catar foi um alvo mais óbvio, principalmente devido às reclamações dos Estados Unidos sobre a forma como a votação foi conduzida. As acusações de corrupção no processo eleitoral levaram à investigação feita por Michael Garcia sobre irregularidades na escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022.
O relatório de Garcia serviu de base para o Fifagate, quando o FBI (Polícia Federal dos Estados Unidos) invadiu o Hotel Baur au Lac, em Zurique, durante um Congresso da Fifa que reelegeria Joseph Blatter como presidente da entidade, em 2015. À ocasião, houve a prisão de sete dirigentes da Fifa, incluindo o brasileiro José Maria Marin. Reeleito, Blatter renunciaria dias depois.
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Em 2016, o Catar apoiou o príncipe Ali bin Hussein, da Jordânia, na eleição para a presidência da Fifa. Quando o príncipe deixou a disputa, após a primeira rodada de votação, sua base foi fundamental para que Infantino fosse eleito.
Desdobramentos
Como desdobramentos da reportagem, pode haver uma abertura de investigação sobre o tema nos Estados Unidos. O país considera crime a espionagem on-line, feita por agências privadas, contra cidadãos americanos. O FBI é quem investiga esse tipo de delito.
Na Suíça, Hargitay identificou uma tentativa de hackear seu computador em 2012 e fez uma denúncia criminal à época. O caso acabou arquivado. As revelações da reportagem podem gerar a retomada das investigações.