Bradesco investe em legado para se apropriar dos Jogos Olímpicos do Rio

Investir no esporte para ter uma história para contar. Esse virou o mantra do Bradesco na ativação do patrocínio aos Jogos Olímpicos de 2016. Para Jorge Nasser, diretor de marketing do banco, o conceito por trás da campanha “Agora é BRA” é o que move a própria ativação do patrocínio em si. Em entrevisa exclusiva à Máquina do Esporte, Nasser falou sobre a importância de não ser apenas um patrocinador das Olimpíadas. E, também, defendeu que marcas concorrentes possam ter patrocínio dentro de um mesmo evento esportivo.

Máquina do Esporte: Por que a decisão de começar um projeto mais consistente no esporte a partir das Olimpíadas?
Jorge Nasser: Quando a gente iniciou com o vôlei, que foi aquela seleção de prata do vôlei (em 1984), foi uma história que começou a ser construída. Em paralelo a isso, o Bradesco tinha algumas iniciativas, e muito pelo seu Braga (Antônio Carlos de Almeida Braga, ex-dono da Atlântica Seguros, comprada pela Bradesco Seguros), que também tinha essa visão na Bradesco Seguros voltada a apoiar o atleta. E ele apoiou desde outras modalidades, como a vela, o atletismo… Depois disso, a gente entrou com o basquete, depois com o time de vôlei do Finasa. Num dado momento, o banco decide ir mais para a base da formação, e aí surgiu  a ADC Esportes. Então está na origem do Bradesco, no DNA do banco, investir no esporte. Vemos uma série de outras empresas no mercado que estão muito bem em seus balanços e que infelizmente ainda não investem no esporte. Eu não quero ser o único banco, ou o maior apoiador. Quero ser parte de uma sociedade que investe no esporte e que as pessoas entendam a importância da formação do cidadão através do esporte, principalmente num país como o nosso que é tão carente em educação. Quando você não investe em educação, não investe em esporte, infelizmente você tem de investir em presídios. Aí surgiu a grande oportunidade e o privilégio para o Bradesco de construir uma Olimpíada em território brasileiro, a primeira Olimpíada. Nossa proposta foi muito consistente para realmente a gente levar esse patrocínio. E nela, colocamos uma condição que foi muito interessante e que, para nossa felicidade, o COB ponderou e valorizou bastante. Se nós não levássemos também a Paralimpíadas, nós retiraríamos a proposta.

Máquina do Esporte: Como foi trabalhar essa decisão do patrocínio internamente?
Jorge Nasser: Desde o alto conselho do Bradesco até os funcionários, todos reconhecem a importância desse patrocínio. É difícil apoiar uma Olimpíada. E você tem a complexidade de um banco com atuação no país inteiro poder contar uma história de todos os brasileiros. Parece poético isso, mas está dentro do DNA do banco. Você trazer uma competição desse tamanho para o Brasil é uma oportunidade única para fazer história. Nós não compramos um patrocínio, nós assumimos um compromisso para construir um legado para o esporte.

Máquina do Esporte: Como?
Jorge Nasser: Tem uma grande diferença no que a gente faz. Existe o marketing esportivo e o marketing do esporte. O marketing esportivo é legítimo, mas é mais fácil. É colocar a marca e fazer as ações de branding, de ativação, de promoção e alavancar negócios pelo esporte. O que fica disso? Pouco. Só que isso em tese é o mais fácil. Você coloca um caminhão de dinheiro nesse negócio e você vai ter um recall de marca. Só que tem uma diferença entre ter recall de marca e a preferência de uso da sua marca. Se você não contar uma história que fique, se não tiver uma representatividade legítima para o seu cliente, você fica como uma marca que vai ser lembrada, mas não com a preferência, você não pegou o coração.

Máquina do Esporte: Isso norteou os investimentos?
Jorge Nasser: Quando a gente faz vela, remo, natação, judô, basquete e rúgbi, você está cercando seis confederações com, primeiro, a chancela de uma grande organização que diz o seguinte: “eu acredito em você e acho que você pode virar o jogo”. É mais fácil pegar confederações que são garantias de medalhas. Você ir para um judô é tranquilo, porque é superorganizado, é consistente ao longo da sua história em participações olímpicas. Você tem algumas histórias que são mais fáceis investir. Muitas vezes nos perguntam “por que rúgbi”. Nós respondemos: “Por que não você patrocinar uma confederação que tem necessidades de crescer?”. São apostas que a gente fez que é a grande diferença do marketing esportivo do marketing de esporte.

Máquina do Esporte: Como é feita a escolha de uma confederação?
Jorge Nasser: Na realidade tem duas formas práticas de escolher. Primeiro, as que estão disponíveis, e a segunda aquela que você vê um trabalho sério que está por trás dela. Algumas num trabalho de recuperação e outras no de consolidação do que já tem, até por um compromisso de investimento. Óbvio que nós gostaríamos de ter mais, mas aí vai a questão do fôlego que a gente faz.

Máquina do Esporte: É tudo feito internamente?
Jorge Nasser: Nós temos um time dedicado para isso. Entre todos os patrocinadores locais, só nós estivemos em Sochi. Fomos lá para ver como ativar a marca, entender como o Time Brasil se comporta, para entender como é construído o relacionamento das marcas, ver como que o país se preparou…

Máquina do Esporte: A situação do país pré-Copa do Mundo assusta pensando num cenário olímpico?
Jorge Nasser: Para nós, a Copa do Mundo tem uma importância muito grande, que é ser o “crash test” do projeto de esporte do país. É a primeira competição de peso que você está recebendo no país, com 12 sedes, uma operação de logística muito grande…

Máquina do Esporte: E pensando em Jogos Olímpicos…
Jorge Nasser: Acho que a coisa que vai ser mais maravilhosa é que nós vamos fazer uma Olimpíada com a cara do Brasil. É o jeito do brasileiro de fazer as coisas. Tem o jeitinho, mas tem também o lado prático, afável, de arregaçar as mangas. Muitas vezes vamos chegar a algum local e ainda estará a tinta fresca, mas ela está lá, em pé, vai acontecer. Tem duas formas de encarar agora. Ser só o lado cético do projeto e o outro é dizer: “Nós compramos a briga e vamos entregar”. Se a gente entender a missão que todo mundo tem para construir essa imagem de país e essa cultura que a gente pode transformar, pode ser um divisor de águas para esse país, onde você passa da puberdade para a fase adulta. Nós somos muito otimistas, não somos ufanistas. A gente sabe que tem um monte de coisa que precisa ser trabalhada, tem um caminho para a formação de atletas, que é muito sério, para ser perseguido. Tem um lado também que é da responsabilidade da infraestrutura para receber uma competição desse tamanho…

Máquina do Esporte: O “Agora é BRA” foi um conceito muito bem apropriado pelo banco pré-Londres. Ele continua agora, mesmo sem o mesmo otimismo de antes em relação ao país?
Jorge Nasser: Costumo brincar que chegou a hora de essa gente bronzeada mostrar seu valor. Não tem outra saída. Você vai jogar a toalha, dizer que não vai dar? Impossível imaginar um negócio desses. Na cultura do Brasil, não temos a tradição de planejamento de longo prazo. Até por uma questão histórica. Existe uma curva de aprendizado na nova cultura do brasileiro de olhar o médio e longo prazo. Só que ainda tem de amadurecer. É óbvio que vamos deixar coisas para a última hora, porque não está na pauta de prioridades ainda. Mas eu acho que isso faz parte dessa construção. O fundamental dessa história é que, de nada adiantaria, na construção desse novo momento do esporte do Brasil, se a gente não acreditasse. Então, faça chuva ou faça sol, a gente vai dizer que agora é hora desse BRA. O orgulho da brasilidade, do patriotismo que ainda só existe no futebol, a gente vai levar para outros esportes.

Máquina do Esporte: Qual o papel da mídia nesse processo?
Jorge Nasser: Tem de ter coragem, desprendimento, para saber que está todo mundo construindo essa história. Quando você coloca o nome de uma arena, e ela não é chamada pelo nome do patrocinador, é um desserviço que a mídia faz. Está todo mundo vendo isso a olho nu. Não tenta jogar areia nos olhos, porque você está prestando um desserviço. Quando existe um time Finasa/Osasco, ele não é Osasco ele é Finasa/Osasco. Quando tem um BCN, ele é de onde? As marcas não são filantrópicas ao investir no esporte. Ela precisa ter retorno de marca. Aí é uma troca. Eu tenho compromisso com o esporte, com o legado, mas se espera que os outros players desse mercado também reconheçam o que você está fazendo e, quem sabe, inspirem os outros a fazer a mesma coisa. Esse é o maior desafio que nós temos. Quando a gente chama novos patrocinadores, nem sempre tem eco. Seria muito mais fácil eu ter um campeonato que tivesse dois, três patrocinadores comigo, que ajudassem a promovê-lo, do que eu ter de fazer isso sozinho. As marcas precisam ter um desprendimento maior para construir uma história, principalmente no esporte. É você ter coragem de dizer que é preciso ter outra marca como parceira, não como inimiga. A gente conseguiu fazer isso na natação, com o basquete…

Máquina do Esporte: Isso com as marcas não concorrentes, logicamente.
Jorge Nasser: Sim. Se você conseguisse ter concorrentes, seria o estado da arte. É como você tem nos jogos de beisebol dos Estados Unidos, em que há três ou quatro seguradoras, montadoras. Por quê? Porque você não está competindo por aquele espaço, mas pela competência de mostrar a sua marca. Seria como você dizer que, num intervalo comercial, não quer mais nenhuma outra concorrente. Isso não existe. Para a construção de um caminho do esporte, você precisa ter um desprendimento disso. O marketing de emboscada, para qualquer um dos eventos, é um desserviço.

Máquina do Esporte: Mas não é esse o jeito de a marca poder participar?
Jorge Nasser: Mas não precisa ser emboscada. Você pode fazer isso sem ser invasivo. É uma questão de respeito.

Máquina do Esporte: Como você consegue travar isso sendo patrocinador?
Jorge Nasser: O que a gente costuma dizer, mais importante que o calibre, é a mira. Em Londres, por exemplo, a gente acertou o que precisava naquele momento. Nos Jogos Pan-Americanos, obtivemos um recall de 14% sem sermos patrocinador. Mas, em nenhum momento, falaram que isso era uma emboscada. Eu não preciso ser invasivo. Tem momentos em que a gente pode construir juntos, por mais utópico que possa parecer.

Máquina do Esporte: Há algum interesse em entrar no futebol?
Jorge Nasser: Nós temos algumas ações, como com o Time Brasil, que durante as Olimpíadas são uma propriedade nossa. Mas o futebol ocupou um espaço hoje que, se você falar em construção de legado, você não precisa estar mais nele. Ele está bem resolvido.

Máquina do Esporte: Seria o típico caso de investimento em marketing esportivo, não do esporte…
Jorge Nasser: Sim. E você tem uma disputa confusa no futebol. Tem muitas marcas ali. Há muitos bancos, muitas operadoras. Se você fizer uma pesquisa de quem é o patrocinador do futebol, é uma salada. Talvez tenha outras searas para investir mais em marketing esportivo.

Máquina do Esporte: Ele pode trazer um retorno maior com um investimento menor.
Jorge Nasser: Eu costumo dizer que a conta nunca está no investimento. Se você conseguir ser assertivo… Por exemplo, tivemos uma ação fantástica no campeonato de vela, que foi o relacionamento.

Máquina do Esporte: Quais os benefícios de fazer um patrocínio de Olimpíadas?
Jorge Nasser: Você tem três pilares de uma jornada olímpica. A primeira delas, que é a mais importante, é fazer o funcionário entender porque você está fazendo. Você precisa inocular, toda equipe, para o cara entender o que está fazendo. Nós estamos há três anos levando para o banco uma história do esporte. A segunda questão é o entendimento do cliente do que você está fazendo e porque você está fazendo. E ai você precisa deixar claro para o teu cliente, o teu parceiro, que ele é parte dessa história. E por fim tem o terceiro, não menos importante, que é o que você efetivamente gera de negócios e o que vai ficar de lembrança de marca. Com esses três pilares, você constrói uma jornada olímpica.

Máquina do Esporte: Qual é o cenário pós-Olimpíadas?
Jorge Nasser: É uma boa pergunta. As confederações têm contratos anualmente. Eu acho que naturalmente tem um desaquecimento logo após as Olimpíadas. Mas você tem de pensar sempre até onde vai a sua missão em cada ciclo. Faz sentido continuar com as confederações? Pode fazer. Se for necessário para as confederações continuar Algumas propostas que a gente mostrou para Rio-2016 eram até 2020. Nós temos alguns projetos que podem ultrapassar tranquilamente a Olimpíada. Mas acho que mais importante do que até onde vai é como vai até onde está compromissado. Eu tenho de ser transparente com o acionista. Tenho de ter opções para ele que ele olha e decida continuar a seguir.

Máquina do Esporte: O que muda para o banco aprender como uma Olimpíada?
Jorge Nasser: Você realimenta, refresca a cultura da casa. A Olimpíada tem história de superação, de garra, de realização de sonho, performance. O mundo empresarial tem tudo a ver com esporte. Você tem de ser leal, transparente, eficiente. A química é perfeita. É sonho de um departamento de marketing comunicar, no endomarketing, alguma coisa que tem esporte. Para nós, é uma forma de cada vez mais revigorar a cultura do Bradesco para as pessoas que estão entrando no banco.

Máquina do Esporte: O quanto a Olimpíada aumentou a equipe dentro do banco?
Jorge Nasser: Menos do que gostaria (risos). O ápice vai chegar em volta de junho e julho do ano que vem. Sob o aspecto da estratégia, tudo acontece até a hora que a tocha chegar dentro do estádio olímpico. Uma coisa bacana que aprendemos com os outros bancos patrocinadores é que você pode contar com parceiros terceirizados. Claro que é difícil ter uma equipe grande, porque tem várias ações que tem início e fim.

Máquina do Esporte: O desempenho do Brasil na Olimpíada é algo que preocupa o banco?
Jorge Nasser: Não existe milagre. O Brasil vai ser um grande anfitrião das Olimpíadas. Mas acho que o fundamental não é o número de medalhas. Tem também um ranço. O Brasil trouxe 17 medalhas de Londres, mas o comentário era sobre as que foram perdidas. Óbvio que o Brasil tem um objetivo grande de medalhas. Mas acho que esse não é o principal foco. O quanto você vai crescer modalidades que não eram vistas, o quanto você vai inspirar pessoas a praticarem novos esportes, o quanto você vai construir para a próxima Olimpíada. Mais importante que o resultado de medalhas é esse aprendizado para a próxima. Nosso foco não é o número de medalhas, mas a performance de modalidades que até então estavam bem.

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