Até o início da Copa do Mundo, o futebol ofensivo apresentado pelo Santos rendeu títulos, visibilidade e bons negócios. O período coincidiu com o início da gestão de Luis Álvaro de Oliveira, reconhecidamente positiva, status até então restrito a clubes como Internacional e São Paulo. A demissão de Dorival Júnior na última quarta-feira (22), porém, marca a primeira crise a ser sanada pela nova direção.
O técnico, insatisfeito com o mau comportamento apresentado por Neymar, mantido no futebol brasileiro com a promessa de protagonizar inédito modelo de captação de recursos, desafiou a cúpula alvinegra e quis castigar o atleta. O desacato à hierarquia do clube lhe custou o emprego. A demissão, apesar de ter gerado ferrenhas críticas por parte de imprensa e torcida, contudo, não deve alterar o rumo santista.
A princípio, a direção do Santos mantém a convicção de que tomou a medida acertada. “Em qualquer empresa no mundo, se acontecesse essa situação entre presidente e funcionário, a atitude seria a mesma”, avisa Armênio Neto, gerente de marketing do time, à Máquina do Esporte. A repercussão negativa incomodou dirigentes, mas não irá modificar os planos traçados para a temporada.
A demissão de Dorival Júnior, segundo o gerente, também não afetou o posicionamento de empresas, patrocinadoras ou não, em relação à equipe da Baixada Santista. Em meio às reclamações de torcedores sobre o comportamento de Neymar, sob o argumento de que as atitudes da jovem promessa demonstram soberba e arrogância, Neto garante que nenhuma companhia se queixou ou recuou.
A fé no atacante, ao que tudo indica, se mantém inabalável. O marketing santista reconhece que, se recorrentes, demonstrações de insubordinação podem inviabilizar o projeto proposto para captação de verba, mas crê no bom senso de Neymar. “É um menino de família, rapaz carismático e amoroso, alguém que todo mundo quer abraçar, beijar, pedir autógrafo”, conta o gerente.
A primeira crise da gestão de Luis Álvaro, no entanto, irá acelerar a criação de departamento para gestão de carreiras, inédito no Brasil. O projeto seria executado de qualquer maneira, de acordo com Neto, mas o episódio reforçou a necessidade de sua existência. “Esse departamento irá ganhar musculatura e tamanho, até porque o Santos é uma fábrica de talentos”, revela.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: Com a demissão de Dorival Júnior e a repercussão negativa gerada, o Santos crê que a atitude foi acertada? Há algum arrependimento?
Armênio Neto: Sou de marketing, não presidente. Não tenho legitimidade para julgar uma decisão administrativa. Mas nós trabalhamos em uma gestão compartilhada e pensamos dentro de uma mesma unidade. O Santos tomou essa decisão e, dentro de qualquer empresa no mundo, se acontecesse essa situação entre presidente e funcionário, a atitude seria a mesma. Tenho certeza absoluta.
ME: O Santos teme que de alguma forma a imagem de boa gestão que tem sido criada desde a posse do presidente Luis Álvaro seja manchada por esse episódio?
AN: Não tememos nem um pouco. A decisão da gestão foi acertada e tem coisas que não mudam: o respeito à hierarquia, a consciência de que o presidente do clube ainda é a autoridade máxima. O que foi acordado entre as partes tem de ser cumprido. Não é algo que muda a imagem da gestão. Penso dessa forma. A nossa gestão entrou, equacionou dívidas, que não eram poucas, triplicou os valores de patrocínios, realizou ações emblemáticas como trazer o Robinho ao Brasil a custo zero, conseguiu resistir a uma pressão muito forte para vender seus principais atletas, criou planos de carreira, algo inédito no Brasil. Nós desenvolvemos um raciocínio diferente de gestão com um comitê composto por grandes executivos. Esse comitê olha para dentro, corrige tudo o que está errado em todos os sentidos. Essa gestão não pode ser desmerecida por uma atitude que pessoas que não têm a informação completa rotulam como equivocada. Nós fomos campeões duas vezes em seis meses, algo que não acontecia com o Santos desde os anos 1960. Então, além da gestão, tem resultado esportivo. Tudo isso está sendo deixado de lado porque o Santos decidiu rescindir amigavelmente, de comum acordo, o contrato com o treinador. O Neymar cometeu uma indisciplina, foi punido financeiramente e administrativamente, se desculpou, voltou e está sendo observado.
ME: Qual a relação entre a demissão de Dorival Júnior e o marketing santista? A decisão partiu de que departamento ou esfera do clube?
AN: A decisão é da gestão do clube, composta por presidente, comitê e gerência executiva. Nós temos o comando compartilhado. O presidente, efetivamente, é quem dá a última palavra em todos os assuntos internos, mas nós temos um comitê de gestão que compartilhou a decisão, além de diretoria estatutária e gerência executiva. Não foi uma atitude isolada. O Santos não trabalha assim. Isso é coisa de antigamente, quando o presidente era onipotente, onipresente e ninguém podia falar nada. Ao contrário, o presidente do Santos é democrático, moderno, compartilha o raciocínio. Ele está acostumado a gerir e compartilhar decisões.
ME: Como a repercussão negativa do caso está afetando e ainda deve afetar o planejamento do marketing santista para a temporada?
AN: Na teoria, se perguntar para especialistas, todos vão dizer que prejudica. Na prática, nenhuma negociação recuou, nenhum patrocinador reclamou, nenhuma empresa que estava conversando conosco sobre alguma modalidade de negócio desistiu. Por uma razão simples: a imagem do clube e a imagem do atleta são o que essas pessoas que compõem o clube são, e não o que não são. Não se pode pegar uma situação isolada e determinar que é assim que as coisas são. O Neymar não é o atleta que age como no jogo contra o Atlético-GO. Foi um dia muito ruim para ele. Ele é tudo aquilo que todos diziam até 15 dias atrás. O resgate ao futebol arte brasileiro, algo que todos queriam, alguém que todo mundo quer abraçar, beijar, pedir autógrafo. É um menino de família, rapaz extremamente carismático e amoroso. Ele é querido pelo grupo, pelo clube, até porque está aqui desde os 12 anos de idade. O clube tem essa gestão ousada, ao mesmo tempo responsável, que enfrenta todos os problemas de frente, não foge das situações. Buscamos o equilíbrio financeiro do clube, raciocinamos de jeito moderno. Não é uma atitude intempestiva que define nosso planejamento, até porque ela não foi intempestiva e a gestão está coberta de razão.
ME: A nova gestão santista está preparada para gerir crises como essa desencadeada pela demissão de Dorival?
AN: Acabamos de gerir. Por conta de uma situação delicada, tivemos de agir. Temos uma estrutura de comunicação e assessoria de imprensa com gente muito experiente, que em trabalhos anteriores viveu situações delicadas. Eu entendo que, francamente, o Santos está preparado, sim. Tem quem discorde, quem diga que falhamos, que faltou jogo de cintura. Mas quem tem a informação completa e vivenciou todo o desenrolar dessa história sabe, tenho certeza, que teria tomado a mesma atitude se estivesse nessa situação. Conseguimos responder rapidamente, de maneira clara. O resultado você viu ontem [no jogo contra o Corinthians]. O Neymar jogou bem, soube se comportar e aprendeu com a situação. É questão de observar para ver se funcionou. A presidência tomou a decisão que achou acertada e em qualquer empresa seria assim. Mas as pessoas de fora são diferentes e aí fica complicado agradar sempre.
ME: Como o Santos pretende contornar a má repercussão do caso? Quais serão as atitudes a serem tomadas daqui em diante?
AN: Continuaremos trabalhando como fazíamos, da mesma forma. Temos objetivos, estratégias. Não vamos desviar um milímetro. Francamente, não precisamos fazer nada para que a boa imagem volte, porque ela não é adquirida. Ela é conquistada. Se até hoje estávamos com essa imagem, não será uma atitude, que algumas pessoas pensam ter sido equivocada, que irá mudar. Com as próximas realizações, o reconhecimento volta normalmente. Assim como a percepção negativa ao Neymar, que surgiu de forma “episódica”. Isso muda com o dia a dia. Continue monitorando e verá que a gestão será a mesma, com as mesmas pessoas e ideias. Não vamos desviar nem um milímetro.
ME: Diante das pesadas críticas de jornalistas e torcida ao comportamento de Neymar, como o marketing santista irá trabalhar a imagem do garoto no futuro?
AN: Imagem é o que ele é, e não o que não é. O que aconteceu contra o Atlético-GO não é. Não precisamos fabricar nada. Ele é um fenômeno de mídia naturalmente. Não fabricamos nada até agora. Não combinamos com ele de cortar o cabelo moicano, porque é tudo natural. O que temos de fazer é preparar o Neymar pessoa, atleta, para enfrentar situações. Capacitá-lo para ser um profissional cada vez melhor. Fazê-lo evoluir com a bola no pé quem faz é o departamento de futebol. Um exemplo interessante é que, falando em gestão do Santos, nós vamos colocar um negócio que ninguém tem em atividade: um departamento de gestão de carreira para fazer com que os atletas se tornem melhores pessoas. Vamos tratar esse lado de gestão de carreira diretamente com os atletas. É uma atitude que prevíamos e colocaríamos em prática de toda maneira, mas que agora passa a fazer mais sentido. Esse departamento vai ganhar musculatura e tamanho, até porque o Santos é uma fábrica de talentos.
ME: O marketing santista teme que o projeto criado em torno de Neymar seja prejudicado por esse episódio, sobretudo se ele se tornar recorrente?
AN: Se o Neymar passar a ter essa atitude sempre, é lógico que prejudica, mas não vai acontecer porque ele não é assim. O que precisamos é potencializar os aspectos positivos e ajudá-lo a evoluir nas deficiências. Ninguém é perfeito. É nossa responsabilidade ajudá-lo a crescer e você vai ver um cara que estará nas próximas Copa América, Olimpíadas e Copa do Mundo. Um grande ídolo do futebol brasileiro, identificado com o povo, porque quis ficar aqui. É isso que vai acontecer. Vamos lapidá-lo nesse sentido para que ele tenha o futuro brilhante que com certeza terá.
ME: Em mídias sociais, surgiram os chamados “Neymar facts”, com frases irônicas sobre o comportamento do rapaz. O Santos pretende trabalhar de alguma maneira com essas redes para reverter essa imagem?
AN: Isso é algo que colocamos para ele. Até então, ele só estava presenciando o lado positivo da gigantesca exposição que tem. Agora, ele aprendeu muito com a negativa. Só teve essa repercussão toda porque o Neymar tem grande apelo. Se ele ganha ontem e dá um toquinho de calcanhar, imagina o que iria repercutir hoje. Ele tem essa repercussão com velocidade e informalidade malucas. É algo muito elevado. Dentro do raciocínio de preparo do atleta, temos de desenvolver a personalidade dele em todos os sentidos. Saber lidar com as mídias é um ponto super importante.
ME: O Santos mais de uma vez afirmou o desejo de trabalhar a imagem de Paulo Henrique Ganso a exemplo do que já vem sendo feito com Neymar. Quais atitudes terão de ser diferentes em relação ao Ganso?
AN: Quando há raciocínio de gestão, obviamente há um formato padrão, mas tem customizações, porque as pessoas não são iguais. Um exemplo prático: uma das coisas que vamos trabalhar com o Neymar é o poder de comunicação. O Ganso tem desenvoltura em entrevistas, mas o Neymar ainda precisa aperfeiçoar. O Ganso também tem que ser aperfeiçoado, todos têm, mas são intensidades diferentes. Há atletas que falam espanhol e, pensando na carreira deles, não precisam tanto de aulas de idiomas, como as de inglês que são dadas hoje para os jogadores. Para uns precisa ensinar, para outros, não. Existe uma linha de conduta na gestão de carreira dos atletas. O que há para potencializar, corrigir, dar mais peso, tem muito a ver com o indivíduo. É um “padrão customizado”.
ME: Qual foi a repercussão do caso por parte das empresas? O Santos percebeu alguma mudança em relação ao posicionamento delas depois do caso?
AN: Nós temos renovações de patrocínios, negócios em andamento. Temos três patrocinadores em processo de renovação: Herbalife, Medley e Seara. Tudo corre normalmente. Mais especificamente em relação ao Neymar, nenhuma empresa disse nada. Nenhuma recuou. Tudo segue o curso absolutamente normal por uma razão simples: todos os parceiros têm plena consciência de que aquilo foi um episódio infeliz. A regra é outra: gestão moderna, visão diferente, DNA de futebol bonito, agradável, ofensivo, líder em exposição de mídia. Somos o clube que mais entrega exposição aos patrocinadores no Brasil. Tudo isso é Santos e Neymar e essas personalidades estão muito claras nas cabeças dos executivos. Não houve recuo.