Em 2000, a empresa inglesa Bovis Land Lease chegou ao Brasil para criar um grupo de profissionais para criar projetos e gerenciar obras. Cinco anos depois, os ingleses foram embora e Danilo Carvalho fundou a Daro Engenharia. Mas foi somente em 2009 que o arquiteto teria em mãos quatro dos doze projetos de estádio para a Copa de 2014, no Brasil.
Carvalho assumiu os projetos para Manaus e Natal. Comprometeu-se a prestar consultoria para o projeto do Mineirão, desenvolvido pelo arquiteto Gustavo Penna, em Belo Horizonte. E teve como principal desafio fazer um estádio que não se transforme em um ‘elefante branco’ na cidade de Cuiabá, que tem pouca tradição no futebol brasileiro.
Dar sustentabilidade financeira aos estádios parece ter sido, de fato, o maior empecilho de Carvalho. Para isso, o arquiteto se empenhou em estudos de viabilidade, que preveem até um uso pouco esperado para uma moderna arena multiuso: espaço para feira agropecuário. Esse deve ser um dos destinos do estádio de Cuiabá, que terá sua capacidade reduzida para além da sua metade.
Antes da idealização dos estádios, Danilo Carvalho e sua equipe viajaram ao mundo, especialmente à África do Sul, para analisar e se inspirar no que há de melhor em termos de arenas. Ainda assim, faz questão de ressaltar: “cada projeto é único”. Com a ajuda das próprias cidades, fez Natal reforçar suas Dunas e Manaus olhar para a cultura indígena no desenho de seus palcos para o Mundial no Brasil.
Mas se ”a comparação é complicada”, um fato deve aliviar aqueles que não acreditam que as arenas do país não serão no padrão esperado. “o Brasil vai ter os estádios mais modernos do mundo, não deverão a ninguém”, afirma Carvalho.
Máquina do Esporte: Como a Stadia lida com a possibilidade do uso de energia solar nos estádios? Existe alguma solicitação da Fifa para essa questão?
Danilo Carvalho: Não existe nenhuma exigência quanto o uso de energia solar nos estádios. O que a Fifa solicitou é que eles fossem certificados pela entidade. Nos nossos projetos, existe uma série de medidas pensadas para torná-los sustentáveis, como a reciclagem dos materiais usado nas construções e a possibilidade de reaproveitar até a água da chuva, para ser tratada e novamente usada. Para as placas fotovoltaicas, nós estamos em contato com empresas do exterior para estudar a possibilidade. São empresas da Alemanha e da Espanha. Mas existe a questão do custo: essa tecnologia ainda é bastante cara, ainda não há uma viabilidade financeira certa para isso. O que existe é a possibilidade delas serem subsidiadas pelas empresas que detêm a tecnologia. Ainda assim, há um problema com a legislação, que impõe dificuldades para a produção de energia.
ME: Esse é um problema específico do Brasil, mas que invariavelmente será mudado em algum momento. Existe algum lobby dos responsáveis por estádios para Copa para que a lei seja mudada a tempo?
DC: Não sei de lobby a favor, mas sempre soube de um lobby contrário, pelos interesses que existem na produção de energia. Isso, somado ao custo, torna a sua utilização complicada. Acho temerário colocar no projeto de um estado as placas fotovoltaicas. Elas podem até estar em anexo, podendo ser inseridas se houver sustentabilidade financeira.
ME: Como os projetos da Stadia trabalham com as áreas comerciais dos projetos de estádios? Existem diferenças entre cada arena?
DC: O que a gente foca para cada estádio é uma preocupação ambiental e financeira. Com esses dois temas em mãos, nós temos regras para avaliar a viabilidade do estádio. Cada projeto vem com uma série de estudo para se adequar ao mercado. Queremos, por exemplo, reduzir a capacidade dos estádios para que eles não se tornem maiores do que serão necessários. Os eventos após a Copa não podem ser menores que os próprios estádios. Além disso, quanto maior a capacidade, maior o custo de manutenção, já que há mais lâmpadas, maior área de pintura… Para as áreas comerciais, nós temos que medir a demanda que ela receberá. Não adianta só por lojinha dentro, tem que ter um estudo. Em Cuiabá, por exemplo, não cabia shopping. Mas para o pós-copa deverá ter academia, faculdade. O gramado terá que ter um maior acesso, para que a área possa ser usada em feiras agropecuárias. Não há um modelo de estádio inflexível, ele exige muito estudo de mercado.
ME: Quando se fala em reduzir a capacidade do estádio, exclui-se a possibilidade de arquibancada tubular. Esse meio não facilitaria a construção e sustentabilidade dos estádios?
DC: A Fifa não permite. Mas hoje nós temos tecnologia muito boa para arquibancada tubular. Se pudéssemos, faríamos uso, o que diminuiria muito o custo da construção. A tecnologia está tão avançada que nem aquele aspecto de tubular existe mais. Na África do Sul foram usadas essas cadeiras temporárias, mas sem a aprovação da Fifa. As obras deveriam ter passado pela entidade, mas não passaram. E isso a gente não quer, queremos estar juntos com eles.
ME: Após a Copa, a Stadia administrará os estádios? Até aonde vai o envolvimento da empresa?
DC: A gente faz o projeto e o gerenciamento até a entrega após as obras estarem terminadas. Para a administração, existem empresas especializadas que assumem e operam os locais. Elas ficam responsáveis por trazer comércio, trazer artistas para fazerem shows e etc. Pelo menos é esse o recomendado, que se passe a uma empresa. O que a gente fez foi o estudo de viabilidade do estádio, mas como ele é aproveitado fica com quem o assume.
ME: Qual o modelo de estádio que vocês se inspiraram? Como é esse processo de criação?
DC: Todo projeto é único. Você une elementos do entorno, elementos da natureza e pensa no projeto. No estádio de Manaus, a cobertura tem inspiração indígena. No caso de Cuiabá, a preocupação é outra, é a otimização do custo. Já a arena de Natal, a cobertura tem curvatura que remetem às dunas. Na parte interna também se analisa os arredores. Tudo depende de como as pessoas chegam ao estádio e se existe uma praça de vazão na saída; as arquibancadas tem que ser evacuadas em oito minutos, no máximo. No caso do estacionamento, nem sempre pode ser subterrâneo, isso depende do lençol freático.
ME: Vocês visitaram recentemente diversos estádios no mundo. Os projetos do Brasil estão mais próximos dos vistos na Alemanha ou nos encontrados na África do Sul?
DC: Na África do Sul, a gente fez uma inspeção nas estruturas dos estádios. E a gente fez isso em outros países também, como França e Alemanha. Mas a comparação é complicada, são realidades diferentes. Os europeus têm uma tecnologia interessante, mas a mobilidade é diferente, eles têm transporte público, não há uma necessidade tão grande em estacionamentos, por exemplo. Mas eu não tenho dúvida: o Brasil vai ter os estádios mais modernos do mundo, não deverão a ninguém. Eles estarão dentro dos requerimentos da Fifa e dentro do que há de mais moderno. Em tecnologia, se muda muito. Em termos de iluminação, por exemplo, um estádio para poder ter um jogo de futebol precisa de 800 a 1500 lux (unidade para medir a quantidade de luz). Para se adequar à televisão, esse número passou para 1800. Hoje a Fifa exige 2500 lux para se antecipar na tecnologia em 3D. O Brasil estará adaptado a isso, às novas tecnologias em catracas, em irrigação de gramado, em placares eletrônicos. No placar, agora é tudo LED, uma tendência em novos estádios.
ME: Como os grandes eventos no Brasil, qual é a perspectiva de mercado da Stadia?
DC: Eu estou no mercado desde 1993 e eu nunca vi tanta proposta específica para o esporte como agora. Mas esse crescimento já passou, já que para a Olimpíada de 2016 não haverá tantos projetos como é feito para a Copa. O que nós queremos no futuro é pegar essa experiência e prestar serviço de consultoria para os próximos grandes eventos fora do Brasil. Projetos no México, na África, nos Estados Unidos, no Chile. Isso está no nosso DNA e estamos focados nisso.