O Brasil parece ainda engatinhar quando o assunto é gestão de esporte. Em meio à discussão sobre a reformulação da Lei Pelé, os clubes ainda batem cabeça quando tentam profissionalizar o seus departamentos. A quatro anos para a Copa do Mundo no país, os times perdem dinheiro com a simples desinformação do mercado em que estão inserido.
O advogado Eduardo Carlezzo percebeu as dificuldades enfrentadas quando entrou no mercado, há quase dez anos, e fundou sua própria empresa para dar assessoria jurídica aos clubes e entidades que penam para se modernizar e encarar as novas realidades. Novas imposições, como a própria Lei Pelé, garantiu-lhe destaque ao cuidar de assuntos que envolvem milhões de reais, como, por exemplo, os novos contratos com atletas do futebol.
Carlezzo avaliou a condição dos nossos clubes, “com um longo caminho para percorrer”, ao afirmar que ainda não estamos com a maturidade para tratá-los como empresa, como sociedades anônimas em bolsas de valores. Falou sobre a condição dos clubes europeus e afirmou que, para o sistema ser saudável, é preciso profissionalização e também fiscalização. Nesse modelo, o exemplo ideal passa a ser o alemão, em detrimento do inglês, como se pensava há alguns anos.
Analisou também as condições dos clubes brasileiros em manter a sua base, com o gancho da saída do jogador Oscar do São Paulo. Para o advogado, as administrações ainda tem dificuldade em segurar seus jogadores, até pela legislação que lhe são impostas. Elogiou, no entanto, a Lei Pelé, com a afirmação de que as mudanças têm sido “geralmente benéficas”.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Existe um movimento dos clubes europeus para se colocarem nas bolsas de valores de seus países. O que começou na Inglaterra, hoje é uma realidade crescente em Portugal e na França. Até clubes chilenos têm se arriscado no mercado. No Brasil, os clubes estão preparados para essa nova possibilidade ou aqui a realidade é outra?
Eduardo Carlezzo: Nós temos vários exemplos na Europa de clubes que abriram o capital na bolsa de valores. Mas hoje nós estamos mais próximos de Portugal, onde clubes lançaram ações mais recentemente, depois da Inglaterra. Os casos mais próximos são mesmo os dos clubes chilenos, que tiveram bastante êxito na iniciativa, com a Universidad Católica conseguindo obter US$ 25 milhões no ano passado. No Brasil, há uns cinco anos, o Coritiba tentou entrar nesse mercado, mas não conseguiu autorização. Acho que temos um longo caminho para percorrer para tornar isso uma realidade. O primeiro passo tem sido dado, com os fundos de investimentos com objetivos de obter direitos econômicos de atletas. É um passo importante para podermos pensar em compras de ação de um clube no futuro.
ME: Como proteger os atletas de base? Existe algum meio de resguardar o clube da ação de empresários ou de outros clubes predadores, que só pensam em contratar o jogador formado e arrecadar dinheiro?
EC: Com atletas com menos de 16 anos, os clubes ficam desprotegidos. O máximo que ele pode fazer é um contrato de formação. Isso não impede que ele saia do clube, mas se o clube se comprometer a assinar e cumprir o contrato, ele pode pedir indenização ao perder o atleta para algum clube ou empresário. Mas é só isso. Com menos de 16 anos, não há muito o que possa ser feito.
ME: Como o senhor viu a saída recente de alguns jogadores do São Paulo, com o caso mais evidente do Oscar?
EC: O Oscar não tinha 16 anos ao assinar o contrato com o São Paulo. Portanto, o contrato não era válido e não há muito o que fazer. Poderia ter sido feito um contrato por preferência para conseguir ficar com o atleta depois, mas apenas isso. Trata-se de uma zona cinzenta para o clube formador.
ME: Com ou sem ação na bolsa, transformar os clubes em clubes-empresa representa vantagem concreta para times?
EC: A vantagem de criar empresa jurídica, sociedade anônima, é a necessidade de transformar a administração, a estrutura do clube. Se isso não acontece, não faz diferença se é empresa ou clube. O que os clubes-empresa precisam é se profissionalizar. A mudança é válida para trazer recursos novos, atrair novos investidores e entrar com um efetivo.
ME: Em que pontos o senhor acha que a legislação brasileira ajuda a gestão de um clube brasileiro?
EC: A Lei Pelé trouxe malefícios e benefícios aos clubes brasileiros. Existem pontos polêmicos e que no início pareceram prejudiciais, mas que em longo prazo se provaram o contrário. Quando entrou em vigor, uma série de jogadores entrou na justiça e conseguiu se desvencilhar de seus times. Foi uma bagunça. Mas hoje existe um cuidado muito maior com o contrato e suas exigências, o que é benéfico. Outro benefício foi uma necessidade de profissionalização na gestão com as novas regras. Nenhuma lei é perfeita. A Pelé não foi e a sua recente reformulação também não vai ser. Mas, em geral, ela é benéfica para os clubes: ela deu uma maior segurança.
ME: E quais são os pontos maléficos?
EC: Existe algo que não está na Lei Pelé e que a legislação atrapalha: a contratação de estrangeiros. Pela legislação, eles só podem ter contrato de dois anos. O clube faz um investimento alto, contrata de fora, faz um contrato duradouro com a CBF, mas, pelas leis, só podem assinar por dois anos. Ao final, o jogador pode causar problemas e consegue se desligar do clube sem que esse seja ressarcido. O caso mais recente foi o do atacante Ariel, do Coritiba. O clube fez um investimento considerável para a sua realidade e, após esse tempo, pediu para sair. Infelizmente, esse ponto não tem sido discutido na Lei Pelé.
ME: Muitos times europeus têm donos, são empresas, mas isso não impede que eles tenham dívidas milionárias. O que há de errado nesse sistema?
EC: Os casos mais claros estão na Inglaterra. Há um endividamento absolutamente pesado nos clubes ingleses, dívidas insustentáveis. É o caso de Manchester United e Liverpool. O Chelsea nem tanto porque ele tem um dono que pode bancar as contas no fim do mês. Antigamente, achávamos que o modelo inglês era o ideal. Hoje só vemos dívidas. O modelo ideal passou a ser o alemão.
ME: Qual é a diferença?
EC: É uma questão histórica. Os alemães são muito sérios nos seus modelos de negócios, há um controle muito rígido, que na Inglaterra não acontece. A Bundesliga controla as finanças dos clubes e quem tem dívida muito elevada pode até ser rebaixado no campeonato. A organização pode recusar um clube que não cumpre com suas obrigações financeiras. É uma tradição no país.
ME: Como o senhor vê o “fair play” financeiro da Uefa, medida que tenta impedir que clubes tenham despesas superiores às receitas e que força os clubes a se manterem em dia com seus compromissos financeiros?
EC: Acho muito bom, muito positivo. Acredito que, com a imposição, não veremos abusos que vemos hoje. Acho que, em alguns anos, não teremos transferências como foram a do Kaká e a do Cristiano Ronaldo para o Real Madrid, contratações que chegaram a quase 70 milhões de euros.
ME: E quanto ao regulamento de licença de clubes, que pode ser imposta pela Conmebol aos clubes da América do Sul em seus torneios?
EC: O problema é que se ela fosse posta em prática já no ano que vem, teríamos uma Libertadores sem clube nenhum! Além da situação financeira delicada, a estrutura é muito delicada. Hoje temos jogos em países sem nenhuma condição de receber partidas. Temos jogos na Bolívia, por exemplo, em estádios sem nenhuma condição, sem nenhuma infraestrutura. E o licenciamento aborda esses aspectos. É uma questão urgente e eu espero que seja aprovada o quanto antes.