A situação do Vasco é complicada. O clube tem dívidas incalculáveis, dificuldades na captação de receitas, é mal visto pelo mercado e está na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. No último mês, no entanto, os cariocas anunciaram Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca e dono de uma vasta coleção de prêmios, como seu novo vice-presidente de marketing, que terá a incumbência de resgatar a credibilidade da agremiação.
Para muitos, essa é a leitura correta da atual situação do Vasco. O clube conseguiu trazer para a sua diretoria um dos maiores nomes da publicidade brasileira, feito quase inédito na história do esporte. Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, porém, Fábio Fernandes negou que essa aproximação entre os dois mundos seja uma prova da profissionalização da modalidade.
?Infelizmente não. Isso só mostra que eu fiquei louco por uns minutos e aceitei um chamamento do meu coração. Casos como esse são a maior prova de que acontece o contrário. A profissionalização exigiria pessoas competentes na sua área, mas que vivessem disso, e não caras como eu?, disse o executivo.
Só que o impacto da chegada de Fernandes é inegável. Durante anos, a gestão de Eurico Miranda se notabilizou pelo não-cumprimento de contratos com jogadores, patrocinadores e fornecedores de material esportivo, que até hoje cobram o Vasco. Agora, o clube se dá ao luxo de abandonar um contrato lucrativo com a Champs para ter um serviço de melhor qualidade com uma nova parceira.
?Eu participei da decisão sobre o rompimento. E agora não acredito em um contrato do tamanho do anterior na forma como ele estava. Aquilo era o preço da inadimplência. Eu prefiro ganhar R$ 500 do que não receber R$ 1 bilhão?, avaliou.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Como é assumir o Vasco em meio à ruptura com a Champs e a proximidade de um acerto com a Eletrobrás? Não há muita confusão?
Fábio Fernandes: Na verdade esse momento foi originado pelos nossos pensamentos. O rompimento passou por mim também. Não peguei essa decisão tomada. Faz pelo menos um mês e meio que estou trabalhando extra-oficialmente. Naquele momento, eu tinha ficado de tomar a decisão sobre a vice-presidência, mas deixei claro que iria ajudar. Eu já estava conversando com eles. E isso é uma decisão de um colegiado, de várias pessoas que estão no clube. O jurídico, o futebol, o presidente e eu entendemos que há razões que justificam não continuar com a Champs.
ME: Sobre a Eletrobrás, você já tem ideia do quanto o Vasco perdeu com esse ?atraso? de quatro meses*?
FF: Em relação ao que ele tinha é muito pouco. Em relação a outra alternativa a gente perdeu proporcionalmente seis meses de R$ 14 milhões, mas esse valor não é a realidade do patrocínio anterior [a MRV pagava cerca de R$ 3,5 milhões]. Eu acho, a despeito do tempo, que é uma espera mais do que vantajosa para o Vasco no médio e longo prazo. O patrocínio de uma Eletrobrás e o aval que ela traz para o clube faz com que essa seja uma excelente causa. É um patrocínio de longo prazo. Poderíamos ter ido para outra opção no início do ano para não ter essa ausência e teríamos tampado o buraco. Mas aí a gente poderia perder tempo com renovações no fim do ano, e ficar mais alguns meses sem receber. Agora nós teremos um patrocínio consistente e que vai permanecer por bastante tempo. Todo o esforço é mais do que justificado.
*Nota da redação: o acordo de R$ 14 milhões e três anos foi anunciado em dezembro, mas só valeria a partir de fevereiro, quando acabou o compromisso da MRV.
ME: E esse acordo, que só depende de uma certidão negativa de débito do INSS, está próximo?
FF: Isso não estava comigo e não é um assunto que eu domine, mas tenho ouvido de alguns representantes que em mais três ou quatro dias estará tudo resolvido. Agora, eu não gosto de ficar passando esse assunto para frente. Acho que temos de ter um respeito pelo torcedor, que já ouviu muito sobre isso. Todas as informações tem de ter a delicadeza de não desgastar ainda mais a situação. Eu até acharia melhor dizer que são dois meses, para que fique claro que ninguém está usando deste artifício para tirar vantagem. Muitas vezes se acredita naquilo, mas tem tantas questões que acabam sempre se interpondo que o prazo é alterado. E aí o resultado é uma perda de credibilidade com os torcedores.
ME: Você tem um currículo invejável e é um dos principais publicitários brasileiros. Isso vai ajudar o Vasco a recuperar a credibilidade dele no mercado, que estava abalada desde os tempos de Eurico?
FF: Eu acho que a possibilidade de se ter alguém como eu no Vasco é uma consequência de uma coisa maior que aconteceu antes. Eu sou apenas uma das coisas que estavam definidas para o Vasco. E essa definição é do Roberto Dinamite desde o início. Eu mesmo estou lá apenas porque existe essa credibilidade. Eu sou uma das vertentes, que é uma consequência positiva dessa forma inicial de pensar dessa administração. É claro que todas as pessoas que estão sendo colocadas por esse grupo tenderão a fazer essa mesma coisa. Só que para elas terem credibilidade elas precisam sentir a mesma coisa nos seus comandantes. Se eu passo isso fico feliz, mas sou instrumento de uma vontade anterior à minha. O que eu concordo é que o produto tem adeptos tem apaixonados, consumidores normais e tem rejeitadores. E todo produto precisa pesquisar qual é o estado emocional em relação a ele. O Vasco tinha um índice de rejeição altíssimo, próximo de ser condenado a uma percepção grave de ser revertida em curto prazo. O Roberto já demonstrou em sua eleição o desejo do vascaíno de mudança. Na chegada, ele ajudou que essa percepção fosse trocada. O voto podia ser apenas uma alternativa ao que existia, mas ele era uma alternativa muito querida. Você apresentava uma coisa muito próxima do ideal, com vários aspectos, inclusive o da credibilidade. E nós já estamos percebendo mudanças hoje. Quando você tem bons profissionais, e volto a dizer que eles são uma consequência do Roberto, a busca por esses vencedores é um pensamento da origem do Roberto. Isso a gente vai somar na hora que todas essas áreas conversarem com os agentes. Quando eu sento com uma empresa para conversar, vejo que eles sempre enxergam uma cultura mais profunda que aquela com a qual eles costumavam conviver.
ME: A sua entrada neste meio é um sinal de profissionalização do futebol?
FF: Infelizmente não. Isso só mostra que eu fiquei louco por uns minutos e aceitei uma coisa que não pode decepcionar os meus próprios sentimentos. A expectativa que eu tenho sobre mim, que meus filhos tem, que a minha mulher tem, as pessoas que me convidaram e esse universo de vascaínos é uma coisa que me angustia um pouco. Mas era um chamamento do meu próprio coração para uma causa que eu julgava fundamental. È um momento muito delicado e ao mesmo tempo muito histórico, importante e bonito que está vivendo o Vasco. Por mais paradoxal que isso pareça, é uma mobilização que há muito não se via, e ao mesmo tempo com uma carência e uma necessidade muito grande. Eu tinha a opção de manter minha vida já difícil, mas com alguma sanidade, dando uma resposta da razão. Ou podia tomar a decisão que eu tomei, que é de não virar as costas para mim, que é um difícil exercício para os sentimentos. Eu não vou poder virar as costas para mim todo domingo à tarde. Não posso só criticar e lamentar quando vir alguma coisa, tendo podido ser um agente importante nisso. E saber que, no fim das contas, soneguei essa possibilidade. É quase uma convocação. Eu definitivamente acho que isso é o contrário do profissionalismo. É a maior prova de que o futebol está muito longe do que ele deveria ser. Você vai ter de esperar uma situação como essa, de outros caras como eu, que estão propensos a esses três minutos de loucura, porque é insalubre. Profissionalização é o contrário. É você colocar ali dentro, para fazer a gestão, pessoas que são competentíssimas das suas áreas, mas que são sugadas para dentro dessa estrutura profissional que o remunera e que dá para ele as condições de trabalho. Se isso fosse possível, outra pessoa estaria no meu lugar, dedicando 100% do tempo dele a isso, sendo cobrado com metas e definições, além de bonificações, e correndo o risco de demissão. E isso não é uma coisa para a qual eu seria candidato. Hoje eu tenho a minha empresa, meus negócios, e é uma coisa que me paga bastante mais do que o clube me pagaria nestas condições. Isso não tem nada a ver com o Vasco, mas é a estrutura sobre a qual está construído o modelo do esporte no país. Há pouco interesse político em mudar esse quadro. Enquanto isso não acontecer, e eu vejo isso muito distante, vamos apostando em pessoas que tem essa vontade e essa chance de apostar. Agora, é óbvio que na estrutura mais embaixo eu tenho um diretor executivo.
ME: E como vai ser a operacionalização dessa gestão? Você continuará de São Paulo?
FF: Para você ver a diferença do amador e o profissional. Toda vez que eu tomo um avião para o Rio para ir fazer reunião pelo Vasco, eu pago do meu bolso. Quando o clube convida um vice, ele não supõe que ele more em Los Angeles, por exemplo. Não faz parte das possibilidades de um clube pagar isso. Só que uma pessoa física não deveria fazer isso. Eu disse para o Roberto que não podia prometer estar nenhuma vez no clube. Queria dizer isso pra surpreender 200% se fosse duas vezes. Mas nesse começo acabei indo muito mais porque eu estava aparelhando o departamento. Contratei o Marcos Blanco como diretor executivo. Ele vai estar mais próximo, e tem alguma autonomia, que é restrita. Todos os assuntos de decisão sempre terão de passar por mim e pelo presidente do clube. Só que eu vou estar menos presente do que nestes primeiros dias.
ME: Sobre o fornecimento de material esportivo, o acerto com uma nova empresa está próximo?
FF: A gente está próximo de algum acerto, e tem algumas empresas que estão conversando com a gente. Só não posso dizer qual está mais próxima.
ME: E você espera um contrato do tamanho daquele fechado com a Champs?
FF: Eu não acredito em um contrato assim, pelo menos na forma como ele estava. Aquilo era o preço da inadimplência. Nenhuma marca tem essa relação com nenhum clube pelo Brasil, pagando R$ 500 mil por mês. Ela pode fazer até mais do que isso com várias modalidades, quando você soma com royalties, lojas, participação na loja, número de materiais, verbas de marketing que você vai colocar como disponíveis e numero de séries especiais no ano. Esse bolo inteiro perfaz um contrato até bem maior que esse que a Champs tinha. A Champs, na contrapartida, não fazia pagamento nenhum de royalties. Eu acho que a gente está chegando a uma alternativa que é muito compensadora e muito mais correta dentro da realidade profissional. Você ganha de um lado e perde de outro, mas eu prefiro ganhar R$ 500 que não receber R$ 1 bilhão.