A Kappa está de volta ao Brasil. A empresa de material esportivo foi relançada oficialmente no mercado nacional durante a feira Couromoda, em São Paulo. Na nova incursão, cuja meta é gerar US$ 45 milhões em vendas nos dois primeiros anos, a marca será gerida pela SPR, que tem como principal negócio a administração de franquias esportivas.
O projeto Kappa é parte de um novo braço na SPR. A empresa criou um núcleo de gestão de marcas, que também será responsável por relançar no Brasil a Le Coq Sportif.
Para isso, a SPR investiu na criação de um centro de distribuição de 4,5 mil metros quadrados em Extrema-MG. E investiu ainda mais na criação de uma rede de distribuidores com abrangência nacional.
“Distribuição é uma grande aposta, sim. Por isso houve um investimento em logística e em uma rede mais parruda de representantes”, contou Felipe Franco, CFO da Kappa no Brasil, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
Na conversa, Franco falou sobre os planos da SPR para o relançamento da Kappa e os caminhos para a marca conviver com a Le Coq Sportif.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Como começou a sua trajetória na SPR? Em que momento apareceu o projeto da Kappa?
Felipe Franco: A SPR iniciou em 2008 um relacionamento mais próximo com times de futebol. Nessa época, a empresa montou a rede de lojas Poderoso Timão para o Corinthians. Aí surgiu o modelo de negócio de varejo no futebol.
Na época, eles criaram isso para o Corinthians e foi um sucesso. Então eles começaram a expandir. Aí vieram São Paulo, Vasco e outros contratos novos. A SPR percebeu que tinha um potencial muito grande para levar isso a outros clubes do Brasil, mas isso demandava um investimento elevado. Foi aí que a empresa começou a olhar alternativas de capitalização da companhia. Houve uma venda de participação, processo em que um fundo de investimento entrou, e foi nessa virada que eu vim pra SPR.
Eu vim pra cá em fevereiro do ano passado, e estou desde essa época. Desde que teve a capitalização da companhia, a SPR conseguiu recursos para investimento tanto no futebol, segmento em que a gente assinou contratos com clubes como Botafogo, Cruzeiro, Internacional e Vitória, quanto em um investimento mais focado em marcas. É aí que entra a Kappa. A gente assinou esse contrato com a Kappa, e assinou também com a Le Coq Sportif, marcas que atuam em segmentos diferentes. Esses recursos todos que foram colocados na companhia foram para expansão de novos negócios e estruturação da companhia, processo que tem sido feito em paralelo de fevereiro de 2012 para cá.
ME: Por que vocês optaram por criar uma equipe exclusiva para cuidar da Kappa?
FF: A gente sabe que o trabalho com marcas é muito diferente do trabalho de futebol. O futebol tem um DNA completamente diferente, com uma necessidade de uma cultura muito mais ágil e flexível. Você tem de ter o atendimento para fazer a camiseta do campeão no dia seguinte, e isso é diferente do negócio de marca, que tem mais planejamento, mais prazo e tudo mais. Então a gente optou por separar os negócios em duas unidades de negócios: uma para marca e outra para futebol. A gente separou basicamente o comercial, o desenvolvimento de produto e o marketing. As outras funções são mais juntas, mas essas três coisas estão em unidades diferentes.
ME: Até para não ter conflito de interesse…
FF: Exato. E mais do que isso, trabalhar de uma maneira totalmente diferente. É difícil você ter de atender no dia seguinte a camiseta do campeão e ao mesmo tempo fazer o planejamento da coleção do inverno do ano seguinte. É necessário ter pessoas diferentes para fazer esses trabalhos.
ME: Que tipo de pesquisa vocês fizeram para entender o perfil internacional da marca?
FF: A Kappa é uma das marcas da BasicNet, que tem outras empresas no portfólio. Basicamente, eles têm três grandes competências: desenvolvimento de marca, desenvolvimento de produtos e desenvolvimento de licenciados. Eles reúnem isso num e-commerce. Aliás, eles foram a primeira empresa do setor a criar um e-commerce B to B. Isso foi na década de 1990, quando a internet mal existia. Eles perceberam que havia uma oportunidade de virar um portal de negócios para fornecedores, e por isso foram montando essas coisas.
Eles ajudam muito a gente no desenvolvimento de produto. As coleções Kappa são as mesmas no mundo inteiro, ainda que adaptadas para a realidade brasileira. Mas o desenvolvimento de produtos e de fornecimento tem participação deles. Por ter já toda a rede de fornecimento nacional no futebol, a gente usa essa mesma rede em parceria com a Kappa. Essas duas coisas a gente faz a quatro mãos, e a própria comunicação também, que é o desenvolvimento de marca.
ME: A criação do centro de distribuição de Extrema-MG foi uma exigência dos novos contratos?
FF: O centro de distribuição faz parte da estruturação da companhia, que começou a crescer. A SPR era uma empresa pequena até pouco tempo atrás, e ao longo de 2012 fez diversos investimentos para realmente profissionalizar e preparar uma plataforma que permita um crescimento acelerado. A gente fez investimentos em sistemas, em logística e em pessoal, e isso foi em paralelo à negociação com as novas marcas. Então, a gente tinha sempre uma negociação andando com novas marcas, e ao mesmo tempo a companhia vinha sendo preparada para um crescimento mais acelerado.
ME: Nos últimos anos, a maioria das empresas de material esportivo deixou a Couromoda e adotou showrooms individuais, mais focados nos grandes varejistas. Vocês lançaram a marca Kappa na feira, cujo público é mais abrangente. Isso tem relação com o perfil que a SPR espera para a marca?
FF: Na verdade, esse é um segmento em que a gente acredita que exista espaço. A gente quer posicionar a Kappa como a terceira maior marca de esportes no Brasil. A maior competição está nos grandes distribuidores e nas grandes redes varejistas. Ali é um mercado extremamente competitivo. Por outro lado, boa parte do Brasil tem demanda atendida pelo pequeno varejista. Existe grande espaço para fazer um trabalho bom de representação comercial, distribuição e logística e ganhar mercado. A estratégia é não ficar atuando apenas onde o mercado já está saturado e é muito mais difícil entrar, mas ir para espaços menos desenvolvidos.
ME: É possível dizer, portanto, que a grande aposta da Kappa para o retorno ao Brasil é a distribuição?
FF: Distribuição é uma grande aposta, sim. Por isso houve um investimento em logística e em uma rede mais parruda de representantes.
ME: Qual vai ser o perfil da comunicação para esse relançamento da Kappa? Vocês farão mídia convencional ou vão priorizar algo mais vinculado a esse modelo de negócios?
FF: Ponto de venda. Essa é a estratégia. A gente acredita que a mídia de massa tem uma competição muito grande. Ter o produto certo ao preço certo e no lugar certo pode fazer mais diferença do que estar o tempo todo na mídia.
ME: No lançamento, vocês citaram uma pesquisa sobre o perfil da Kappa. Em quais pontos esse levantamento direcionou o trabalho de vocês para relançar a marca?
FF: Foi uma pesquisa feita até antes de eu vir para cá. É uma pesquisa que foi feita com consumidores em geral, e a gente constatou duas coisas. Uma é que brasileiro tem uma propensão a usar marca esportiva no dia a dia, às vezes até de performance, coisa que você vê menos fora do Brasil. Outra coisa é que ele usa isso, mas não veste uma marca nacional. É por isso que a gente foi atrás de uma marca internacional, de renome, que é a Kappa. A ideia era justamente aproveitar essa propensão do brasileiro. A gente também olhou recall da marca, que já esteve muito presente e tem um histórico muito positivo no esporte, principalmente no futebol. É uma marca que não tem rejeição e que é simpática. Além disso, você tem a parte de vestuário com altíssima qualidade visual. São produtos atrativos, que nós podemos desenvolver.
ME: No processo de retorno ao mercado brasileiro, o São Bernardo será o primeiro time patrocinado pela Kappa. Por quê?
FF: A gente tinha sempre um cuidado muito grande de buscar parceiros. Nesse mercado, patrocinar equipes é importante e traz visibilidade grande. Claro que isso acontece em valores extremamente inflacionados no Brasil, e a gente também acha que não faz sentido fazer investimentos muito altos nesse momento. A gente está começando com a marca, e só quando a gente tiver toda uma máquina girando é que será possível aproveitar um investimento mais alto. Talvez faça mais sentido no futuro.
A gente também se preocupou com uma parceria que não atrapalhasse o negócio principal da empresa, que é o futebol. Se eu vou atrás de um time muito grande eu começo a ter problema com os patrocinadores oficiais, que são meus parceiros no negócio do futebol. A gente tem relacionamento bom com as marcas esportivas por conta de um trabalho que foi feito para desenvolver uma rede de varejo para o futebol. No fim, a gente é um grande canal de vendas para as marcas, que têm um retorno mais garantido numa rede de distribuição da SPR. Se a gente começa a entrar em patrocínio, começa a criar muito conflito de interesses. A opção foi fazer coisas menores, que a gente sabe que terão visibilidade. O São Bernardo está na primeira divisão do Paulista e na Copa do Brasil, vai ser televisionado e vai aparecer. A gente sabe que vai ter retorno.
ME: Vocês também falaram em uma previsão de US$ 45 milhões em vendas nos dois primeiros anos. Qual vai ser o investimento para isso?
FF: R$ 10 milhões nos primeiros dois anos.
ME: Esse valor inclui apenas os custos da marca ou também a comunicação e as parcerias?
FF: Tudo.
ME: Entre os objetivos, vocês falaram que a Kappa pretende ser a terceira marca de esportes no mercado brasileiro. Em quanto tempo é possível atingir isso?
FF: É um plano de cinco anos.
ME: O projeto também tem uma preocupação grande com lojas próprias. Como será a distribuição desses pontos?
FF: A ideia é abrir dez lojas exclusivas Kappa no primeiro ano, até porque a gente acredita que a abertura de loja é uma alternativa interessante para criar a marca no Brasil. Em vez de eu ficar gastando com mídia, que está extremamente inflacionado, posso colocar pontos de venda com a marca Kappa em lugares estratégicos. Isso vai criar melhor a marca. Em cinco anos, a gente quer chegar a cem lojas. A gente também quer 90 pontos de venda exclusivos logo no primeiro ano, como corners ou cantos para a marca em grandes varejistas, mas chegar a 300 em cinco anos.
No primeiro ano, a gente quer chegar a 1.500 desses pontos de venda pequenos. No ano que vem, a ideia é chegar a três mil. Aí existe um plano de pontos de venda para o futuro, mas eu nem sei o número de cabeça. É algo em torno de dez mil clientes em cinco anos.
ME: Em termos de mercado, quais são as diferenças entre Kappa e Le Coq Sportif? Por que vale a pena ter as duas marcas?
FF: Por que a gente pegou as duas? Porque as duas trabalham em universos completamente diferentes. A Kappa é uma marca 100% esportiva, que faz parte de um universo em que estão Nike, Adidas, Penalty, Umbro, Topper e outras. Esse é o universo em que a gente quer ser a terceira principal marca no Brasil. A Le Coq é uma marca de life style. É uma marca esportiva, mas o foco é muito mais casual. Já foi uma marca, no passado, que estava no universo de esporte. No entanto, a marca foi vendida há poucos anos para um novo grupo, que reposicionou a empresa.
ME: Mais parecida com o que faz a Lacoste, por exemplo.
FF: Exatamente. Acho que essa seria a melhor comparação.
ME: Isso exige uma estratégia totalmente diferente para a venda.
FF: Completamente. Na Kappa, o foco é o multimercado. A gente quer chegar a dez mil pontos de venda no Brasil inteiro. A Le Coq tem uma estratégia diferente, com venda de vestuário concentrada em lojas próprias. A gente deve ir apenas com calçado para o mercado, mas de forma mais seletiva. Vestuário, se aparecer no mercado, vai ser apenas em butiques mais especializadas.
ME: É mais ou menos o modelo de negócios que as marcas têm fora do país…
FF: É isso. Basicamente, a gente está replicando os modelos de negócios que as duas marcas têm fora do Brasil.
ME: A Kappa já fechou acordos com o São Bernardo e com os times do Audax. E em outros esportes, quais são os planos?
FF: A Kappa faz produtos de performance para todos os esportes. O portfólio inclui modalidades como golfe, esgrima e rúgbi. A gente está num momento de crescimento para o esporte no Brasil, e a marca sabe que precisa estar também em outros esportes para aproveitar as oportunidades que vão aparecer. A gente vai aproveitar o momento do Brasil e a expertise da Kappa.
ME: Como?
FF: A gente vai desenvolver parcerias, mas ainda não existe nenhum plano pronto. Isso é algo para acontecer a partir de 2014. Até 2014, o grande foco vai ser o futebol. Só a partir daí é que outros esportes ganharão evidência.