Filho de Nelson Piquet, tricampeão de Fórmula 1, Nelsinho Piquet teve uma trajetória conturbada na principal categoria do automobilismo internacional. Disputou duas temporadas pela Renault, mas ambas foram marcadas por momentos negativos: na primeira, em 2008, forjou um acidente no Grande Prêmio de Cingapura para facilitar a vitória do espanhol Fernando Alonso, seu companheiro de equipe. No ano seguinte, sobretudo por conta da repercussão desse caso, acabou demitido após 28 corridas e apenas 19 pontos somados.
A decisão de Nelsinho depois disso foi ousada. Ele partiu para os Estados Unidos para disputar uma categoria de acesso da Nascar, a principal disputa automobilística do país. Participou de algumas provas, e já tem tudo acertado com uma equipe para estar em toda a temporada 2011.
A participação de Nelsinho na World Truck Series, considerada o terceiro escalão da Nascar, é emblemática por dois motivos. O primeiro, evidentemente, é que representa uma virada na carreira do piloto. Além disso, a presença de um brasileiro na categoria é estratégica. Assim como aconteceu com a liga profissional de basquete (NBA), a disputa aposta na internacionalização de seu portfólio de atletas para aumentar o alcance do negócio.
“Hoje em dia, a Nascar tem um modelo de expansão em que o Brasil se encaixa. Se você pegar a NBA, por exemplo, eles só jogam nos Estados Unidos. No entanto, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, eles começaram a colocar atletas da NBA na disputa. E em Pequim, em 2008, sete dos oito times que disputaram as quartas de final tinham ao menos um atleta na NBA. Houve uma expansão internacional por ter atletas de partes diferentes do mundo medindo forças com os melhores daqui. Isso criou algo parecido com o futebol europeu, com fantástico valor comercial e fantástica visibilidade, mesmo sem que os times rodem o mundo. Essa é a ideia da Nascar”, contou Fernando Paiva, empresário de Nelsinho e representante da categoria no Brasil, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
A conversa foi focada nos planos de Nelsinho para a Nascar e da Nascar para Nelsinho. Mas também serviu para traçar um panorama de como funciona a gestão e a mentalidade da principal categoria do automobilismo nos Estados Unidos.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Quanto o Nelsinho precisa arrecadar em patrocínios para viabilizar sua participação na próxima temporada?
Fernando Paiva: Na verdade, para fazer uma temporada de ponta na categoria World Truck Series um piloto precisa de mais ou menos US$ 3 milhões. Essa é, digamos, uma grande vantagem em relação às outras categorias da Nascar. Na Nation Wide você precisa de uns US$ 7 milhões; na principal, US$ 15 milhões.
ME: Levar patrocínios para conseguir um lugar em uma equipe é uma tendência mundial no automobilismo?
FP: Se você olhar ao contrário, vai ver que as equipes da Sprint Cup têm patrocínios há anos e que os pilotos são somente pilotos. Os dez maiores da categoria ganham mais de US$ 10 milhões cada um, sendo que os primeiros ganham de US$ 25 milhões a US$ 30 milhões. Quando você fala de um patrocínio assim, está falando do salário dos pilotos. Na Fórmula 1, o último dos dez primeiros ganha algo entre US$ 4 milhões e US$ 5 milhões.
A situação na Nascar é bem diferente. Todos os pilotos da categoria principal são pagos, e metade dos que competem na segunda divisão levam patrocinadores. Na Fórmula 1, por exemplo, a GP2, que funciona como a segunda divisão, é formada apenas por pilotos que levam.
ME: E na Truck, a categoria que o Nelsinho vai disputar?
FP: Quatro ou cinco pilotos são pagos para correr, o que é bastante sui generis. Estamos falando do terceiro escalão da disputa, mas ainda temos pilotos que são pagos para correr.
ME: Como está a prospecção de patrocínios do Nelsinho? Quanto dos US$ 3 milhões ele já conseguiu levantar e quantos patrocinadores ele busca?
FP: Hoje em dia, os US$ 3 milhões cotizados entre quatro patrocinadores que eu ainda não posso dizer quais são. Temos duas negociações bem encaminhadas e mais uma série de conversas adiantadas. Por enquanto, contrato fechado apenas com a equipe. Diante do que ele fez nas poucas corridas que disputou neste ano, sempre brigando pela ponta ou correndo no pelotão da frente, fechamos com a equipe sem ter todos os patrocínios. É um risco que estamos correndo dentro do que acreditamos.
ME: Que tipo de atributo os patrocinadores buscam na associação a um carro da Nascar?
FP: Existe uma grande diferença entre a Nascar e as outras categorias do automobilismo quanto a isso. Em outras modalidades, você loteia o espaço disponível no carro e corre a temporada inteira com o espaço dividido entre várias marcas. Na Nascar, existe uma agilidade maior e o carro corre muitas vezes. Na categoria principal, por exemplo, 38 dos carros têm patrocínios corporativos fechados e apenas sete correm com a mesma marca durante a temporada inteira. Mesmo nesses casos, eles pintam os carros de forma diferente em uma ou duas corridas para transformar em item de colecionador.
Essa é uma diferença básica no modelo de negócios, que faz com que você trabalhe mais a questão de merchandising. Esse é um mercado que movimenta US$ 3 bilhões por ano. Imagine um carro patrocinado pela Red Bull: ele corre a temporada inteira com o azul e o prateado da marca. Em uma corrida, usa uma pintura inteiramente prateada. Isso gera uma nova miniatura e uma nova coleção de produtos.
Temos outros exemplos associados a esse modelo, como a Fedex. Eles patrocinam uma equipe de ponta da Nascar, e dividem o espaço entre várias marcas da mesma empresa. Durante a temporada, os carros aparecem com modelos diferentes.
ME: No caso do Nelsinho, vocês buscam patrocinadores entre empresas americanas ou no mercado brasileiro?
FP: Patrocinadores americanos. Essa é uma conquista que ele vai tentar aqui. Temos algumas conversas bem promissoras nos Estados Unidos. Os dois que estão praticamente fechados, por exemplo, se interessam mais por um patrocínio ao carro em um número limitado de corridas.
A lógica disso é dar à empresa a licença para explorar a imagem durante todo o ano. Na comunicação dele ele vai poder dizer que é parceiro, fortalecer a associação. E mesmo que a verba não permita investir em toda a temporada, ele vai ter a imagem dominante enquanto aparecer no carro.
ME: Por que a prospecção tem como foco principal as empresas americanas? Falta interesse de companhias brasileiras pela Nascar ou pelo Nelsinho?
FP: Nós temos duas ou três conversas boas com empresas brasileiras. O que acontece é que a força da Nascar nos Estados Unidos é incomparável. Dentro do cenário de exposição, se você considerar todos os esportes profissionais, a NFL é a líder de audiência e a Nascar aparece em segundo. Aí vêm basquete e beisebol praticamente empatados, com ligeira vantagem para o beisebol. Em quinto lugar aparece a Nascar de novo.
Com três categorias profissionais e de alto nível, criou-se um monstro. A visibilidade da Nascar e o valor comercial que ela tem justifica o grande interesse de empresas americanas. Das 500 maiores empresas do último ranking da revista “Fortune”, 380 investiram em automobilismo. Em qualquer momento do ano, ao menos cem das 300 principais empresas dos Estados Unidos estão envolvidas de algum modo com isso.
ME: E o que falta para a Nascar ter esse nível de relevância no Brasil? Outras ligas dos Estados Unidos se desenvolveram muito no país durante os últimos anos…
FP: No Brasil, a Nascar não é uma força nem entre os fãs do automobilismo. A Fórmula 1, a Indy e a Stock ainda lideram a preferência. Até porque o brasileiro, historicamente, acompanha o esporte pelo brasileiro que está vencendo ou sendo campeão. Isso acontece também em outros países. Estive na Alemanha no primeiro ano depois que o Schumacher parou de correr. A arquibancada estava vazia.
ME: Essa também é a lógica para as vendas? É preciso ter um brasileiro vencendo na Nascar para despertar interesse de público e empresas do país?
FP: Hoje em dia, ainda é mais fácil vender patrocínio nos Estados Unidos. No caso do Nelsinho, é um piloto com cara ótima, história de Fórmula 1, família vencedora. Para projetar a dimensão que esse negócio pode ter no Brasil se ele vencer e for bem, basta lembrar que há 40 anos um brasileiro ganhou pela primeira vez na Fórmula 1. Nesse período, o país tornou-se um dos maiores mercados do mundo para a categoria.
Hoje em dia, ainda que não tenha grandes patrocinadores envolvidos na Fórmula 1, o Brasil está entre o quinto e o décimo em termos de países que mais contribuem para a categoria a cada ano. Isso tudo tem relação com o sucesso de pilotos brasileiros.
Aí você passa para a Indy. A Indy era nada no Brasil até que um brasileiro, que por sinal foi o mesmo Emerson Fittipaldi, começar a ganhar tudo. Aí virou um bom negócio, e o Brasil hoje é quase tão importante para a categoria quanto os Estados Unidos. Se o Brasil não for o maior mercado da Indy, é pelo menos o segundo. Temos seis ou sete pilotos, corrida no país, direitos de TV com valores altos. A ideia é que um brasileiro vencendo na Nascar pode fazer o torcedor entender e gostar daquilo.
ME: Nos dois casos (Fórmula 1 e Fórmula Indy), estamos falando de categorias que têm abrangência mundial. A Nascar tem um plano de expansão para fora dos Estados Unidos?
FP: A Fórmula 1 arrecada US$ 6 bilhões ou US$ 7 bilhões por ano em todo o mundo, e a receita de TV fica em torno de US$ 660 milhões ou US$ 670 milhões. A Nascar fatura US$ 700 milhões de TV apenas nos Estados Unidos. Isso dá uma ideia do quanto é mais fácil obter patrocínio aqui.
Hoje em dia, a Nascar tem um modelo de expansão em que o Brasil se encaixa. Se você pegar a NBA, por exemplo, eles só jogam nos Estados Unidos. No entanto, nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, eles começaram a colocar atletas da NBA na disputa. E em Pequim, em 2008, sete dos oito times que disputaram as quartas de final tinham ao menos um atleta na NBA. Houve uma expansão internacional por ter atletas de partes diferentes do mundo medindo forças com os melhores daqui. Isso criou algo parecido com o futebol europeu, com fantástico valor comercial e fantástica visibilidade, mesmo sem que os times rodem o mundo. Essa é a ideia da Nascar, até porque o calendário inviabiliza qualquer ideia internacional. Temos 40 corridas em 42 semanas, com 36 da Sprint Cup, duas classificatórias e duas de um campeonato extra que todo mundo disputa.
O exemplo que nós temos é o [colombiano Juan Pablo] Montoya: a partir do momento em que ele passou a ser bem sucedido, a corrida explodiu como esporte na Colômbia e na televisão. Além disso, a comunidade latina dos Estados Unidos passou a ter um interesse maior pela disputa. Até entre os mexicanos o interesse aumentou – hoje em dia, há até um subcampeonato de Nascar no México. Esse é um ponto importante: a ideia da Nascar é ter categorias de base espalhadas por outros países. Nos Estados Unidos, temos mais de mil corridas por ano e um ranking de pilotos com mais de mil participantes. A cada fim de semana há 40 ou 50 corridas espalhadas pelo país.
ME: Mas ligas dos Estados Unidos e campeonatos de futebol da Europa já começaram a fazer ao menos algumas exibições em outras partes do planeta. A Nascar não cogita nem iniciativas pontuais como essas?
FP: Isso é um pouco complicado porque o carro da Nascar até pode correr em pista mista, mas não é feito para isso. Ele foi desenvolvido para circuitos ovais com grande inclinação, e existem poucos com essa característica no mundo. Só temos um na Alemanha, um na Inglaterra, um no México e outro no Canadá. A evolução natural é surgir uma pista pequena, esse circuito oval gerar interesse e isso aumentar a pista.
ME: Qual é a meta de conquista de mercado da Nascar para o mercado internacional? A categoria tem algum plano para ter pilotos de um número maior de nacionalidades?
FP: Estamos falando dos Estados Unidos, o país que é rei da economia de mercado. Portanto, tudo aqui é feito com base na demanda. Hoje em dia, a Nascar é televisionada para 132 países. A busca é um formato com a maior exposição possível, e a expansão acontece mais por demanda do que por um plano. Vamos regar onde houver flores.
O único plano mais dirigido que existe hoje é para Canadá e México. É algo que aconteceu por demanda, com foco em categorias de base. Temos dezenas de ações no Canadá e centenas no México, mas não há um plano para conquistar o mundo. Para expandir internacionalmente, um empecilho que nós temos é o calendário. Outro problema é a falta de circuitos adequados.
ME: E quanto ao Nelsinho? Existe algum plano específico para ele na Nascar em termos de posicionamento de marca? Para ele, é melhor ser mais competitivo na Truck ou disputar a elite sem ter tantas chances?
FP: A vantagem, em termos de posicionamento, é ganhar na Nascar. As outras categorias também são Nascar. Se ele vencer em um negócio tão competitivo, vai gerar atenção. Se você não ganha, não gera atenção. Ganhando, gera atenção e consegue subir de categoria. Uma coisa vem atrelada à outra.
No caso do Nelsinho, admiro muito a decisão dele. Correndo na Truck ele tem condições de entrar em uma equipe com condições de vencer. Vencendo, sempre alguém vai levar você para cima. Não foi uma decisão apenas acertada, mas de grande humildade da parte dele.