O desporto escolar no Brasil sempre foi visto como a ?ovelha negra? do desenvolvimento do país como uma potência esportiva. Afastado dos holofotes da mídia, o setor sempre é relegado a um segundo plano. Sem investimentos, a base para a formação esportiva do atleta no Brasil fica restrita aos clubes esportivos, que muitas vezes enfrentam grandes problemas de gestão.
Durante esta semana, a Máquina do Esporte organizou, em conjunto com a Empresa Júnior da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo e a Atlética Rui Barbosa, a ?I Semana do Marketing Esportivo?, evento que contou com a presença de diversos profissionais de mercado falando sobre a indústria do esporte.
Por diversas vezes, os palestrantes deram exemplos de que a base para o crescimento de diversas modalidades no país pode ser a escola. Na terça-feira, por exemplo, Maurício Fragata, da Fragata Marketing de Entretenimento, afirmou que a fidelização do público do vôlei passa pela criação de um relacionamento mais duradouro das instituições de ensino com o esporte.
O crescimento da prática esportiva nas escolas, porém, ainda está distante do ideal no país. Mas talvez esse seja o momento em que o Brasil mais tem se preocupado com o setor. Tanto é que, em breve, uma competição deve reunir mais de 4 mil atletas em São Paulo. Trata-se do JUP, os Jogos Universitários Paulistanos, que acontecerão de 9 de agosto a 30 de novembro.
Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, Georgios Hatzidakis, presidente da Abrade (Associação Brasileira do Desporto Educacional) e um dos organizadores desse evento, afirma que o Brasil não pode copiar o modelo americano e que a chave para a mudança está no investimento na educação para o esporte das pessoas.
?O Brasil importou o ponto de vista europeu, a cultura dos clubes sociais, do associativismo, e não do caminho escolar para o profissionalismo. Aqui, o atleta deixa de estudar para se dedicar integralmente ao esporte, o que é errado?, diz Hatzidakis.
Para o executivo, o desporto escolar ainda pode receber somas vultuosas de investimento, desde que as empresas entendam a importância de fidelização com o cliente jovem, não pensando apenas no retorno de mídia de um patrocínio tradicional.
Leia a seguir a entrevista com o executivo:
Máquina do Esporte: Durante a ?I Semana de Marketing Esportivo?, realizado pela Máquina do Esporte, o esporte universitário foi apontado por Maurício Fragata como uma das saídas possíveis para os clubes e entidades no Brasil. O que você acha dessa afirmação?
Georgios Hatzidakis: Concordo em termos. Porque depende da estrutura do esporte no país. Não é só o esporte universitário, mas também o esporte escolar. Precisamos fazer uma cultura de formação de atletas, passando do escolar para o universitário e aí para o profissional, para os clubes.
ME: Nos Estados Unidos, o esporte universitário é bem desenvolvido e conta com certo destaque na mídia, com transmissão televisiva, alguns contratos de patrocínio, atletas migrando da base universitária para o esporte profissional, etc. A solução seria importar o modelo de gestão americana?
GH: O modelo adotado nos Estados Unidos não cabe aqui no Brasil. É uma questão cultural, e a cultura esportiva de lá é muito diferente da nossa. Lá, é impossível de se pensar em algum esportista que não passe pelo esporte escolar e universitário. O Brasil importou o ponto de vista europeu, a cultura dos clubes sociais, do associativismo, e não do caminho escolar para o profissionalismo. No Brasil, o atleta deixa de estudar para se dedicar integralmente ao esporte, o que é errado. Para completar, os clubes sociais entraram em crise financeira, e, também por pressão de seus sócios, passaram a captar muito menos ?militantes?, que vinham de fora do clube para ter o aperfeiçoamento técnico e competir pela instituição.
ME: O modelo europeu, então, é o ideal? O que precisa ser feito para o esporte escolar e universitário ter mais força no cenário nacional?
GH: O modelo europeu também não é o ideal, também por várias diferenças culturais, sociais e econômicas. Aqui, as universidades públicas não têm recursos, enquanto as particulares não querem investir. O aluno da faculdade paga não se identifica com a instituição, quer apenas o seu diploma. A gestão brasileira precisaria seguir um modelo híbrido, pegando os pontos fortes de cada região e adaptando-se também à cultura brasileira. Precisamos investir na educação e no esporte como formação, e fazer parcerias das universidades com os olheiros.
ME: E qual seria uma boa ação inicial para esse modelo híbrido, para essa retomada do esporte universitário e escolar?
GH: Um ótimo começo para a solução seria a implementação de uma enorme base escolar esportiva, com 10 a 15 milhões de crianças. Com essa base, seria possível detectar, com olheiros e treinadores, potenciais atletas, crianças com talento. Atualmente, já existem os centros olímpicos e o projeto clube-escola, mas isso precisa ser amplamente melhorado.
ME: Como o marketing pode ser desenvolvido no desporto universitário? O projeto tem de ser diferente do esporte convencional, em quais pontos?
GH: Como no esporte convencional, o marketing nas universidades, principalmente nas instituições privadas, depende de visibilidade. A Uniban investiu no vôlei por muito tempo, quando era palco de transmissões televisivas e repercussão na mídia. Mas, a partir do momento em que a competição e a equipe ficaram sem visibilidade, foi impossível manter o apoio ao projeto. O esporte tem de ser visto como uma ferramenta de marketing, de mídia. Mas, além disso, as equipes precisam ser gerenciadas por profissionais, e o patrocínio, além de apenas investir, precisa formar e cobrar retorno. Outro ponto interessante é a criação de um campeonato universitário mais organizado, com mais visibilidade, para que comecem a investir como possibilidade de divulgação da marca.
ME: Em qual ponto o esporte de base, escolar e universitário, é importante para a empresa e para o marketing?
GH: No esporte escolar, o público e os atletas são os jovens, na faixa etária de 15 a 17 anos, e, depois disso, universitários. O esporte é um nicho formador de opinião, e essa idade é quando se forma o hábito de consumo do indivíduo, que é muito grande. Patrocinando essas categorias, a companhia estaria fidelizando o consumidor no produto, atraindo o comprador. E não apenas associando sua marca, mas ativando esse patrocínio, faria o jovem ter gratidão e consumir produtos da empresa.
ME: Você é presidente de Abrade, que tem um projeto para o desenvolvimento desse nicho no esporte. Como funciona esse projeto?
GH: Mais do que promover o esporte universitário e escolar, a Abrade tem como objetivo resgatar os valores do esporte. Imprevisibilidade, equilíbrio entre as equipes concorrentes, ética no esporte, o chamado ?jogo limpo?, sem doping ou arranjo com árbitros, no esporte em geral, não apenas restrito ao universitário e escolar, são características educacionais. A NBA atrai visibilidade também por causa de seu equilíbrio, já que o último colocado é o primeiro a escolher no ?draft?, sem depender exclusivamente do aspecto financeiro, e isso ajuda em toda a competição, que fica mais interessante. A Abrade prega esses valores, e o esporte não é um bom negócio se não contar com essas características.