A carreira de Guilherme Figueiredo passou por uma guinada contundente. Graduado e mestrado em odontologia, ele uniu-se a Luis Fernando Dias, um antigo companheiro de faculdade, para criar um serviço até então pouco explorado no futebol paulista: os dois fundaram a Futebol Tour, agência especializada em recepção de turistas para jogos de futebol.
A primeira meta da Futebol Tour era oferecer um serviço complementar a pacotes turísticos. O projeto era pegar pessoas nos hotéis, fazer um passeio turístico e oferecer a eles a possibilidade de assistir a um jogo de futebol.
Então, Figueiredo e Dias tiveram mais uma ideia que mudou o negócio. No início, os dois precisaram constituir a empresa como agência de turismo para oferecer o serviço de recepção a turistas. Isso foi a base para a criação de uma agência de turismo inteiramente focada em futebol.
E esse não foi o único projeto desenvolvido a partir de uma mudança de rumo. Em viagem à Argentina, Figueiredo viu o serviço de visitas à Bombonera, estádio do Boca Juniors, e percebeu mais uma demanda. Surgiu daí a ideia do Palestra Tour, pacote que leva torcedores para conhecer o estádio, a sala de troféus e a história do Palmeiras.
As três iniciativas foram criadas e desenvolvidas em pouco tempo. O Palestra Tour, por exemplo, tem cerca de dois meses de atuação e já atendeu mais de três mil torcedores. A Futebol Tour tem números mais modestos, mas ainda carece de uma evolução do mercado. E com a Copa do Mundo de 2014 a caminho, isso parece ser uma aposta certa.
?Até por isso, estamos trabalhando muito mais a Copa de 2014 do que a de 2010. Temos pacotes para 2010, mas esse não é nosso objetivo principal. A meta é mostrar um bom serviço e crescer no mercado local para sermos um importante player em 2014. Os próprios clubes já perceberam a necessidade desse tipo de serviço e já estão investindo em sua estrutura. A mentalidade de todos os envolvidos tem mudado bastante?, disse Figueiredo em conversa exclusiva com a Máquina do Esporte
Confira a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: A Futebol Tour surgiu como um serviço de recepção de turistas, mas cresceu para fazer visitas guiadas a estádios e até para uma agência de turismo ligada ao futebol. Como surgiu o projeto? Essa evolução já estava planejada no início?
Guilherme Figueiredo: Algumas coisas foram desenvolvidas no meio do caminho. A ideia original era um serviço receptivo turístico: pegar turistas em hotéis ou em outras atividades em São Paulo e levá-los a um jogo de futebol como um passeio, com transporte, material informativo, visita à sala de troféus e à loja oficial do clube e ingresso para a partida. Nascemos para fazer isso. Só que nós percebemos outras oportunidades no turismo ligado ao futebol. O Palmeiras, por exemplo, não tinha uma visita guiada ao Palestra Itália. Organizamos tudo, do roteiro à narração da visita. Fizemos ajustes na sala de troféus para recepcionar os torcedores, contratamos guias treinados para falar sobre a história do clube. Fizemos várias coisas, em parceria com departamentos do Palmeiras, para criar um serviço de qualidade.
Outro ponto foi a criação da agência de viagens. Não trabalhamos mais apenas em jogos de São Paulo, mas levamos torcedores de São Paulo para outros lugares e trazemos gente de fora para cá. É uma agência de viagens, mas com futebol como mote. No início, nossa ideia era ser apenas uma empresa de recepção. Para isso, precisávamos nos constituir como agência de viagens. Isso fez com que o caminho fosse mais fácil.
ME: Como funciona a relação de vocês com os clubes? Existe algum sistema de parceria? Vocês têm acordos com equipes de outros Estados?
GF: Chegamos a fazer alguns jogos em Porto Alegre, mas não firmamos nenhuma parceria. Atualmente, temos algo em conjunto com o Palmeiras, que é o Palestra Tour. No caso de Corinthians e São Paulo, é mais uma colaboração para dias de jogos. Existe uma colaboração mais com a parte da logística de compra de ingressos.
O Palmeiras também nos dá a possibilidade de desembarcar no estacionamento de sócios e abre a sala de visitas, que é fechada normalmente. No São Paulo, o acesso ao estádio é pelo Morumbi Comcept Hall, coisa que não era possível antes, com exceção dos camarotes. Nosso esforço é para que os times entendam esse serviço como um plus, um atrativo extra.
Existia uma demanda mal resolvida, principalmente em relação aos turistas do exterior. As agências achavam difícil atender o futebol porque não estavam acostumadas com o esporte, e outras não tinham experiência com turismo. Percebemos que existia um público. Quanto à visita em estádios, seguimos a mesma linha. Apresentamos a ideia e fizemos um licenciamento como um produto comum.
ME: Um dos desdobramentos da Futebol Tour é uma agência de viagens especializada em futebol. Entretanto, Corinthians e São Paulo também têm iniciativas nessa área. Não existe um conflito nesse sentido?
GF: Os públicos acabam sendo diferentes. Nós trabalhamos com público de hotéis para os jogos em São Paulo, setor em que as agências dos clubes não têm atuação tão grande. Nos jogos fora de casa até poderia existir uma concorrência, mas o que acabou acontecendo foi um trabalho conjunto. Funcionamos mais como parceiros do que como concorrentes. Nós chegamos a vender pacotes da Passaporte FC, por exemplo, para o jogo entre São Paulo e Goiás no ano passado. A Timão Tour também oferece um serviço de visita, mas é algo mais longo. Nós fazemos algo só no momento do jogo.
ME: O investimento nesse tipo de serviço de recepção é uma aposta de vocês no processo de preparação do Brasil para a Copa do Mundo de 2014?
GF: Sem dúvida. Até por isso, estamos trabalhando muito mais a Copa de 2014 do que a de 2010. Temos pacotes para 2010, mas esse não é nosso objetivo principal. A meta é mostrar um bom serviço e crescer no mercado local para sermos um importante player em 2014. Os próprios clubes já perceberam a necessidade desse tipo de serviço e já estão investindo em sua estrutura. A mentalidade de todos os envolvidos tem mudado bastante.
ME: Vocês terão autonomia para fazer esse serviço no Mundial?
GF: A ideia é manter o mesmo serviço, sim. Vão vir muitas empresas estrangeiras, operadoras de turismo da Fifa, mas é necessário existir um receptivo local. Nós pretendemos entrar mais ou menos nessa linha.
ME: O que é preciso melhorar no serviço até lá?
GF: Isso não era comum em São Paulo. Não existia nada na área por aqui. Portanto, muitas pessoas ainda não sabem que existe o serviço. A principal coisa é o torcedor saber. Precisamos melhorar um pouco mais a abordagem ao turista que chega a São Paulo. Nossa divulgação hoje é muito mais voltada a São Paulo do que programas de viagem.
Quanto ao serviço, o desembarque ainda é um ponto complicado. O Palmeiras já tem uma possibilidade de os torcedores descerem dentro do clube, mas o São Paulo ainda faz o desembarque na porta do setor VIP premium. Isso pode melhorar. Em 2010, uma das nossas metas é fazer uma aproximação maior com os clubes para conseguir esse tipo de coisa. Também fechamos com a G8 Sports para criar uma revista chamada ?Match Day?, que será distribuída ao público nos jogos. Tínhamos um material informativo muito pobre.
ME: Além de complementar o serviço de recepção, a revista venderá cotas publicitárias. Isso pode ser um novo modelo de negócio para vocês explorarem nos estádios?
GF: Nós montamos uma equipe comercial para buscar anunciantes. O formato é o de anúncio em uma revista comum, e isso tem sido bem recebido pelo mercado. Fizemos um teste no jogo entre Corinthians e Flamengo, no ano passado, mas a estreia de verdade acontecerá na primeira rodada do Campeonato Paulista. Já conseguimos a liberação para colocar isso nos jogos do Corinthians,e agora estamos falando com a Polícia Militar sobre as partidas do Palmeiras. Devemos conseguir uma liberação nos próximos dias. Não poderemos distribuir o material no estádio inteiro, mas esse é um bom modelo de negócio, sim.
ME: A limitação de distribuição acontece por motivos de segurança ou por questões comerciais?
GF: Existe uma resolução de 1985, a mesma que proíbe balões e faixas, que veta o uso de papel em estádios porque eles podem provocar incêndios. Só que é uma resolução antiga, que não é cumprida em boa parte. Na Argentina e na Europa, o papel é usado de forma corriqueira. Se queremos uma Copa com padrão europeu, precisamos aplicar algumas coisas. Mas enquanto for assim, vamos restringir o serviço a alguns setores.
ME: Serviços como esses que vocês oferecem são mais focados no público elitizado, mas esse ainda não é o perfil dominante nos estádios brasileiros. Existe um plano para a criação de algo mais popular da Futebol Tour?
GF: Nós temos a visita guiada, como acontece no Palmeiras, que não tem público-alvo nesse sentido. É um serviço acessível, com valor mais barato do que um ingresso de arquibancada. É algo que atende a quem paga R$ 5 na arquibancada ou quem vai aos camarotes. No dia de jogo fica um pouco mais complicado. Aí o nosso serviço é mais premium.
ME: Em sua opinião, esse tipo de serviço pode contribuir para elitizar o público nos estádios brasileiros?
GF: É possível manter todos os tipos de público. Os clubes estão caminhando para isso. Há faixas bem diferentes de ingressos, desde R$ 30 a R$ 200. Tem espaço para todo mundo, e eu não acredito que seja possível tirar o pessoal da arquibancada. Nossos clientes, principalmente os estrangeiros, às vezes assistem mais à torcida do que ao jogo. É muito diferente, e não seria positivo para o nosso futebol abolir isso.
No entanto, o que fica claro é que o investimento precisa ser cada vez mais focado em um entretenimento de qualidade. E entretenimento tem custo mais elevado, como acontece com teatro ou shows. Os estádios brasileiros têm uma capacidade boa, mas enfrentam ociosidade e não têm 100% de ocupação. Cabe aos clubes criar setores mais populares e setores premium, com serviços diferenciados, sem esquecer que quem paga muito menos também precisa receber um serviço adequado.
ME: Qual é a projeção que você faz sobre o futuro do mercado do turismo de futebol no Brasil?
GF: É um segmento em que ainda há muito para ser feito, desde a ligação de museus com estádios e centros de convenções. É preciso desenvolver isso, pensar em produtos, ajudar o turismo. Isso é importante para aumentar e melhorar a quantidade de pessoas nos estádios.
ME: O Brasil é um país em que o futebol faz parte da cultura. Além disso, vive essencialmente do turismo em muitas regiões. Se o turismo é forte e o futebol é forte, por que o turismo para futebol ainda é tão incipiente?
GF: É uma boa pergunta. Cidades como o Rio de Janeiro ainda estão um passo à frente nesse desenvolvimento, até pela divulgação do Maracanã fora do país, mas há muito a ser feito. Talvez o problema seja realmente essa questão da divulgação. O futebol brasileiro não tem uma exposição tão grande no exterior, e talvez por isso os clubes sejam menos conhecidos do que Barcelona ou Milan. O Barcelona tem um milhão de visitantes por ano, coisa que nem o Maracanã consegue sem os jogos. É uma questão de exposição. Talvez nossos jogadores tenham exposição grande, mas falte um trabalho com clubes e campeonatos.
ME: Esse trabalho de incremento na divulgação do futebol nacional deve partir do turismo ou do futebol?
GF: Um pouco dos dois. Empresas como a nossa precisam trabalhar para divulgar a marca do futebol brasileiro no exterior, mas uma exposição maior do esporte nacional, sem dúvida, ajudaria bastante. O próprio Campeonato Brasileiro tem mostrado um formato competitivo, emocionante até o fim, mas é um produto que precisa ser mais bem vendido.