O Brasil vive década inusitada. Irá receber, em intervalo de três anos, eventos como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Essa maratona de eventos internacionais, por motivos óbvios, cria oportunidades de negócio para inúmeros segmentos. A gestão e o marketing esportivo, entretanto, ainda estão devendo, segundo especialista da área.
Há 50 anos no mercado, José Estevão Cocco vê na realização das competições a oportunidade de livrar o país do que chama de “paraquedistas”, pessoas que ingressaram em gestão desportiva sem a capacitação necessária para aplicá-la. “Não por demérito ou maldade, mas não são bons profissinoais, capacitados para fazer marketing esportivo com todas suas condições e qualidades”, justifica o consultor.
O movimento inverso, para o gestor, praticamente inexiste. Em outras palavras, Cocco considera bastante improvável a possibilidade de a Copa e os Jogos Olímpicos causarem algum prejuízo ao Brasil. Os únicos prejudicados, avalia, serão os paraquedistas. Isso se, claro, o governo brasileiro executar todas as obras de infraestrutura e não se concentrar apenas em enormes estádios, na opinião do especialista.
Nesse sentido, o atual presidente da Academia Brasileira de Marketing Esportivo (Abraesporte) critica as imposições de tamanho das arenas feitas pela Fifa, entidade máxima do futebol, com menção positiva ao São Paulo, que recusou reformar o estádio Morumbi além do desejado. “Eles estão corretíssimos”, prossegue. “O dinheiro investido é rentável? Tem retorno? Para o clube, não é negócio”.
Em entrevista à Máquina do Esporte, Cocco ainda apontou o Corinthians como o time que tem aproveitado melhor o potencial dos eventos a serem realizados, rechaçou a utilização do modelo de naming rights para viabilizar a construção de novos estádios no Brasil e sugeriu a aplicação de um “ficha limpa”, norma aplicada à política brasileira, no esporte.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Quais são os principais benefícios que eventos como a Copa podem levar ao marketing esportivo brasileiro?
José Cocco: Há uma infinidade. Para o marketing, principalmente, há a profissionalização do setor. O marketing esportivo ainda engatinha no Brasil. Temos muitos ditos profissionais no meio que, na realidade, não são. Não por maldade ou demérito, mas não são bem treinados, capacitados para fazer o marketing esportivo, aplicá-lo com todas suas condições e qualidades. Quando chegar 2017, o marketing esportivo vai estar em outro patamar, tanto de profissionalização quanto, no caso de empresas, em tamanho e respeitabilidade, porque vamos ser obrigados a realmente nos profissionalizarmos. Haverá concorrência muito grande de multinacionais. Empresas grandes de marketing e propaganda estão vindo para cá e estão criando braços de marketing esportivo. Nós estamos sendo assediados por algumas empresas estrangeiras para fazermos associações.
ME: Há algum prejuízo?
JC: Prejuízo, não. Só irá trazer benefícios. Prejuízo é muito difícil de acontecer porque irá acabar um pouco com os paraquedistas do meio. Se for para ter prejuízos, eles terão. Mas, em geral, as empresas de marketing esportivo só têm a ganhar.
ME: O Estado de São Paulo tem enfrentado alguns problemas para definir o estádio para a abertura da Copa do Mundo de 2014. Qual seria um modelo de negócio possível para viabilizar essa escolha?
JC: Vou me incluir nessa polêmica. Quando se faz um projeto, é preciso pensar no mercado e não simplesmente em quem constrói. Pensar no mercado de maneira geral. Temos uma porção, muitos exemplos no mundo inteiro de que estádios no tamanho que a Fifa exige são inadequados na maioria das cidades. Se já tem estádio grande, não pode construir. Um dos dois vão micar. Há matérias de que o Corinthians não quer o Piritubão porque o público médio do Corinthians não iria aparecer. Não sou eu quem está falando, é o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez. Como ele iria manter um estádio com 70 ou 75 mil lugares? É inviável. Aí o pessoal fala em shows, mas isso não sustenta. Um complexo muito maior como o Allianz [na Alemanha] tem o local para o jogo de futebol e mais uma série de utilizações. Mas aqui em São Paulo, sem torcedorismo, sem bairrismo, não se pensou nessas utilizações. O São Paulo está corretíssimo [em aceitar a pressão da Fifa e ampliar o Morumbi além do desejado]. Ele não pode ampliar como a Fifa exige, não se trata de ter o dinheiro ou não. Esse dinheiro é rentável? Tem retorno? É nisso que se tem que pensar, porque depois o clube é quem fica com a dívida. O que a Fifa exige é um tamanho que não tem condições. As instalações para a imprensa, a área VIP, os camarotes são coisas que dificilmente podem ser utilizados [com a capacidade total preenchida]. O Allianz tem 500 lugares para jornalistas e só 10% é usado em jogos normais.
ME: O senhor acredita que o governo brasileiro esteja planejando a infraestrutura pensando no pós-Copa, a fim de evitar elefantes brancos?
JC: Tudo o que se fizer para a Copa ou tendo como objetivo a Copa, não pode ser feito só por causa da Copa. A Copa vai precipitar a construção e viabilização de uma porção de coisas que teriam de ser feitas antes ou depois. Aeroportos, transporte urbano, instalações públicas. Isso é um legado. Isso vai ficar para a população. O estádio, o elefante, não é legado. De certa forma, a Copa e os Jogos Olímpicos são absolutamente feitos com dinheiro público e o que for utilizado tem que atender às necessidades da cidade, do país, menos estádios grandes.
ME: Em relação à Copa do Mundo, o senhor acredita que os clubes estejam aproveitando todo o potencial que o evento possui?
JC: O próprio Paraná, o Atlético Paranaense, está pensando muito no que fazer. Eles têm que fazer todo o investimento. Para o clube, não é negócio. Mesmo se tiver dinheiro, vai pagar com o que depois? O pessoal diz que naming rights paga, que exploração com shows paga, e não é bem assim. Se por na ponta do lápis, não bate a conta. Naming rights não pegou no Brasil e dificilmente vai pegar. No Kyocera [ex-nomenclatura da Arena da Baixada, no Paraná], não pegou. Não importa se trabalharam errado ou não, mas não pegou. Se sair Piritubão, não vai pegar naming rights porque vão chamar de Piritubão, assim como chamam de Morumbi, Pacaembu. Então para os clubes aproveitarem, eles têm que pensar. Quem está tirando mais proveito é o Corinthians. No bom sentido, sem qualquer demérito, pelo contrário, eles estão tentando obter um estádio. Se construir um segundo, quem irá explorar? Só o Corinthians pode, sobra para ele. Mas, mesmo assim, o presidente não quer arcar com manutenção.
ME: O Brasil tem repatriado nos últimos anos jogadores como Ronaldo, Adriano, Robinho e agora há a possibilidade de ter Ronaldinho Gaúcho novamente. Em termos de gestão, o que esse movimento indica?
JC: Não sei se estão melhorando, é questão de oportunidades. Temos no vôlei a repatriação de muitos, mas não é porque o Brasil está pagando mais. É porque lá [na Europa], com a crise, deixaram de pagar valores maiores. Quem está sendo repatriado são jogadores em fim de carreira ou para se revalorizar, como Robinho, que não chegou no auge, ou algo do tipo do Ronaldo, que não tem mais chance de jogar em times de ponta europeus. Corinthians fez um bom negócio? Ótimo negócio, falando como marketing. Não vejo como técnico ou como quem arruma o time, mas no marketing foi uma tacada muito boa, uma oportunidade muito boa. Com o Ronaldinho Gaúcho pode acontecer a mesma coisa. Ele é um astro. Vai trazer público, patrocinadores, independentemente de jogar ou não. Aliás, os grandes não contratam só o jogador técnico, mas também o nome que vende camisas, patrocínios, ingressos. Perna de pau, logicamente, não tem espaço. Mas, sendo bom jogador e tendo boa marca, é por aí. O que acontece no Brasil é o retorno do pessoal que ficou três anos, não se deu bem e vem para cá por empréstimo para ver se volta à forma, de maneira a dinamizar a presença dos jogadores. Nesse sentido, é bem legal. Os clubes estão aproveitando bem. Para cada time, não importa quem vem e não importa a razão, é um acontecimento.
ME: Na Europa, a Uefa criou regras de gestão para clubes, como impedir que possuam mais despesas que receitas. Como o senhor vê esse tipo de intervenção?
JC: Tem que existir. Principalmente no Brasil, onde não tem atividade, postura profissional de administração dos clubes. A maioria deixa dívidas para a outra direção. O Timemania poderia ter zerado isso mas não foi para frente. Então fica muita dívida. Se pegar os europeus hoje, a maioria está trabalhando no vermelho. Estão jogando a conta para frente porque se entrar o fator paixão tem que ganhar de qualquer maneira. O clube vive de performance e não tem patrocínio quando não tem bilheteria. Essas regras a própria Timemania impôs. Para ela pagar, ninguém pode ser dono de clube. Na Europa ainda tem, nos Estados Unidos, empresas que são donas de clubes. São administradores como empresas, mas aqui ninguém é dono de nada. Dirigentes com 50 anos de cartolagem e não saem de jeito nenhum. Federações, Confederações, de maneira geral, têm gente que se instala e não sai de jeito nenhum. Lá existe sistema de votação para quem não tiver regras claras, quando a própria empresa tem prejuízos ou quando entra em falência. Não adianta dizer nada se estiver dando prejuízo há cinco anos, a legislação cuida disso. No esporte, não pode ser diferente. Tirando a parte demagógica, de ingresso barato e futebol popular, o que não ajuda em nada. A maneira mais efetiva tem de ser perene, para que tudo possa melhorar. Se tivermos todos os estádios que estão falando, terão de acontecer bons espetáculos para se ter um público mínimo.
ME: No Brasil, é possível e viável que a CBF crie normas similares?
JC: Acho que é possível. Lógico, tem que ter a vontade política de fazer. Para nosso esporte, temos que ter um “ficha limpa”, senão a corrupção, o aproveitamento, o desleixo com o dinheiro vão continuar. Alguém tem que criar esse movimento para que possamos reverter esse estágio que está o esporte administrativo. O próprio Andrés [Sanchez, presidente do Corinthians] declarou que o público médio é de 25 mil pessoas. Pode? A maior torcida do Brasil. Se faz a média do Paulista, dá 10, 12 ou 15 mil. Com custo barato. Isso não dá para sustentar o esporte e fazê-lo progredir. De anos para cá, eu diria 5 ou 6 anos, pouco mais, a administração dos clubes está se profissionalizando. Hoje, bem ou mal, a maioria dos clubes tem um departamento de marketing, planos econômicos e financeiros. Tem mais gente profissional trabalhando nesse sentido com o objetivo de ser mais claro, transparente.
ME: Muitos clubes na Europa e alguns na América do Sul tem aberto o capital em bolsas de ações. Qual sua opinião sobre esse tipo de modelo de gestão?
JC: Acho que o clube-empresa, quando se torna empresa, perde uma porção de regalias fiscais. Senão todos já seriam empresa. Mas aí tem de passar a ser cobrado como empresa, pagar impostos, e acaba ficando mais caro. Se ficar mais caro, vai sobrar para a receita do clube, que teria de aumentar e obrigar a profissionalização. Só que tem de ser a mesma regra para todos. Não pode ter clube-clube e clube-empresa. Ainda não pegou, por isso mesmo. Na empresa, o diretor é responsabilizado pelo capital social. Da maneira que está, só agora começa a responsabilidade de diretores por desmandos. Mas sou totalmente favorável a isso. Administração diferenciada de empresa com algumas regalias, mas com regras claras e legislação específica, transparência e contabilidade clara.