A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 vão transformar a estrutura do Brasil – e não apenas no esporte. Além disso, colocarão o país na vitrine mundial. Durante os dois megaeventos, o mundo estará olhando para cá. E até agora, não existe um plano concreto para aproveitar o calendário da região.
É essa lacuna de mercado que motivou uma parceria entre a agência brasileira Dream Factory e a consultoria TSE. Juntas, as duas empresas querem oferecer planos de negócios para que as cidades nacionais aproveitem as oportunidades que serão geradas pelos eventos esportivos.
A primeira necessidade premente é a criação de um calendário que aproveite a evolução dos aparatos esportivos e as melhorias promovidas nas cidades brasileiras. No entanto, existe outra preocupação: a atenção que os megaeventos despertam em âmbito mundial.
A ideia da joint venture entre Dream Factory e TSE, portanto, é analisar o perfil de cidades brasileiras e de suas estruturas esportivas. A partir disso, criar vínculos entre essas informações e o calendário internacional de eventos de diferentes áreas.
O exemplo que as duas empresas usam é o que (não) foi feito na África do Sul, sede da Copa do Mundo de futebol em 2010. “Quando a Copa do Mundo acabou, as cidades começaram a pensar sobre como usar o que havia sido gerado, mas a atenção do mundo já havia mudado para outras regiões. Agora, apenas um ano depois, poucas pessoas conseguem se lembrar de mais de duas cidades que sediaram a Copa do Mundo – e normalmente, as duas são cidades como Johannesburgo e Cidade do Cabo, que já eram conhecidas”, disse Lars Haue-Pedersen, diretor-executivo da TSE, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.
Na conversa realizada por e-mail, Haue-Pedersen mostra que o Brasil não tem motivos para ficar preocupado apenas com atrasos em obras de estádios, sistemas viários ou aeroportos. O país precisa entender qual é o papel dos megaeventos e como eles podem ser aproveitados para um fim específico.
O Brasil terá nesta década um calendário único de megaeventos. O país vive um momento econômico positivo, e ainda terá duas grandes turbinas pela frente. Resta saber o que fazer com isso.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Quais foram os fatores que levaram a TSE a escolher a Dream Factory como parceira no mercado brasileiro?
Lars Haue-Pedersen: A Dream Factory é líder em seu segment no Brasil, e por isso tem credibilidade, contatos e comportamento necessários para implementar um projeto conosco. Além disso, existe o nosso trabalho e o deles podem se beneficiar em uma parceria.
ME: Que tipo de negócios as cidades brasileiras podem atrair a partir da visibilidade gerada pelos megaeventos esportivos que o país receberá nos próximos anos?
LHP: Todo tipo de negócio pode se desenvolver por causa dos megaeventos esportivos. É apenas uma questão de quem sabe o que as pessoas querem, quem sabe o que precisa ser feito para se promover internacionalmente e, finalmente, quem vai fazer tudo isso antes de os megaeventos serem efetivamente realizados.
ME: Com a presença de atletas renomados e das principais equipes esportivas do planeta, é possível criar eventos menores e mais regionalizados para complementar as oportunidades geradas por Copa do Mundo e Jogos Olímpicos?
LHP: O Brasil já é líder em várias indústrias, incluindo organização e promoção de eventos. Em função desses megaeventos, todos os olhos estarão voltados ao Brasil. Depois disso, contudo, os olhos vão se virar se não houver um planejamento adequado.
Além de ser uma plataforma para continuar a criar um perfil internacional e atrair eventos, a organização dos Jogos Olímpicos oferece uma oportunidade muito concreta para as cidades brasileiras receberem centenas de times olímpicos para os treinos e concentrações nas semanas que precederão os Jogos Olímpicos.
Quem não gostaria de receber o Dream Team de basquete dos Estados Unidos por uma semana e sediar uma série de treinos de alto nível antes dos Jogos Olímpicos? E o time de atletismo da China, acompanhado por centenas de jornalistas chineses falando para milhões de pessoas sobre o potencial turístico da cidade?
Os vários comitês olímpicos vão começar em pouco tempo a procurar lugares certos para a preparação. Então, se uma cidade do Brasil quer ter sucesso, é hora de começar a se mexer.
ME: O que a TSE conhece sobre o mercado brasileiro? Vocês já identificaram alguma característica peculiar em alguma cidade do país? Existe algo que não possa ser explorado em outras partes do planeta e que o Brasil ofereça?
LHP: Não estamos falando sobre coisas que não podem ser desenvolvidas em outros locais e que o Brasil pode usar; nós estamos falando sobre criar um plano e ativá-lo constantemente para atrair constantemente turistas, eventos e competições esportivas nos anos depois da Copa do Mundo.
O mercado brasileiro é grande, tem crescido e demanda isso. Mas com um tamanho continental, o país tem diferentes atributos de venda: praia, floresta, metrópoles, pessoas, entre outros. Essa variedade e atmosfera única do país podem ser os diferenciais.
ME: Quanto você acha que o mercado brasileiro vai crescer em função dos megaeventos? É possível que o modo de o país trabalhar com esporte sofra uma transformação em função da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos?
LHP: Uma competição internacional desse nível não garante sozinha o futuro do país e das cidades-sede. Planejamento e promoção antes do evento são as chaves para uma perspectiva sustentável de longo prazo no Brasil. Todos os grandes eventos que escolheram o Brasil como sede o fizeram porque o país demonstrou estabilidade comercial e política, além de um público consumidor ávido por isso. Esses eventos não provocarão isso, mas virão para cá por causa do cenário promissor.
A Copa do Mundo de 2014 é uma chance única para as cidades brasileiras para que elas se estabeleçam no cenário e internacional e se tornem destinos atraentes. O Brasil como país e alguns locais brasileiros são bem conhecidos no resto do mundo, mas para a maioria das cidades que sediarão a Copa do Mundo de 2014, essa é a primeira chance de atingir uma audiência global.
É a chance que as pessoas têm de ouvir, ver e conhecer as cidades. Se houver um planejamento adequado, é possível que isso dê origem a grandes negócios.
ME: Como é o processo de construção desse plano?
LHP: As cidades devem, baseadas em pesquisa de mercado e definição de seus objetivos, desenvolver um plano para eventos que elas gostariam de sediar nos cinco ou dez anos posteriores à Copa do Mundo. Eventos esportivos ou sociais? Eventos para as pessoas verem ou para participarem? E conferências e seminários internacionais? A partir disso, como combinar tudo isso para obter uma sinergia na cidade?
Quanto mais precisa a cidade for quanto a seus objetivos, mais eficiente vai ser o plano para ela. Depois de o plano ter sido desenvolvido, o segundo passo é promover a cidade e o plano para formadores de opinião no mercado internacional de eventos. Esse é um mercado muito competitivo, mas sediar a Copa do Mundo de 2014 vai dar ao Brasil uma plataforma forte nos anos que precederão o evento. Isso deve ser usado para promover as cidades e fechar negócios para depois de 2014. Quase todos os eventos que acontecerão entre 2015 e 2020 decidirão suas sedes antes da Copa do Mundo de 2014. Então, é hora de agir.
ME: O que você pode dizer das cidades que receberam eventos de grande porte no passado? Existe algum exemplo tangível do que o Brasil pode lucrar ou de coisas que as cidades podem atingir nos próximos anos?
LHP: Nossa experiência sobre o envolvimento com a África do Sul e com outros locais que receberam eventos desse porte mostra que há duas chaves para garantir um legado pós-evento: planejamento e promoção.
A maior parte das cidades da África do Sul não soube aproveitar totalmente o potencial da Copa do Mundo. A principal razão para isso é que as cidades estavam tão ocupadas com a construção de estádios e a preparação para a Copa do Mundo que elas não encontraram tempo e recursos para se planejar para o período posterior.
Quando a Copa do Mundo acabou, as cidades começaram a pensar sobre como usar o que havia sido gerado, mas a atenção do mundo já havia mudado para outras regiões. Agora, apenas um ano depois, poucas pessoas conseguem se lembrar de mais de duas cidades que sediaram a Copa do Mundo – e normalmente, as duas são cidades como Johannesburgo e Cidade do Cabo, que já eram conhecidas.
Então, é muito importante para as cidades que receberão a Copa de 2014 aprender com a África do Sul e ver que o tempo antes da Copa do Mundo – e não depois – deve ser usado para promover o que pode acontecer depois.
É fundamentalmente importante entregar toda a estrutura demandada em tempo, e por isso as cidades devem ter duas preocupações paralelas: planejar e preparar a Copa do Mundo de 2014 e planejar e preparar o pós-Copa. As duas coisas precisam ser feitas ao mesmo tempo porque o planejamento precisa ser implementado antes de a Copa do Mundo começar.
ME: Qual é a expectativa que você tem para o mercado do esporte brasileiro em 2017, depois dos megaeventos?
LHP: O Brasil é um grande lugar para todos os tipos de eventos, e isso tem crescido nos últimos anos. Através da parceria com a Dream Factory aqui no Brasil, estamos comprometidos com um trabalho ambicioso para dar assistência a cidades e Estados que queiram otimizar seus benefícios com a Copa do Mundo. Nós fornecemos uma perspectiva muito importante, e temos o trabalho extra que vai ser necessário para assegurar que as cidades não estejam focadas apenas na preparação para a Copa do Mundo.
Quando o planejamento estiver desenvolvido, usaremos nossa rede de contatos internacional para apresentar às cidades as pessoas certas. Nossa missão é dar consultoria às cidades brasileiras para criar caminhos mais curtos em um mercado muito competitivo.
A Copa do Mundo de 2014 pode ser o começo de uma grande fase para o Brasil. Nesse caso, o cenário é promissor, especialmente se o país e as cidades souberem criar um plano para o esporte.