Estádio moderno, confortável, com o conceito de ser uma arena multiuso, não voltado apenas para jogos de futebol, mas espetáculos de entretenimento em geral. O sonho de 11 em cada dez torcedores brasileiros é possível de ser realizado. Mas, para isso, o país tem de esquecer a chance de abrigar a Copa do Mundo para fazer o sonho virar realidade.
Pelo menos essa é a visão de um dos profissionais mais capacitados do país quando o assunto é construção e administração de uma arena esportiva moderna. Consultor e representante da Amsterdam Arena [empresa gestora do estádio de mesmo nome na Holanda e que é usado pelo Ajax] no país, o brasileiro Mauricio Sales vê na experiência holandesa a chance de o Brasil ter estádios modernos e preparados para receber bem o torcedor.
Mas, para o especialista, é preciso que clubes e prefeituras trabalhem em conjunto com o objetivo de assegurar a construção desses estádios independentemente de o Brasil receber ou não a Copa do Mundo em 2014.
“Se for construir pensando em 2014, vira elefante branco. Tem que esquecer, se não o estádio vira elefante branco. O estádio tem de ser uma fonte alternativa de receita dos clubes, a independência do dinheiro da televisão, não pode ser feito apenas para 2014”, enfatizou Sales durante entrevista à Máquina do Esporte.
Para o especialista, que tem como função captar clientes para a Amsterdam Arena e iniciar um processo de construção de diversas arenas no país, o Brasil tem potencial e condições para buscar dinheiro e construir esses estádios modernos. Mas não pode cair na armadilha de achar que a Copa é o motivo para a construção.
Leia a seguir a entrevista com Mauricio Sales:
Máquina do Esporte: Qual é o conceito de uma arena multiuso? Como ela funciona?
Mauricio Sales: Vamos pegar como base a Amsterdam Arena. Para uma arena como ela ter receita, é preciso que ela tenha eventos. Hoje, para o estádio ter receita, ele precisa ter uma média de 73 eventos no ano. Desses eventos, em Amsterdã, apenas 22 são do futebol. Sendo que o Ajax é o principal usuário do estádio. Para que fosse fechado o negócio e o estádio construído, o Ajax se tornou o principal usuário da arena, uma espécie de maior acionista do local. Mas, ao longo do ano, são feitos diversos contratos para trazer eventos e gerar receitas. Além do Ajax, a federação holandesa e um time de futebol americano usam a Amsterdam Arena para eventos. O restante do tempo é ocupado com shows e concertos, por exemplo.
ME: E como foi a construção do estádio? O Ajax foi quem pagou a maior parte da construção?
MS: Não. Foi feita uma parceria com o poder público para que o estádio fosse construído. Primeiro porque era interesse da prefeitura de Amsterdã ter o estádio naquele lugar. Ele foi levantado numa área degradada da cidade, com alto grau de criminalidade. Com isso surgiu a idéia de se fazer nesse lugar, para valorizar a região. Com isso entrou a União Européia com parte da verba, o governo local e a prefeitura para desenvolverem todo o entorno. Era uma área em que não existia nada. Era quase um pântano. Hoje ela é o segundo centro da cidade, virou referência para Amsterdã. Além disso, houve uma valorização no terreno de três vezes o investido.
ME: Então a chave foi buscar o poder público para conseguir o financiamento?
MS: Sim. E essa talvez seja a tendência para o Brasil conseguir modernizar os seus estádios. Buscar um estádio que seja construído pensando na valorização de uma área, com isso o poder público pode se interessar e se engajar na construção. Hoje, tem quem faça os estádios, mas o Brasil precisa aprender a trabalhar as PPPs [Parcerias Público-Privadas].
ME: Mas, pensando numa eventual Copa do Mundo em 2014 no país, uma das exigências da Fifa é ter acesso público de transporte às arenas esportivas. Como fazer isso se não temos metrô em todas as capitais?
MS: O problema é a infra-estrutura. Como desenvolver isso sem ter metrô? É um problema que o Brasil terá. Mas na Itália não tem facilidade de acesso aos estádios. Talvez no Brasil não tenha, mas tem de ser facilitado de alguma forma. Seja com ônibus ou trem. Mas o que não pode ser feito é pensar só na Copa, em construir só para a Copa. Por que aí o estádio vira um elefante branco.
ME: Como assim?
MS: Tem que esquecer 2014. Tem de pensar no estádio como fonte de receita alternativa e como independência do dinheiro da televisão. Os clubes precisam hoje aumentar a receita em dia de jogo. Se pensar só em 2014, todos vão virar elefante branco. Tem estudos que mostram que a simples modernização do estádio leva a um crescimento de 100 a 150% de sua receita de dia de jogo. Afinal, a taxa de ocupação do estádio tem a tendência de melhorar, você aumenta o consumo médio do torcedor. Todas essas são receitas que o clube está perdendo hoje.
ME: Mas o fato de o país abrigar a Copa de 2014 pode ser um catalisador desse processo, não? Afinal as empresas voltarão os seus olhos para esse empreendimento…
MS: Sim, mas não pode ficar à espera de 2014. Sem dúvida que, se precisar, até a Fifa pode entrar e ajudar a levantar o financiamento.
ME: E como o clube administraria esse novo estádio?
MS: O ideal é o clube montar uma empresa para cuidar desse estádio. Uma empresa desvinculada até mesmo do departamento de futebol. Isso dá mais agilidade a todo o processo.
ME: Mas de onde sairia a receita do clube e dos investidores?
MS: De uma porcentagem da bilheteria. Na Europa, hoje, existe uma concorrência entre os estádios. Eles concorrem entre eles para conseguirem shows, para levar o Rolling Stones para tocar lá. Para isso, uma empresa teria a liberdade para melhorar esses estádios e ganhar a concorrência. Ela iria investir no estádio para melhorar, para se destacar do outro concorrente. Aí entra toda a parte, por exemplo, da tecnologia. Ela tem que ter o melhor aparato tecnológico para receber um show de rock, por exemplo.
ME: E qual o retorno que os investidores podem ter?
MS: Camarotes, publicidade estática no local, permissão para realizar eventos em alguns períodos do ano e, também, exclusividade nas vendas. Alguns investidores do Amsterdam Arena, como a Coca-Cola, tem como contrapartida ser o único refrigerante comercializado nas dependências do estádio. Além disso, existe hoje uma receita importante, que é o da visita turística. Na Amsterdam Arena são 80 mil visitas anuais ao preço de 8 euros cada uma.
ME: Qual o custo hoje para a construção de um estádio moderno no Brasil?
MS: Duzentos milhões de reais sem a parte de infra-estrutura no entorno.
ME: E como você conseguiria financiar isso?
MS: Você não pode ter um endividamento que ultrapasse os 30% do valor total da construção. Porque você não conseguirá ter fluxo de caixa garantido para cobrir esse custo mensal de pagamento do que foi financiado. Uma alternativa é fazer a emissão de títulos do estádio para a compra por pessoas físicas, que terão um lugar permanente.
ME: Qual seria, então, o grande entrave para a construção de uma arena moderna no país?
MS: O grande problema do Brasil talvez seja o calendário do futebol. É difícil você garantir que a arena esteja disponível para outros eventos. Não é de um dia para o outro que se faz um show de rock, por exemplo. Então sobram poucas datas para fazer outros eventos além dos jogos de futebol.
ME: Então, se quisermos que a Copa de 2014 impulsione a construção de estádios, temos de começar a pensar de que forma?
MS: São oito anos até 2014. Até lá tem muito tempo. O estádio tem de ser pensado não para 2014, mas como uma importante fonte de receita para o clube. Demanda existe para a criação das arenas. Mas é preciso adequar ao mercado brasileiro. E isso significa buscar mais a iniciativa pública para ajudar no financiamento.
Conheça o nosso entrevistado: