Com um Engenhão que dá lucros e um time que não passa sustos, Maurício Assumpção, presidente do Botafogo, conta hoje com o prestígio de ter uma administração competente. No estádio, no entanto, as linhas azuis que circulam o gramado entregam que o clube não é feito só de futebol. E, para os esportes olímpicos, Assumpção recorreu a um vitorioso do basquete: Miguel Ângelo da Luz.
O ex-técnico da seleção brasileira feminina de basquete assumiu o cargo de diretor de esportes olímpicos do Botafogo há dois anos de oito meses. Miguel coordenou a reestruturação que o clube precisava nos seus esportes amadores, mas, na hora de ir ao mercado, sentiu que seu trabalho não seria simples.
Para Miguel, o grande desafio é conseguir tirar a imagem que as empresas têm dos clubes que também administram equipes de futebol. Para o diretor, a desconfiança do mercado é o grande problema para obter patrocínio. “Nas reuniões temos que contar com a presença do presidente Maurício Assumpção, para ele falar do projeto, para dar credibilidade ao que queremos buscar”, afirmou.
O passado de clubes de futebol com esporte olímpico condena o presente do Botafogo, segundo Miguel. O diretor se refere a casos recentes em que o projeto olímpico do clube foi abandonado, ora por falta de interesse, ora por falta de organização. O trabalho do Botafogo hoje é convencer o mercado de que eles são sérios.
Nem mesmo os Jogos Olímpicos de 2016, realizados no Rio de Janeiro, têm ajudado o Botafogo, pelo menos por enquanto. “Depois dos Jogos de Londres, Rio-2016 estará mais em evidência. O problema é que aí já será tarde demais para nós”, lamentou Miguel Ângelo da Luz, que mira um trabalho em longo prazo para poder formar novos atletas.
Leia a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: O que o Botafogo tem feito nos últimos anos pelo esporte olímpico?
Miguel Ângelo da Luz: Fizemos uma reestruturação no que era realizado no esporte olímpico do clube. Com a ajuda da minha experiência, fizemos alterações nas comissões técnicas, melhoramos as estruturas. Temos feito um trabalho para dar melhores condições aos atletas, para dar o suporte necessário para eles. Para isso reformamos estrutura do clube, como quadras e piscinas, fizemos convênios com academias, qualificamos a parte administrativa.
ME: O foco sempre em alto rendimento?
ML: Não. Além do rendimento, temos a escolinha no clube, onde fizemos uma reciclagem de professores e de pessoal envolvido. Também estabelecemos um maior contato com os pais, com reuniões. Acho que os pais têm que estar presentes para o projeto dar certo.
ME: E os resultados já apareceram?
ML: Sim, já tivemos bons resultados. Na última competição de natação, conseguimos ficar na frente do Flamengo. No basquete e no vôlei, já conseguimos fortalecer as equipes. Minha previsão é que no próximo ano nós teremos essas duas equipes fortes, disputando em alto nível.
ME: Qual é o seu objetivo?
ML: Sinto falta do alto rendimento, quero ver o clube ganhar dentro da quadra. O Botafogo tem uma história vitoriosa no basquete e no vôlei. Quero retomar essa trajetória. É importante que o clube recupere o alto rendimento até para que esses garotos da escolinha tenham um espelho, uma meta. Eles vêm, treinam, jogam, mas e depois? Eles têm que focar a presença nos times de cima. Mas, para tudo isso, é preciso patrocínio.
ME: Hoje qual é a maior dificuldade em se obter patrocínio?
ML: Tem o lado de o Botafogo ser um clube de futebol. E quando se trata de um clube de futebol no Brasil, o passado condena. As empresas acabam ficando com receio porque a regra é o esporte amador ficar em segunda plano. Aí a verba nem sempre ia para o esporte olímpico, o projeto nem sempre tem continuidade. Mas esse não é o caso do Botafogo, nem de perto. Nas reuniões temos que contar com a presença do presidente Maurício Assumpção, para ele falar do projeto, para dar credibilidade ao que queremos buscar.
ME: E como tem sido o papel do presidente?
ML: Nada disso seria possível sem o apoio e a iniciativa do Assumpção, e isso é bom deixar claro. Já estive em muitos clubes na minha carreira, e essa é a melhor diretoria com quem eu já trabalhei.
ME: Como passar essa credibilidade aos investidores?
ML: Se você pesquisar um pouco, perguntar para parceiros que já existem, perguntar para as federações, para os clubes, descobrirá que o projeto do Botafogo é muito sério. Tive várias reuniões e as pessoas ainda têm essa desconfiança. E hoje o clube é muito profissional. Então o que eu peço é que as empresas façam essa pesquisa. Hoje tem atleta que quer ficar no Botafogo. No futebol isso fica ainda mais em evidência. Basta ver o Loco Abreu na Copa América, com a bandeira do clube. Isso não é marketing, é uma identificação. Ele não quer sair daqui.
ME: Como os Jogos Olímpicos de 2016 influenciam nesse busca por patrocínio?
ML: Acho que deveriam influenciar mais. Acredito que as empresas vão investir com mais peso após 2012. Depois dos Jogos de Londres, Rio-2016 estará mais em evidência. O problema é que aí já será tarde demais para nós. Nós não queremos chegar perto de 2016 e contratar atletas para fazer parte do nosso time. Nós queremos formar atletas para 2016. E para isso o trabalho já começou há quase três anos.
ME: O Botafogo se tornou o grande clube olímpico do Rio de Janeiro?
ML: Não colocaria como o principal clube. O Flamengo faz um bom trabalho, o Fluminense tem seguido essa linha. O Vasco tem melhorado muito. Mas hoje o atleta e o técnico procuram o Botafogo. Nós criamos uma credibilidade, temos estrutura. Os salários aqui não atrasam, somos organizados.
ME: E, com dificuldade com patrocínios, qual é a solução para continuar com o trabalho?
ML: Uma maior participação pública, em especial da prefeitura. A prefeitura tem que ser coerente no esporte, investir em equipes de base, em clubes e em convênios para desenvolver o esporte na cidade. E isso não é só da capital. O Estado do Rio de Janeiro está enriquecendo, e muitas prefeituras não sabem como investir no esporte.
ME: Qual é a diferença do vôlei e do basquete na hora de formar um time forte?
ML: O vôlei é muito mais forte, com muito mais dinheiro. Já o basquete tem um problema de acesso. Para jogar o NBB, tem que ter acesso. Nós temos que disputar o Campeonato Carioca, temos que disputar uma liga para subir ao NBB. E nesse período a visibilidade é pequena, fica ainda mais difícil conseguir um patrocínio. No vôlei, não. É só entrar com o dinheiro. Um exemplo disso é o RJX. O Eike Batista investiu, e o time já está na Superliga.
ME: Existe a possibilidade de o próprio Botafogo arcar com um time até que se consiga patrocínio?
ML: Não. Sem patrocínio, não há possibilidade. O Botafogo não faz loucura. Esse foi o problema de muitos clubes que resolveram pagar suas equipes e, depois, sem patrocínio, não conseguiram arcar com salários e estrutura.