O título de “pai do marketing esportivo moderno”, que ele pode usar oficialmente no Reino Unido, diz muito sobre Patrick Nally. A voz firme, a empolgação quando o assunto é tecnologia e a vontade de estar constantemente ligado ao esporte contribuem para construir o restante da imagem.
Nally esteve no Brasil para a feira de negócios Soccerex, a convite da agência BS+B, e conversou com exclusividade com a Máquina do Esporte. No encontro de pouco menos de meia hora, relatou um pouco de sua experiência no mercado do esporte.
Oriundo da publicidade, o executivo foi responsável pela construção de todo o plano de marketing da Fifa para a Copa do Mundo. A West Nally, empresa do britânico em parceria com o ex-comentarista esportivo Peter West, intermediou o acordo da entidade com a Coca-Cola, única patrocinadora do torneio de 1978, na Argentina.
“Tive de escrever um grande plano sobre como gerenciar a estrutura e as propriedades da Copa do Mundo. A Fifa não tinha um plano para a Copa do Mundo, e eu precisei pegar dinheiro emprestado da Coca-Cola para estruturar esse plano de direitos e colocar isso sob controle da Fifa. O programa não envolvia outras companhias na Argentina, e no fim não custou nada para a Coca-Cola. Eles tiveram muito sucesso, e a Argentina teve a primeira Copa do Mundo estruturada em termos de regras de marketing e patrocínios”, contou o executivo.
A partir do sucesso da estratégia com a Coca-Cola, Nally foi desafiado pelo brasileiro João Havelange, que na época presidia a Fifa. A entidade precisava de dinheiro para transformar a Copa do Mundo em um produto realmente global, e o britânico foi escolhido para definir os parâmetros desse projeto comercial.
A partir disso, Nally sempre esteve relacionado ao esporte. Além de ter desenvolvido o plano de marketing da Fifa, o executivo foi consultor do Comitê Olímpico Internacional (COI), ajudou modalidades em campanhas para entrar no programa olímpico e participou da candidatura do Japão ao posto de sede da Copa do Mundo de 2022.
A história e os feitos têm muito a ver com a forma de pensar de Nally. A despeito de ser um dos responsáveis pelo atual modelo de negócios do esporte em âmbito mundial, o executivo segue interessado pelos adventos da indústria e pelas mudanças do planeta.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Máquina do Esporte: Quando o senhor percebeu que podia desenvolver planos de negócios para o esporte?
Patrick Nally: Rapidamente, acho importante contar uma história: minha bagagem como jovem é de agências de publicidade. Então, eu aprendi as habilidades de lidar com anúncios e com relações públicas. Fui apresentado a Peter West, que dirige a companhia West-Nally e é um homem muito conhecido em transmissões de televisão.
Nós começamos a desenvolver um plano de relações públicas atrelado ao trabalho de publicidade, e a minha ideia era usar o esporte como plataforma de comunicação. O esporte nunca tinha sido usado para comunicar coisas.
Então, criamos uma empresa para usar o esporte na publicidade e em planejamentos comerciais. Queríamos pegar a experiência de uma agência de publicidade para promover, por exemplo, empresas como a Gillette e esportes como o críquete.
ME: E quando começou a relação com a Fifa?
PN: Nós tivemos muito sucesso na empresa, e por isso eu fui convidado, no meio dos anos 1970, a encontrar o senhor Dassler, da Adidas, que era um amigo do senhor Havelange e havia ajudado na eleição dele como presidente da Fifa. O senhor Havelange tinha um monte de ideias para desenvolver o futebol na África, na Ásia e em todo o mundo, criar uma Copa do Mundo de jovens, mas não tinha dinheiro. Então eles me perguntaram se a minha abordagem do esporte como plataforma de comunicação podia ajudar a trazer patrocinadores e dinheiro para fazer esse plano funcionar.
Para encurtar a história, eles não tinham um programa. Eu desenvolvi um plano comercial em parceria com alguns especialistas de esportes da Alemanha. Eu escrevi um plano para a Copa do Mundo de jovens, e então falei com a Coca-Cola, que era minha cliente e naquela época estava tentando se promover como a bebida mundial.
Houve um casamento. Havia a Fifa querendo promover o futebol como o esporte mundial, havia a Coca-Cola querendo promover a marca como a bebida mundial. Por que eles não podiam trabalhar juntos e desenvolver um plano para a África, a Ásia e os Estados Unidos, por exemplo?
ME: Como foi estruturado o plano para a Coca-Cola?
PN: Em 1978, tivemos a Copa do Mundo na Argentina, um país que tinha um histórico de ditadura militar, e em 1976 eu recebi da Fifa a seguinte pergunta: o que nós podemos fazer para dar à Coca-Cola, nossa patrocinadora, uma boa exposição na Copa do Mundo?
Eles não sabiam. Não sabiam quem controlava as coisas, não conheciam leis e não faziam ideia dos limites legais. Então, tive de escrever um grande plano sobre como gerenciar a estrutura e as propriedades da Copa do Mundo. A Fifa não tinha um plano para a Copa do Mundo, e eu precisei pegar dinheiro emprestado da Coca-Cola para estruturar esse plano de direitos e colocar isso sob controle da Fifa. O programa não envolvia outras companhias na Argentina, e no fim não custou nada para a Coca-Cola. Eles tiveram muito sucesso, e a Argentina teve a primeira Copa do Mundo estruturada em termos de regras de marketing e patrocínios.
ME: De onde o senhor tirou os parâmetros para construir esse modelo? A inspiração veio dos Jogos Olímpicos ou do que era feito no mundo da publicidade?
PN: O modelo olímpico ainda não existia; ele foi criado por nós e pelo programa da Adidas. Eu acho que o que veio para mim como motivação para criar isso inicialmente foi a ideia de ter um bom programa para o meu cliente, que era a Coca-Cola.
Então, inicialmente, antes da Copa do Mundo da Argentina, meu foco era proteger a Coca-Cola. Mas houve sucesso porque nós atingimos os objetivos e clareamos as coisas para a Fifa. Nós mostramos como eles podiam controlar os direitos e as propriedades.
ME: Quando aconteceu a decisão de ampliar o modelo?
PN: O trabalho com a Coca-Cola criou um benchmark. A Fifa teve sucesso em 1978, e decidiu expandir de forma maciça para 1982. Eles queriam aumentar de 16 times e quatro estádios para 24 equipes e 14 estádios, mas precisavam de dinheiro. Essa foi uma das bases para a criação de todo o programa de exclusividade de direitos que a Copa do Mundo tem atualmente. A indústria do esporte evoluiu a partir daquele contrato entre Coca-Cola e Fifa.
No fim de 1978 ou no começo de 1979, fui interpelado pelo senhor Havelange, que queria saber se eu podia aumentar o faturamento da Copa do Mundo de 1982 na Espanha. Eles queriam ter mais países porque queriam incluir regiões que não estavam no jogo, e nenhum dos europeus queria diminuir a quantidade de vagas. Os sul-americanos também não queriam mandar menos países.
Para desenvolver o interesse de regiões como África e Oriente Médio, eles concluíram que precisavam ter mais times. Não havia outro jeito de colocá-los no jogo. Então, a Fifa precisava de mais dinheiro. Eles me deram a responsabilidade e uma enorme pressão. Se eu precisei de US$ 50 milhões para fazer o projeto funcionar na Argentina, tinha de atingir algo como US$ 130 milhões para as coisas andarem em 1982. Isso me forçou a ter ideias novas. Eu sou criativo, e isso me levou a criar conceitos como exclusividade, limite de cotas a um número pequeno de companhias e workshops para colocar os patrocinadores juntos. Tínhamos de incitá-los a trabalhar juntos em promoções. Toda essa ideia, que hoje norteia a “família Fifa”, foi criada pela necessidade de aumentar o faturamento.
ME: O senhor considera que o programa teve êxito?
PN: Funcionou tão bem que o meu negócio foi tirado de mim. Foi o modelo que deu início ao trabalho nos Jogos Olímpicos e no atletismo.
ME: Mas é um modelo bom até hoje?
PN: Eu acho que foi um modelo bom durante dez ou 15 anos, mas que não é mais uma boa alternativa. Os negócios evoluíram, as coisas mudaram, a mídia mudou e surgiram coisas como novas mídias, mídias sociais… o mundo mudou! Hoje em dia, acho que estamos passando por um período de transição. Certamente, a Fifa está em último nessa corrida por modificações. Os outros, como os Jogos Olímpicos, já tiveram de mudar.
ME: Essa lentidão pode ser justificada pela morosidade da Fifa ou tem relação com o mercado?
PN: A Fifa só tem se segurado tanto por ser um meio muito forte, um esporte muito forte. Mas tem de mudar porque o mundo está mudando, e as companhias não vão mais comprar o mesmo modelo. Elas precisam de um novo jeito de se comunicar. Todo mundo tem diferentes perspectivas, objetivos e necessidades. Essa transição vai ser mais clara quando chegarmos à Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Por isso, existe uma pressão enorme no sistema. Há muitas pessoas querendo participar, e nós precisamos encontrar novos meios de envolver mais gente e mais empresas. O Brasil está em alta, crescendo e cercado de grande entusiasmo.
ME: O senhor disse recentemente que teve participação na entrada de Joseph Blatter na Fifa. Como isso aconteceu?
PN: A Fifa não tinha um estafe, e por isso nós precisamos montar uma equipe para administrar o programa e desenvolver a estratégia. Entre as pessoas, nós nos aproximamos de um empresário suíço que trabalhava com relógios, Joseph Blatter, que estava em uma empresa chamada Longin como um homem de relações públicas. Trouxemos o senhor Blatter da Longin para a Fifa para desenvolver a área de RP e para trabalhar com o desenvolvimento do futebol em algumas regiões como a África, ajudando essas pessoas a conhecer a estratégia da entidade para todo o mundo.
ME: As empresas que patrocinam os Jogos Olímpicos não têm espaços para publicidade no interior das arenas. Por que você escolheu um caminho diferente na Copa do Mundo e ofereceu mídia nos estádios?
PN: Temos de lembrar que a Copa do Mundo, quando eu comecei a desenvolver o programa, não era um produto global. Ela tinha pernas na América do Sul e na Europa, e não havia restrições em nenhuma dessas regiões. Nos Estados Unidos, aí você encontrava todo o dinheiro de publicidade concentrado nos intervalos. Não havia nenhuma ação no campo de jogo.
Com o futebol, era mais fácil usar isso porque o crescimento fora da América do Sul e da Europa aconteceu depois. Os Jogos Olímpicos começaram a se desenvolver com um grande impulso financeiro da ABC e da NBC. E eles não queriam pagar grandes somas de dinheiro se houvesse publicidade no campo de jogo porque poderia haver conflitos com os anunciantes.
Então, o modelo olímpico foi desenvolvido dessa maneira por causa da televisão dos Estados Unidos, enquanto o futebol foi baseado em necessidades dos modelos da Europa e da América do Sul. Essa é a diferença. São modelos com a mesma filosofia, mas com diferentes interpretações.
ME: Podemos dizer que o modelo da Copa do Mundo tem mais a ver com exposição de mídia e o modelo dos Jogos Olímpicos é mais focado em relacionamento?
PN: Acho que sim. No futebol, o conceito de branding é muito importante. As marcas investem na ideia de fazer parte do jogo e no que podem construir a partir disso. Os Jogos Olímpicos são mais sobre imagem. Você compra uma imagem, e o modelo é sobre como usar e explorar isso. Então, é um modelo totalmente diferente. Mas os dois modelos demandam exclusividade, sobretudo por causa do preço. Você compra algo para que o seu rival de mercado não possa ter. É claro que temos o marketing de emboscada, mas o programa de patrocínios que eu criei tem como base a ideia de entregar à empresa algo que seja único.
ME: Se o senhor fosse contratado pela Fifa exatamente agora para desenvolver o mesmo projeto criado na década de 1970, o que o senhor faria?
PN: Eu seria muito corajoso e mudaria toda a abordagem.
ME: Como?
PN: Eu acho que é algo que já está começando a acontecer, se você olhar para os Jogos Olímpicos como comparação. O programa top de patrocínios ainda funciona, mas tem um número limitado de patrocinadores exclusivos. O dinheiro de verdade provém de empresas locais. Em Londres-2012, 750 milhões de libras foram gerados por patrocinadores locais.
No Brasil, só os dois primeiros patrocinadores locais já geraram mais do que isso. É algo que mostra a Fifa precisa perceber que a motivação e a energia estão mudando. Se você mantiver o modelo atual, o preço vai subir constantemente, o número de patrocinadores vai se manter e a situação vai ficar insustentável. Eu acho que a Fifa tem esse desafio de se abrir a mais oportunidades, mais patrocinadores, e transformar a Copa do Mundo em algo regionalizado para que todos os países possam ver e participar.
ME: Uma das saídas que os Jogos Olímpicos adotaram para atingir esse grande número de patrocinadores foi aumentar o número de categorias – eles vendem cotas para televisores, celulares e TVs de celulares, por exemplo. Esse é um caminho viável também para o futebol?
PN: Isso tem muito a ver com o preço. Em alguns casos, essa divisão acontece porque eles não conseguem encontrar empresas que paguem o mesmo pelas três cotas juntas. Então, eles dividem para ter uma pagando um pouco mais e uma pagando um pouco menos.
Mas acho que o mais importante agora é entender as mudanças do mundo. Marcas que eram globais não são mais globais. Quando eu comecei, o Japão era um grande mercado para as empresas dos Estados Unidos e da Europa se tornarem internacionais. Hoje em dia, temos empresas da Coreia do Sul e da Rússia que atingem todos os países. Há mais marcas globais, e isso cria uma necessidade de mudar o programa.
Você não pode falar para os atletas que eles não podem usar Twitter e Facebook na Vila Olímpica. Toda a comunicação está mudando, e os patrocínios das federações internacionais devem acompanhar isso. Eu não acho que a Fifa ou o COI estejam olhando para isso com a devida atenção.
ME: No entanto, o senhor disse que essa mudança no processo de comunicação já será visível na Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Como?
PN: É algo inevitável. Não há nenhuma forma de você envolver todas as pessoas do Brasil que são apaixonadas pelo jogo e pelo evento. Isso vai criar uma necessidade e dará origem a uma série de oportunidades no país. Espero que a Fifa perceba isso e reme com a maré.
ME: Mas depois do Brasil a Fifa levará a Copa do Mundo para Rússia e Qatar, países que não têm tantas pessoas interessadas no jogo…
PN: A Rússia, eu acho, é muito parecida com o Brasil em vários aspectos: é um país muito grande, com um mercado emergente. Por tudo isso, pelo nível do futebol e pelos estádios que já existem, eu acho que a Rússia foi uma boa escolha. Sem contar que é um grande mercado, e que isso representa uma grande oportunidade.
O Qatar é um pouco diferente. Quando chegarmos a 2020, a tecnologia terá mudado o mundo. Eu trabalhei com os japoneses na candidatura para 2022, e nós sabíamos que o país tinha recebido a Copa do Mundo em 2002. Por isso, as chances eram pequenas. Mas criamos um projeto inteiramente focado em tecnologia. A ideia era transmitir jogos em estádios de todo o mundo com uso de holografia, por exemplo. É disso que eu falo quando penso em uma Copa do Mundo regionalizada.
A tecnologia não vai parar de se desenvolver, e o mundo está mostrando para nós o quanto isso será importante. O próprio desenvolvimento dos fan fests é um exemplo. As pessoas não querem ficar em casa para ver os jogos; elas querem fazer parte de tudo isso.
ME: Quais são os projetos que a West Nally Limited desenvolve atualmente?
PN: Após todos esses anos, eu vi o negócio do esporte se desenvolver do nada até o ponto em que está atualmente. Portanto, tenho um desejo e uma necessidade de estar envolvido em educação. Há muitas pessoas na nossa indústria que não entendem do que se trata.
Uma das coisas que eu mais quero fazer é ajudar na educação, e certamente aqui no Brasil há muitas oportunidades para ajudar as empresas a entenderem em que elas estão colocando dinheiro.
Em segundo lugar, sigo criando e organizando ideias para o esporte e trabalhando com esportes mentais. Como dizem, uma mente saudável é base para um corpo saudável. Os esportes mentais ajudam a desenvolver uma série de raciocínios, e isso me interessa muito.
Mas ainda não terminei meu trabalho com a Fifa. Virei ao Brasil em 2014, e devo ir à Rússia depois. E se você pensar, desde tudo que aconteceu com a ISL, a Fifa não tem uma empresa que cuide do marketing. Eu acho que existe uma oportunidade para trabalhar com a Fifa e o comitê organizador a fim de explorar novos meios de comunicação e patrocínio. Tenho estado em todas as Copas desde 1978, e estou muito interessado sobre o que vai acontecer aqui no Brasil e nas próximas edições.