Sílvio Vaz

Uma das maiores empresas do Brasil vai investir no esporte. A notícia ganha ainda mais força quando o aporte previsto gira em torno de R$ 300 milhões até 2015 (pouco mais de R$ 46 mi por ano) e a marca em questão é a Vale. Com um dos maiores projetos da história da área, a mineradora pode ser protagonista da primeira grande parceria público-privada a tirar o conceito criador da Lei do Incentivo ao Esporte da teoria, cumprindo um real papel de inclusão social.

A ideia básica é estimular a atividades em seis estados brasileiros. Serão 15 núcleos com três vertentes básicas: esporte, cultura e profissionalização. O foco esportivo é a Olimpíada de 2016, que pode ser realizada no Rio de Janeiro. Crianças de Minas Gerais, Maranhão, Espírito Santo, Pará, Sergipe e Rio de Janeiro poderão aproveitar os serviços disponibilizados pela Vale.

?Vamos sempre escolher os interessados pela meritocracia, mas cada um focado em um lado. Agora, nós podemos ter um menino fazendo esporte, mas que quer um curso profissionalizante, e ele poderá fazer isso?, disse Sílvio Vaz, presidente da Fundação Vale, responsável pelo programa ?Brasil Vale Ouro?, em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte.

Apesar de não ser totalmente calcado no benefício federal, o projeto deve passar pelo Incentivo ao Esporte. Esta deve ser a primeira grande exceção à lei, que, desde sua criação, tem beneficiado projetos de grandes entidades esportivas, que naturalmente teriam mais facilidade para captação de recursos.

O ?Brasil Vale Ouro?, no entanto, deve sair do âmbito esportivo. O lado profissionalizante do plano deve levar em consideração a necessidade de cada uma das cidades atendidas, e pode servir de alternativa para a comunidade. O resultado é o enorme valor agregado à empresa de todos os lados.

?Eu acho que o principal é o orgulho de ser Vale. Você não imagina o que cada funcionário sente fazendo o bem para a comunidade. Às vezes as pessoas acham que uma mineradora só tira as coisas, mas ela está dando um monte de coisas em troca?, disse Vaz.

Leia a íntegra a entrevista a seguir:

Máquina do Esporte: Como foi feita a escolha da natação, do judô e do atletismo?

Sílvio Vaz: A escolha foi feita pelo fato de serem esportes individuais. Fomos conversar com o secretário de alto rendimento e os presidentes das confederações. Essas são as três modalidades que mais nos trouxeram medalhas.

ME: E como vai funcionar essa integração entre os núcleos?

SV: Na verdade, a gente tem toda a organização para os três esportes individuais. São cem atletas, com 30 de altíssimo rendimento em cada modalidade. São pessoas que alcançaram o índice internacional, e cerca de dez técnicos para o acompanhamento.

ME: O que cada núcleo vai oferecer?

SV: Estamos programando 15 núcleos. Esses núcleos trabalham os lados físico, emocional e intelectual. Trabalharemos os esportes, assim como a dança, o teatro e a música. O teatro que estamos construindo em Tucumã [sudeste do Pará], por exemplo, é uma sala de cinema para a comunidade, com filme para o pessoal em todos os sábados. Na parte profissionalizante, vamos fazer projetos dentro da realidade de cada núcleo. Pode ter hotelaria, enfermagem e construção civil, entre outros. E na área rural vamos ter um atendimento mais específico. Mais do que a profissionalização, a escola vai ser o centro de gestão do desenvolvimento econômico local. Vamos ter ligação com os pais desses alunos, com um centro de recepção das mercadorias que eles produzem. E vamos ajudar no processamento e na distribuição dessa produção. Esse é o modelo da estação de conhecimento de rural.

ME: Como funciona esse curso profissionalizante?

SV: Em grande parte das regiões em que estamos presentes, vemos o ensino fundamental com muita gente. Já o médio leva só 30% das crianças. Elas somem da escola porque precisam trabalhar e ganhar dinheiro. Então precisamos de cursos que gerem valor, para que eles saiam com 18 anos e uma profissão que dê renda. Senão, ele não quer estudar porque entende que vai perder tempo. Além disso, nós temos de sistematizar o conhecimento para treinar os meninos como técnicos de tudo isso, para que eles saiam de lá entendendo sobre o assunto.

ME: Quem está apto a participar de tudo isso?

SV: É pela meritocracia, mas sempre com tudo gratuito. São sempre os melhores, tanto no esporte quanto na cultura. Queremos fazer um processo de seleção com todas as escolas de todos os lugares. Nós ainda tivemos o apoio de uma equipe de doutorandos da USP, que formam uma equipe de detecção de talentos. Eles vão fazer testes de aptidão, físico, motivacional, psicológico e até de DNA. Isso já foi feito para 30 atletas, e vamos acompanhar isso durante todo o tempo para ver quais os fatores que mais interferiram na transformação em atletas de alto nível.

ME: Mas os alunos serão divididos de acordo com o interesse?

SV: Sim. No esporte, por exemplo, o foco é a parte esportiva. Você tem a parte de motivação, psicológica e uma série de dados que serão usados para a seleção, mas o principal é saber quem ganhou a corrida, ou a luta. Cada um vai estar focado em um lado, mas nós podemos ter um menino que está fazendo esporte e quer ser um técnico esportivo. Ou ele pode também fazer esporte e querer fazer um curso de pedreiro. Tudo isso vai ser possível.

ME: O que a Vale ganha com tudo isso, além dos profissionais que ela já forma e pode empregar?

SV: Nem diria que esse lado de contratação é tão relevante. Nós já temos um centro de treinamento muito focado nisso, sabendo exatamente o funcionário que precisa. Essa é uma parte muito mais social, que não tem muito a ver com os negócios da Vale. Eu acho que o principal é o orgulho de ser Vale. Você não imagina o que cada funcionário sente fazendo o bem para a comunidade. Isso faz bem para ele. Ele se sente mais orgulhoso do que faz. Às vezes as pessoas acham que uma mineradora só tira as coisas, mas ela está dando um monte de coisas em troca. Além disso, ela entra no âmbito do desenvolvimento econômico e humano, e ainda melhora a visão e a aceitação da comunidade. Todo mundo gosta de fazer o bem. Você tendo a possibilidade de fazer isso, aumenta o orgulho de ser brasileiro. O esporte mostra determinação, comprometimento e vontade. São valores importantes para a vida. Acho que todo mundo ganha. Se a Vale quer, a sociedade quer, a Prefeitura quer, porque não fazermos? Nós queremos contribuir com ações estruturantes na nossa comunidade.

ME: No projeto, vocês vão usar o Círculo Militar de Deodoro como centro de excelência. Como é reativar um dos principais aparelhos esportivos do Pan de 2007, que estava sendo sub-utilizado desde então?

SV: Eu acho que o equipamento físico é físico. Não tem nada que mude isso. Quando você tem material humano é que você consegue alterar alguma coisa. O que foi construído ali estava quase parado. A única coisa que tem lá é a piscina, que ainda assim precisa de melhoras. Estamos fazendo os dojo [para uso do judô] e toda a parte de alojamento, pistas de atletismo. É um investimento da ordem de R$ 10 milhões. Mas o principal não é o físico. O mais difícil é o treinamento dos atletas olímpicos. Não estamos querendo pôr a máscara em um atleta feito. Não quero trazer um craque e estampar Vale. Queremos construir um trabalho com um garoto de seis anos de idade, que se torna vencedor na vida e pode até ser um atleta olímpico. Até porque a gente sabe que vão sair muito poucos até lá. Até 2015 serão 30 mil crianças atendidas.

ME: O investimento total de cerca de R$ 300 milhões coloca a Vale como uma das maiores investidoras da história do esporte. Como vai ser lidar com esse título e esse peso?

SV: O bacana é que não é um peso inteiro nas costas. No caminho, você encontra um monte de gente que quer participar com você. No evento da última terça, quando lançamos o projeto, por exemplo, quatro empresas falaram diretamente para mim que queriam ser nossas parceiras. E cada uma dessas empresas vai poder entrar pela Lei de Incentivo. Nós temos a capacidade de captar esses recursos, e você acaba não carregando sozinho. É impressionante como os parceiros começam a surgir. Desde o começo eu falo que Cuba tem dez milhões de habitantes. Nós temos 190 milhões e mesmo assim estamos muito atrás, mesmo tendo uma economia muito maior. Não é possível que aconteça isso. Se a gente puder fazer um pouquinho, já vamos conseguir mostrar o Brasil para o mundo em termos de organização e envolvimento. Quando você ganha uma medalha olímpica, é uma mostra para o mundo da sua atuação social. Isso é muito importante e é possível de ser feito.

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