Em uma época em que o futebol brasileiro atravessa mais uma crise existencial e a palavra mito enfrenta desgaste por conta de seu uso excessivo (e por que não dizer inadequado?) em algumas estratégias de marketing, o país vê Zico, um de seus maiores craques em todos os tempos, completar 70 anos de idade em pleno vigor, diversificando os negócios e se tornando muito mais que um ex-ídolo esportivo aposentado.
Já se passaram quase 60 anos desde que um garoto franzino deixou boquiabertos todos que acompanhavam o campeonato infantil de futsal realizado no clube River, no bairro de Piedade, no Rio de Janeiro. Trajando o uniforme branco do Santos de Pelé, principal ídolo do futebol mundial à época, o franzino Arthur Antunes Coimbra marcou dez gols na vitória do seu time por 15 a 3 em um torneio interno da agremiação.
Pelas mãos do radialista Celso Garcia, “Arthurzico”, caçula de uma família que revelou outros jogadores profissionais talentosos como Edu, Nando e Antunes, chegou ao Flamengo aos 14 anos de idade para transformar por completo a história do clube.
A “Era Zico” começou em 1971, quando o atleta estreou como profissional na vitória por 2 a 1 sobre o Vasco. A jovem promessa deu o passe para o gol de João Batista de Sales, o Fio Maravilha, imortalizado na música de Jorge Ben Jor, que, depois de um processo de direitos de imagem movido pelo atacante, resolveu mudar o nome e o refrão para “Filho Maravilha”.
Não demorou muito para que, embalado por inúmeros títulos e centenas de gols memoráveis, Zico se tornasse o herói das epopeias cifradas pelo músico genial, que é flamenguista fanático, e de tantos outros apaixonados da nação rubro-negra. “Tem falta na entrada da área. Adivinha que vai bater? É o camisa 10 da Gávea”. Não é preciso dizer o nome nem explicar mais nada. A imagem surge clara diante dos olhos de todos, mesmo depois de tantos anos, desde que o craque resolveu pendurar as chuteiras.
Ídolo no Brasil…
Imortalizada por Pelé, a camisa 10 do Brasil teve muitos candidatos a herdeiros. Nenhum deles se tornou tão célebre trajando-a quanto Zico. Isso apesar de nunca ter conquistado a Copa do Mundo. Por quase duas décadas, ele foi a personificação de craque no país do futebol.
Pelo Flamengo, conquistou quatro Brasileirões (ou três, pelas contas das torcidas do Sport e dos arquirrivais, que não incluem na soma a Copa União, de 1987), uma Libertadores, um Mundial e sete Campeonatos Cariocas (sendo que um dos vencidos em 1979, tendo o Fluminense como vice, foi em uma edição especial).
Maior artilheiro do Maracanã, Zico foi estrela na seleção brasileira. Em 1976, conquistou diversos títulos com a camisa amarelinha que até hoje são lembrados, como a Taça do Atlântico e as Copas Roca e Rio Branco. Sua estreia em Mundiais foi em 1978, quando não alcançou sua melhor performance e acabou virando reserva de Jorge Mendonça.
Em 1982, ele era o titular absoluto e principal astro de um time que, apesar de não ter sido campeão, até hoje é lembrado como exemplo máximo do futebol-arte. Em 1986, Zico ficaria marcado pela perda do pênalti no tempo regulamentar, diante da França, pelas quartas de final (jogo em que o Brasil acabou sendo eliminado). Nada que, no fim das contas, abalasse seu status de ídolo do futebol. Em 1989, Zico se despediu da seleção.
Naquele mesmo ano, depois que o Flamengo perdeu o Campeonato Carioca para o Botafogo, com direito à torcida alvinegra cantando o refrão “Vou celebrar o teu sofrer e o teu penar”, Zico resolveu abandonar os gramados. E chegou a sacramentar a decisão, após a goleada do rubro-negro por 5 a 0 diante do Fluminense, em Juiz de Fora (MG). Parecia ter chegado ao fim a epopeia do Galinho de Quintino, apelido criado pelo lendário radialista Waldir Amaral, da Rádio Globo. Mas Zico (que, no início dos anos 1980, havia brilhado na pequena Udinese, da Itália) queria mais. E conseguiu.
… e no Japão
Zico vem de uma época em que jogadores com mais de 30 anos de idade já estavam fazendo hora extra nos gramados. Em 1990, aos 37, aceitou o convite do então presidente Fernando Collor de Mello e assumiu o cargo de secretário nacional dos Esportes.
Seu maior legado foi a Lei Zico, considerada por muitos como a fonte de inspiração da Lei Pelé, que até hoje rende discussões e está longe de ser uma unanimidade. O Galinho não teve a chance de ver o projeto ser sancionado em 1993, já que deixou o cargo em 1991, antes de Collor cair em desgraça e sofrer impeachment. Prova de que todo craque precisa ter sorte, dentro e fora de campo.
Naquele mesmo ano, Zico encarou o desafio de retornar aos gramados para revolucionar o futebol do Japão. Atuando pelo Kashima Antlers, o Galinho brilhou e atraiu as atenções do mundo todo para o país que sonhava em sediar a Copa do Mundo (fato que veio a se concretizar em 2002, ao lado da Coreia do Sul). Mais tarde, ele treinaria a seleção japonesa, deixando sua marca de vez no país.
Novos rumos
A trajetória de Zico depois de 1994, quando encerrou a carreira no Kashima Antlers, poderia ter sido similar às de inúmeros ex-jogadores, quando se aposentam. Inicialmente, ele ajudou a tornar popular o beach soccer, tendo marcado 41 gols pela seleção brasileira da modalidade, entre 1995 e 1996. Depois, arriscou-se como técnico e cartola (atualmente, é dirigente no mesmo time japonês).
Hoje, aos 70 anos de idade, Zico se destaca como produtor de conteúdo, com um canal para chamar de seu no YouTube. Ali, são postados vídeos com resenhas, análises e memória do futebol. No mês passado, por exemplo, ao lado de Sorato, o Galinho postou um react de lances sublimes de seu amigo Roberto Dinamite pelo Vasco. O eterno camisa 10 da Colina faleceu em 8 de janeiro deste ano. Conteúdos relacionados ao maior ídolo da história do Vasco são recorrentes nas redes do principal craque do Flamengo em todos os tempos.
Nesta sexta-feira (3), dia que é tratado na Gávea como uma espécie de Natal (já que marca o nascimento de um dos maiores craques deste planeta, depois de Edson Arantes do Nascimento), estreou no YouTube a série Zico 70, que conta com a participação de grandes jogadores do Flamengo, como Bebeto, Andrade e Nunes, além de músicos apaixonados pelo clube, como Jorge Ben Jor (estrela do trailer), Marcelo D2, Toni Garrido e Neguinho da Beija-Flor.
“A série é uma volta emocionante ao passado para quem viveu a era de ouro do Flamengo e uma forma de passar adiante a trajetória vitoriosa do Zico para quem apenas cresceu ouvindo as histórias”, explicou Renata Amaral, coordenadora de conteúdo da Take4Content, realizadora do projeto.
A produção resgata as histórias dos títulos do Campeonato Carioca de 1978, dos Brasileiros de 1980 e 1987, além da Libertadores e do Mundial de 1981, trazendo o olhar de quem estava em campo, ao lado de Zico, e de quem estava nas arquibancadas, torcendo pelo ídolo.
“Zico é um dos maiores representantes do futebol brasileiro. Completar 70 anos é uma marca muito representativa, e para festejar essa data tão importante, nada melhor do que relembrar grandes títulos do nosso craque. A série também contempla o ídolo fora das quatro linhas: todos os convidados destacaram o grande homem, amigo, inspiração e pai. Um camisa 10 em todas as posições”, afirmou Leonardo Achão, coordenador do Canal Zico 10.
Novos episódios estrearão semanalmente, sempre às sextas-feiras. No dia 3 de abril, deve ir ao ar uma grande surpresa para Zico e seus familiares.
Loja do Zico
A parceria com o clube do coração segue forte, com a Loja do Zico, que vende produtos oficiais que remetem à era comandada pelo Camisa 10 da Gávea. Nela, o torcedor pode comprar inclusive a réplica do carro oferecido pela montadora Toyota (organizadora e patrocinadora do torneio) ao craque do Mundial Interclubes de 1981, conquistado diante do Liverpool.
O marketplace conta ainda com um espaço para a venda de produtos relacionados a outros ídolos do Flamengo. Em “Amigos do Zico”, é possível encontrar itens relacionados ao laterais Júnior e Leandro, ao “Deus da Raça” Rondinelli e ao atacante Nunes.
Braziline
Parceira do Flamengo desde 1996, a Braziline lançou uma camisa em homenagem a Zico, com venda física iniciada nesta quinta-feira (2), nas lojas oficiais do clube e no site da marca.
Com tiragem limitada, a peça é na cor branca e traz detalhes em vermelho e preto, além da inesquecível imagem de Zico em campo. Feita de algodão, ela conta ainda com a representação do autógrafo do Galinho em dourado.