As três derrotas seguidas do Botafogo nas últimas rodadas do Brasileirão trouxeram uma série de questionamentos sobre o papel da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube, em poder do investidor John Textor, e também a pressão por resultados no torneio. Primeiro clube grande do país a implementar uma SAF, o time perdeu na sequência para Coritiba (1 a 0), Goiás (2 a 1) e Palmeiras (4 a 0).
As derrotas colocaram o clube carioca em 16º lugar na classificação geral do Campeonato Brasileiro, apenas uma posição à frente da zona do rebaixamento. A equipe enfrentará o Avaí, às 19h, nesta segunda-feira (13), no Estádio Nilton Santos.
”Tudo isso ainda é muito novo para o futebol brasileiro, pois somos até aqui a única SAF que chegou a este tamanho, com uma organização e processo que já vem de três anos”, afirmou Jorge Braga, CEO responsável pelo processo da SAF no clube.
“O importante para o Botafogo foi e continua sendo cumprir com todas as etapas desse processo. Óbvio que obter resultados dentro de campo é uma consequência. Mas tudo passa pela gestão, e esse processo ainda está em maturação”, acrescentou.
Entre os times grandes do país, as SAFs já apresentam resultados. O Cruzeiro, que vendeu sua SAF a Ronaldo Nazário, apesar da derrota para o Vasco (1 a 0), no Estádio do Maracanã, neste domingo (12), é o líder da Série B, com 28 pontos. O time de São Januário, que está prestes a negociar sua SAF com a 777 Partners, fundo de investimento americano, ocupa a terceira posição da Série B. Ambos os times voltariam à elite se o campeonato acabasse hoje.
Modelo de SAF
Uma das principais perguntas que muitos especialistas fazem é se, nos modelos brasileiros que estão sendo implementados, as SAFs superarão a pressão por resultados dentro de campo, levando em conta também o calendário apertado, cobrança excessiva por vitórias e exigência de um trabalho eficaz dos treinadores, mesmo em relação aos recém-chegados.
Óbvio que obter resultados dentro de campo é uma consequência. Mas tudo passa pela gestão, e esse processo ainda está em maturação [no Botafogo].
Especialista em negócios do esporte, Armênio Neto apontou que o processo de transformação dos clubes no Brasil precisa ser gradual e contar com a paciência não apenas dos torcedores, mas também dos investidores.
”Todos querem gestão profissional, mas poucos estão dispostos a pagar o preço. Só que na maioria dos casos, a consistência vence a conveniência. Por isso, eu também acredito que dá para ir bem nos dois cenários”, analisou o especialista.
“A SAF não funciona como um passe de mágica. Não está escrito que tudo será resolvido. A SAF também quebra. Por isso, a tendência é buscar equilíbrio entre austeridade e a responsabilidade com performance em campo. Isso sem falar na conexão com a torcida e o crescimento de receitas que um momento positivo em campo pode proporcionar”, apontou.
Crescimento entre os pequenos
Outros modelos de SAF, sem tanta pressão de torcida, já mostram resultados em campo. Um dos primeiros clubes do Brasil a se tornar sociedade anônima, o Cuiabá saiu da segunda divisão do Mato Grosso em 2009 para atingir a elite do Brasileirão no ano passado. O time se manteve na primeira divisão e conquistou uma vaga inédita em seu estado para a disputa da Copa Sul-Americana.
Neste ano, porém, o Cuiabá enfrenta problemas. O time fez campanha pífia na Sul-Americana, com duas vitórias e quatro derrotas, terminando em 3º lugar no Grupo B e sendo eliminado na primeira fase. No Brasileirão, o time do Mato Grosso está na zona do rebaixamento, na 17ª posição, com 12 pontos em 11 jogos.
”Nós nos preparamos e vimos com bons olhos a mudança para a SAF. São vários benefícios que nos dão condições de ser mais competitivos e investir mais, que é o que vem acontecendo gradualmente”, afirmou Cristiano Dresch, vice-presidente do Cuiabá.
Apesar de toda dificuldade, pagamos salários em dia e renegociamos e reestruturamos a dívida gigantesca. E, principalmente, mudamos a cultura de não honrar contratos.
SAF x desempenho
Juliana Biolchi, mestre em direito e especializada em revitalização de empresas, negociações complexas e recuperação extrajudicial, entende que ”a história dos clubes, e também das empresas, ensina que a adoção de boas práticas de gestão, estruturadas sobre pilares como transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa, não garantem infalibilidade dentro das quatro linhas”.
Com experiência corporativa, ela afirmou que, assim como em qualquer outra atividade, uma boa gestão não blindará os clubes de resultados ruins em campo.
”A SAF tem um papel de meio, de gerar a atmosfera saudável. Esse é o negócio e esse é, de fato, o resultado que a boa gestão vai gerar. Confundir esse papel com desempenho em campeonato, sem a devida calibragem, dá espaço para uma interpretação distorcida, superficial e equivocada do que é a Sociedade Anônima do Futebol”, completou.
Gestão e governança
Braga, do Botafogo, executivo com passagens por empresas como Nextel, Embratel e Telemar, disse que o processo de implantação da SAF do clube depende de superar várias etapas.
”Primeiro, tivemos que fazer a lição de casa, e isso fizemos. Colocamos o balanço na rua sem ressalvas, contabilizando valores que estavam fora do resultado. Demos um choque de transparência e de gestão, com processo de contratação, relação de receitas e despesas mais saudáveis, reestruturação de contratos e patrocínios, além dos departamentos”, contou o CEO do Botafogo.
“Apesar de toda dificuldade, pagamos salários em dia e renegociamos e reestruturamos a dívida gigantesca. E, principalmente, mudamos a cultura de não honrar contratos. Profissionalismo é honrar com seus compromissos, e isso continua. As coisas estão acontecendo”, finalizou o executivo.