Após um ano, SAF ainda engatinha, mas mercado vê melhora na gestão de clubes

Em 6 de agosto de 2021, o futebol brasileiro ganhou uma legislação específica para incentivar a criação de empresas separadas da área social dos clubes e, assim, incentivar a entrada de investidores nas equipes.

Aprovada há um ano, a Lei 14.193, conhecida como Lei da SAF, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Desde que ela foi promulgada, em 5 de outubro, três grandes clubes do país anunciaram a entrada de investidores: Cruzeiro, Botafogo e Vasco.

O movimento parecia que abriria as portas para uma enxurrada de investimentos, mas, até agora, só Cruzeiro e Botafogo estão sob nova direção, enquanto o Vasco deve contar com a entrada do fundo 777 Partners em breve após o clube ter aprovado a venda neste domingo (7). Para especialistas do mercado, porém, essa relativa “morosidade” do mercado é natural.

“Não acho que a SAF seja o único caminho ou a solução dos problemas, mas ela é um dos caminhos que pode levar o clube a atingir seus objetivos”

Gabriel Lima, CEO da SAF do Cruzeiro

“A lei tornou viável a migração de associação para SAF e tornou mais favorável para times se tornarem mais competitivos esportivamente. O Figueirense e o Coritiba fizeram SAF. O Cruzeiro fez SAF e vendeu. O São Paulo não sei se vai fazer, mas nos contratou para organizar, estudar e entender o que está acontecendo. Mesmo quem não vai virar SAF quer estudá-la. Isso mostra que, apesar do curto espaço de tempo, a lei teve efeitos reais. Acredito que seja um instrumento importante para a melhoria do futebol brasileiro. Não existe remédio que é bom para todos, mas dá possibilidade de melhoria expressiva para muitos clubes”, afirmou Fred Luz, diretor da Alvarez & Marsal, consultoria especializada em gestão e reestruturação de empresas.

A visão também é compartilhada por quem está à frente do primeiro clube a aderir à SAF e encontrar um investidor.

“Existem clubes associativos que têm feito grandes trabalhos, que fizeram uma reeducação financeira, que colocaram uma governança de pé, que cumpre seu papel, tem responsabilidade. Não acho que a SAF seja o único caminho ou a solução dos problemas, mas ela é um dos caminhos que pode levar o clube a atingir seus objetivos”, disse Gabriel Lima, CEO da SAF do Cruzeiro, que foi alçado por Ronaldo ao cargo após ter comandado o Valladolid, na Espanha.

A compra do Cruzeiro, aliás, foi emblemática. Anunciada tão logo a SAF foi aprovada pelo conselho cruzeirense, ela se tornou alvo de crítica dos torcedores quando Ronaldo demitiu o goleiro Fábio, ídolo do time, que não aceitou a proposta financeira feita pelo clube. Agora, com a equipe bem em campo, virtualmente classificado de volta à Série A do Brasileirão, o torcedor passa a “aceitar” mais a SAF e a proposta de racionalidade financeira imposta pelo dono.

“No final das contas, a SAF é um início de um marco regulatório, mas ela não resolve o problema do futebol brasileiro. O que ficou mais claro é que a SAF é meio, não é fim. Quem tinha razão eram os torcedores de balanço. A solução efetivamente é o equilíbrio financeiro. A SAF é um meio que ajuda esse equilíbrio a ser atingido. É um novo pensamento que parece permear todas as relações com os stakeholders desse mercado. Não são só os dirigentes que estão percebendo a necessidade de mudança e se adaptando a elas. Patrocinadores, entidades e torcedores começam a enxergar as finanças dos clubes”, destacou Claudio Pracownick, CEO da agência Win The Game, montada em sociedade com o banco de investimentos BTG e que tem atuado na busca por investidores para alguns clubes.

Tanto o executivo quanto Fred Luz acreditam que os modelos de negócios das SAFs vão variar bastante no Brasil.

“Pode ser por um melhor desempenho esportivo, para melhorar a organização, a capacidade de geração de receitas. Muitas vezes, na hora de escolher o investidor, pode ser financeiro, meramente que coloque dinheiro no negócio. Mas pode ser um investidor estratégico. Acredito que o modelo não está estabilizado, ainda vão ter muitos desdobramentos com a Lei da SAF. Mas, de forma geral, há melhoria de gestão do futebol brasileiro”, afirmou Fred Luz.

Já Pracownick acredita que haverá uma nova fase de investidores nos próximos meses. Ao invés daqueles que estão buscando a oportunidade de comprar um grande ativo muito endividado, a hora é de chegada de investidores que não se preocupam com a performance em campo, mas com o lucrativo mercado de formação e venda de jogadores.

“Vem uma leva, que eu imaginava que viria primeiro, que é a de investidores que virão para comprar clubes menores para explorar a formação de talentos. São transações de valores menores, com menos problemas políticos, menos problemas de passivo. Essa é a onda que eu vejo chegando”, declarou.

Com o horizonte se movimentando, os clubes começam a planejar o futuro, algo que antes era impensável. Na visão de Fred Luz, muitos estudam o que pode ser feito, mas não possuem no momento interesse em fazer a SAF acontecer.

“Entre os clubes tradicionais, todos estudam a SAF. Se vão fazer ou não, é uma interrogação. Mas São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Flamengo, Grêmio e Internacional estudam a SAF. O São Paulo nos contratou para conhecer melhor a SAF. Tirando esses clubes, que não parecem que irão seguir esse caminho, diria que todos os outros já estão criando SAF ou estudam criá-la. Só não estou vendo movimento, no curto prazo, desses clubes para criação de SAF”, revelou.

Pracownick acredita que o fato de ainda não haver uma maior adesão de grandes clubes à SAF está na própria movimentação do mercado. À espera da criação da liga do Brasileirão, os clubes esperam uma valorização para posteriormente negociar seus ativos a valores melhores.

“Com o advento da liga, espero uma leva com outros tipos de investidores, que levaria para a quarta leva, que seria a de abertura de capital. Essa onda vai chegar, mas não começou a se formar. Está ali no horizonte de tempo”, disse.

No primeiro ano, segundo levantamento da Win The Game, as SAFs brasileiras já movimentaram R$ 1,5 bilhão. Sinal de que novos tempos estão a caminho.

“Todo o ecossistema foi afetado, e de certa forma a lei foi uma largada importante, trouxe essa atenção para o tema. Foi um ano divertido, em que a pauta econômica dos clubes mobilizou os jornalistas esportivos”, finalizou Pracownick.

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