Especialistas: Caso Paquetá mostra despreparo de jogadores sobre integridade

Lucas Paquetá participa de jogo do West Ham contra o Crystal Palace, válido pela Premier League - Reprodução / Instagram (@lucaspaqueta)

O jogador de futebol, em geral, não tem preparação para lidar com questões relativas à integridade do jogo. Isso faz com que atletas como Lucas Paquetá, que atua pelo West Ham na Premier League e defendeu a seleção brasileira na Copa do Mundo do Catar 2022, corra o risco de receber uma punição severa, após a acusação de que teria participado de um esquema de manipulação de jogos.

O meia teria recebido intencionalmente o cartão amarelo em quatro jogos da Premier League em 2022 e 2023, contra Leicester, Aston Villa, Leeds e Bournemouth. Os cartões teriam beneficiado apostadores no Rio de Janeiro.

“O atleta em geral acha que manipulação é fazer um gol contra, que interfere no resultado do jogo. Um cartão amarelo não irá influenciar no placar da partida. Mas isso influi em manipulação de situações de jogo”, analisou Tiago Horta Barbosa, head de integridade da Genius Sports na América Latina.

“Alguém está ganhando dinheiro em função de ter acesso a essa informação de maneira privilegiada”, apontou Barbosa.

O executivo lembrou que os jogadores punidos pela Operação Penalidade Máxima, investigação do Ministério Público de Goiás (MPGO) no ano passado, em sua maioria, envolveram-se em situações que não interferiram no placar da partida, mas geraram ganhos após uma prévia combinação com aliciadores de apostas.

“O caso do Paquetá está sendo investigado, e não sabemos se ele será punido. Mas ele corre o risco de receber uma punição pesada”, afirmou o executivo da Genius, que presta serviço de monitoramento de dados a sites de apostas.

Falta formação

Para Ary Rocco Júnior, professor de gestão esportiva na Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE-USP), o problema é muito mais amplo do que envolver apenas apostas esportivas.

“O Paquetá, na minha opinião, pensou: ‘Isso aqui não vai prejudicar a minha agremiação e ainda vou ajudar meus parças’. Falta compreensão de tudo aquilo que envolve o futebol hoje em dia. As apostas se tornaram um grande negócio, geram uma enorme movimentação financeira”, destacou.

“E a Premier League tem que preservar a integridade do jogo, que faz bem ao produto”, completou.

Para o especialista, os atletas, que em sua maioria possuem origem humilde e não tiveram tempo para estudar, recebem pouca orientação de seus clubes, família e staff.

“Aqui no Brasil falta preparação completa na inclusão do jogador dentro da agremiação. Em qualquer empresa, o primeiro dia de trabalho é o momento de integração, em que o novo funcionário assiste a um vídeo sobre a história da empresa, conhece seus valores e sua cultura”, exemplificou.

“No futebol, muito atleta chega em um clube e não conhece nem a história dele. Nem é dada nenhuma orientação ao jogador sobre a dimensão da indústria em que ele atua”, acrescentou.

Família e staff

A família, por limitações de conhecimento, muitas vezes não é capaz de dar esse preparo ao jogador.

Já o staff, muitas vezes, tem como prioridade buscar formas de aumentar a rentabilidade financeira do atleta, como atrair patrocínios, fechar contratos comerciais e realizar transferências. Não se gasta tempo para preparar o atleta com questões fundamentais do esporte, como a integridade do jogo.

“Não conheço o caso específico da Inglaterra. Mas, de maneira geral, os atletas não têm orientação específica sobre isso”, salientou Tiago Horta Barbosa.

O executivo conversou com a Máquina do Esporte pouco tempo depois de dar uma palestra sobre integridade no esporte para jogadores da base e do profissional (masculino e feminino) do Athletico-PR. Mas iniciativas como essa ainda são raras entre os clubes brasileiros.

“A regulamentação do setor, aprovada pelo Governo Federal [no final de 2023], estabelece que atletas e parentes próximos, como pais, filhos e esposas, não podem apostar. Mas muitos atletas não têm essa informação”, contou Barbosa.

Para o executivo da Genius, outro problema aconteceu na Operação Penalidade Máxima, quando alguns atletas não aceitaram participar do esquema de armação de situações de jogo, mas indicaram um colega que poderia aceitar o suborno.

“Isso é considerado aliciamento. Cinco atletas foram banidos do futebol por conta disso. É até mais grave do que participar da manipulação. O correto é denunciar”, finalizou Barbosa.

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