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CBF apresenta regras do Fair Play Financeiro válido para Séries A, B e C

Sistema de Sustentabilidade Financeira prevê monitoramento de dívidas, equilíbrio operacional, limite de gastos com elenco e controle de débitos de curto prazo

Apresentação do Fair Play Financeiro aos clubes no auditório da CBF - Junior Souza / CBF

Apresentação do Fair Play Financeiro aos clubes foi realizada no auditório da CBF - Junior Souza / CBF

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) apresentou oficialmente, nesta quarta-feira (26), o Regulamento de Sustentabilidade Financeira do Futebol Brasileiro, resultado de um Grupo de Trabalho (GT), que reuniu clubes, federações e especialistas. O GT trabalhou durante quatro meses, realizando oito reuniões, com a participação de 34 dos 40 clubes das Séries A e B.

“É a primeira vez que a CBF trabalha com um Grupo de Trabalho. Isso era uma queixa das federações e dos clubes, que não eram ouvidos. Foi um grupo bastante amplo, com vários encontros presenciais e on-line. Foi um marco”, exaltou Ricardo Gluck Paul, vice-presidente da CBF e presidente da Federação Paraense de Futebol (FPF), que também presidiu o GT do Fair Play Financeiro.

Segundo a CBF, 85% dos integrantes do GT tiveram participação ativa no documento, com 45% das respostas trazendo sugestões para a feitura das regras. Todos os times da Série A integraram o grupo. Na Bezona, apenas Amazonas, Atlético-GO, Criciúma, Cuiabá, Operário-PR e Volta Redonda não participaram.

O modelo, inspirado em práticas internacionais, estabelece quatro pilares centrais: controle de dívidas em atraso, equilíbrio operacional, limite de custos com elenco e controle de endividamento de curto prazo.

Dívidas em atraso

Segundo o regulamento, os clubes deverão comprovar três vezes ao ano (31 de março, 31 de julho e 30 de novembro) que não possuem pagamentos pendentes com outros clubes, atletas ou autoridades públicas.

Todo contrato e transação será registrado em um sistema próprio da CBF, e o cadastro será pré-condição para publicação no Boletim Informativo Diário (BID), que regulariza contratos de jogadores e técnicos com os clubes. Atletas e equipes poderão acionar o órgão regulador em caso de descumprimento.

“Qualquer contrato realizado a partir de 1º de janeiro já está sujeito a esse sistema. Então, se o clube contratou um jogador em 10 de janeiro, não pagou a parcela que vence em março, em tese já está sujeito a todas as sanções do regulamento”, explicou Caio Rezende, diretor da CBF Academy, que atuou na elaboração do projeto.

Ou seja, se um clube contratar um jogador e não pagar a parcela prevista, o sistema permitirá denúncia imediata e exigirá comprovação do pagamento. Caso não haja justificativa válida, como um motivo de força maior, por exemplo, o clube poderá ser sancionado.

Durante a apresentação do projeto à imprensa, realizada na terça-feira (25), entre as justificativas que podem ser levadas em conta estaria uma tragédia ambiental, como as enchentes no Rio Grande do Sul, que prejudicaram as finanças de Grêmio, Internacional e Juventude no ano passado.

Caio Rezende, diretor da CBF Academy, durante apresentação do Fair Play Financeiro aos clubes - Junior Souza / CBF
Caio Rezende, diretor da CBF Academy, durante apresentação do Fair Play Financeiro aos clubes – Junior Souza / CBF

Equilíbrio operacional

Os clubes precisarão apresentar resultado anual positivo. Ou seja, as receitas descontadas as despesas têm que ter valor superior a zero. Caso haja déficit, será permitido o uso de aportes de capital, como o investimento do dono da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube, por exemplo, para cobrir o resultado.

“Olhamos a experiência internacional e incorporamos de forma crítica, adequando à realidade brasileira”, destacou Rezende.

“Uma diretriz que foi bem importante na elaboração do regulamento foi que o Fair Play não poderia ser um obstáculo à atração de novos investimentos no futebol brasileiro”, acrescentou.

A regra a ser seguida é que na Série A haverá a possibilidade de um déficit máximo de R$ 30 milhões ou o equivalente a 2,5% das receitas do clube em uma avaliação que considera os últimos três anos.

Já na Série B o prejuízo permitido será de R$ 10 milhões ou 2,5% das receitas do time, também considerando as últimas três temporadas. Haverá um período de transição até a implementação total dessa regra.

“O ano que vem é de transição. A partir de 2027, vamos contar 2026 e 2027. Em 2028, vão valer os três anos”, contou o diretor da CBF Academy.

Assim, o período de transição prevê apenas advertências em 2026 e 2027, com vigência plena a partir de 2028.

Nessa conta não entram custos com categorias de base, infraestrutura, futebol feminino, projetos sociais e esporte olímpico e paralímpico, que costumam ser mais deficitários.

Custos e dívidas

Os gastos com salários, encargos, direitos de imagem e amortizações não poderão ultrapassar 70% das receitas relevantes, transferências e aportes. O período de transição compreenderá 2026 e 2027. Em 2028, o limite será de 80% para clubes das Séries A e B. Já em 2029, 70% para Série A e 80% para Série B.

Exemplo prático: se um clube da Série A tiver receita de R$ 400 milhões e gastar R$ 350 milhões com elenco, o percentual será de 87,5%, ou seja, acima do limite. Nesse caso, o clube seria reprovado e sujeito a sanções.

A regra estabelece que a dívida líquida de curto prazo não poderá ultrapassar 45% das receitas relevantes do clube. Assim como outros itens do Fair Play Financeiro, haverá uma transição até a adoção plena do regulamento. O limite será reduzido gradualmente: 60% em 2028, 50% em 2029 e 45% em 2030.

Ricardo Gluck Paul, vice-presidente da CBF, presidiu o Grupo de Trabalho do Fair Play Financeiro - Bruno Fernandez / FPF
Ricardo Gluck Paul, vice-presidente da CBF, presidiu o Grupo de Trabalho do Fair Play Financeiro – Bruno Fernandez / FPF

Balanço e orçamento

Os clubes terão até 30 de abril para publicar suas demonstrações financeiras auditadas. Já a apresentação do orçamento para o ano seguinte deverá ser feita até 15 de dezembro.

“As projeções de receitas e despesas devem ser estimadas com base em premissas realistas e prudentes, fundamentadas no desempenho histórico, nas condições contratuais vigentes e em expectativas de mercado razoáveis e documentadas”, ressaltou um documento divulgado pela CBF sobre as regras.

O regulamento prevê ainda medidas específicas para clubes em insolvência, como limitação da folha salarial no mesmo patamar da média dos seis meses anteriores. Esses times terão que atingir equilíbrio na janela de transferências. Ou seja, os gastos com contratações não poderão ser superiores à arrecadação com vendas.

Clubes com esses problemas financeiros precisarão negociar um acordo de reestruturação para garantir o cumprimento do regulamento.

Para a Série C, as regras são um pouco menos rigorosas, mas os times terão que apresentar balanço auditado e cumprir o monitoramento de dívidas vencidas.

“Existe um conjunto menor de regras para a Série C. A Série D não [é abarcada no regulamento]. Nada impede que, no futuro, a gente possa abranger também a Série D. Mas, nesse primeiro momento, com o crescimento da Série D para 96 clubes, ficaria difícil ter um monitoramento desses times”, explicou Cesar Grafietti, sócio da consultoria MCO/CON, que participou da elaboração do documento.

SAFs

O novo regulamento abriu a possibilidade de que um aporte de dinheiro equilibre a situação financeira de um clube em uma temporada ruim, em que haja queda na arrecadação de receitas recorrentes, como premiação por conquista de títulos, ou não recorrentes, caso da venda de atletas.

Por outro lado, o regulamento passa a proibir a multipropriedade de clubes na mesma competição organizada pela CBF. Caso uma empresa multiclube seja detentora de mais de um time que dispute a mesma divisão, haverá a necessidade de que uma das equipes deixe o torneio.

Tal situação ainda não aconteceu no futebol brasileiro, mas tem sido comum no exterior, especialmente em torneios da Uefa. Recentemente, o Crystal Palace ficou fora da Europa League porque o Lyon também havia se classificado para a competição. Ambos os clubes tinham John Textor, dono da SAF do Botafogo, como proprietário, embora no time inglês o norte-americano fosse sócio minoritário.

Empresário John Textor, dono de 90% da SAF do Botafogo - Reprodução / Instagram (@botafogo)
Empresário John Textor é dono de 90% da SAF do Botafogo – Reprodução / Instagram (@botafogo)

Sanções

Quem não cumprir o regulamento de sustentabilidade financeira estará sujeito a sofrer punições. A ideia é que, além da fase de transição, as penas também sejam gradativas, começando por advertência pública, passando por multa, retenção de receitas, transfer ban, perda de pontos e até rebaixamento e cassação da licença para operar.

“Haverá progressividade. Nenhum clube vai começar sendo punido com dedução de pontos. A dedução de pontos é um tipo de punição aplicada com bastante parcimônia em todo sistema de Fair Play Financeiro do mundo”, salientou Rezende.

Nesse processo, poderá ser formalizado um Acordo de Ajustamento de Conduta (AAC) com o clube infrator, como alternativa ou medida preliminar a uma punição.

“É um instrumento que é bem comum em outros sistemas, como na Uefa. Obviamente esse acordo traz algum tipo de punição, mas a ideia é que seja mais leve, para permitir que o clube tenha um plano de ação para voltar a cumprir os critérios do regulamento”, contou o diretor da CBF Academy.

Dirigentes e administradores também poderão ser responsabilizados, com suspensão, proibição de exercer cargos e até banimento do futebol.

Órgão independente

O Fair Play Financeiro estabelece a criação da Agência Nacional de Regulação e Sustentabilidade do Futebol (Anresf). A agência terá a função de monitorar indicadores, aplicar sanções e negociar acordos de ajustamento de conduta com os clubes.

O novo órgão terá autonomia decisória e será composto por sete diretores nomeados pela CBF. A ideia é que esses nomes sejam independentes e não participem da gestão ou prestem serviço aos clubes.

Os integrantes da Anresf foram nomeados nesta quarta-feira (26): Caio Rezende (diretor da CBF Academy), Cesar Grafietti (sócio da consultoria MCO/CON), Marcelo Mendes (advogado especializado em recuperação judicial), Pedro Henrique Martins de Araújo Filho (sócio-fundador e CEO do Grupo Planning), Vantuil Gonçalves Junior (membro da Câmara Nacional de Resoluções de Disputas (CNRD) da CBF), Igor Mauler Santiago (sócio-fundador da Mauler Advogados) e José Fausto Moreira Filho (diretor financeiro do Grupo Onze).