Ciência de dados ajuda a desvendar valores de mercado dos jogadores de futebol

Gráfico mostra a evolução dos valores de mercado de alguns astros do futebol mundial ao longo de dez anos - Divulgação / Aposta Legal Brasil

Em pleno ano de 2023, ainda há quem acredite que os valores de mercado dos futebolistas são definidos pelo acaso ou por pura sorte. O que essas pessoas não sabem, todavia, é que existe mais ciência nesses números do que supõe a vã filosofia do torcedor comum.

É fato que o mundo do futebol costuma ser repleto de histórias de jogadores que, em determinado ponto da carreira, acabaram sendo desprezados por seus clubes, para depois despontarem como craques em outros times, passando a ser negociados por cifras astronômicas.

O inverso também é comum. Torcedores de quase todos os times já depararam, vez ou outra, com algum talento muito jovem, que parecia estar fadado a fazer história nos gramados. Porém, com o passar dos anos, o atleta não rendeu o esperado e foi perdendo valor de mercado, até cair no esquecimento ou ser lembrado como uma eterna promessa que não vingou.

Mesmo os mais badalados e organizados times europeus já passaram por isso. O Real Madrid viveu uma saga dessas com Morata, que hoje tem 31 anos de idade e atua pelo rival Atlético de Madrid. Revelado pelo clube merengue, ele chegou ao time principal em 2013, passando a esquentar o banco de reservas de maneira recorrente. No ano seguinte, acabou negociado com a Juventus por € 20 milhões.

Passadas duas temporadas, o atleta “desprezado” retornaria ao mesmo Real, que topou pagar a bagatela de € 30 milhões para ter sua “cria” de volta. Em 2019, Morata chegaria ao Chelsea pela quantia de € 66 milhões. Esses movimentos de mercado, contudo, nada têm de imponderáveis.

Um estudo recente publicado pelo site Aposta Legal Brasil buscou desvendar o que há de objetivo nos preços dos atletas do esporte mais popular do planeta. Partindo da noção de que, na prática, um jogador de futebol representa o mesmo que o ativo de uma empresa, o artigo analisou fatores que determinam o valor de mercado desses profissionais.

Pico de valorização

Conduzido pelo cientista de dados Matheus Hanssen, pós-graduado em análise de dados e com MBA em inteligência artificial e big data, o estudo avaliou 440 mil valores de mercado de 30 mil jogadores, ao longo dos últimos dez anos.

Como já era de se esperar em um esporte de alto rendimento, a idade mostrou-se um fator determinante, mesmo com diversos casos de atletas que ainda brilham nos gramados, apesar de estarem próximos da casa dos 40 anos de idade.

Isso não significa, porém, que um jogador muito jovem, abaixo dos 20 anos, estará em seu pico de valorização. O estudo de Hanssen indica que as negociações mais rentáveis ocorrem quando os atletas estão na faixa entre 26 e 30 anos.

O brasileiro Neymar, citado no artigo, atingiu seu ápice aos 26 anos de idade, depois de chegar ao PSG. Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, os dois principais ídolos do futebol mundial nas últimas décadas, chegaram ao preço máximo quando estavam próximos dos 30 anos.

De um modo geral, o estudo indica uma tendência de alta, na medida em que o atleta se aproxima dos 26 anos de idade. A partir dos 30, os valores de mercado costumam cair.

Liga do atleta influencia

O estudo realizado pelo especialista levou em conta ligas profissionais da Europa. Quanto mais relevante um campeonato, maior costuma ser o valor de mercado de seus jogadores.

Não por acaso, a Premier League, da Inglaterra, mais rica e festejada competição nacional de futebol do planeta, apresentou o maior valor médio na análise, que ultrapassa € 7 milhões. A LaLiga, da Espanha, vem em segundo lugar, com cifras superiores a € 4 milhões. O Top 5 ainda conta com a Ligue 1 francesa, a Serie A italiana e a Bundesliga alemã, todas na casa dos € 3 milhões por atleta.

Os números indicam desafios para os clubes brasileiros, que têm na venda de jogadores uma importante fonte de receitas. A principal questão é fortalecer as competições locais, de modo que elas sirvam de vitrines para os atletas, ajudando a tornar mais rentáveis as transferências.

“O que torna uma liga mais valorizada é a qualidade de seus jogadores. Na medida em que os times brasileiros seguram ou contratam grandes jogadores, a liga fica mais qualificada. Uma liga de alto nível eleva o valor de mercado de forma geral, porque jogar bem se torna mais difícil. Inclusive, quando um jogador sai de uma liga para outra mais valorizada, seu valor de mercado é atualizado por essa ‘simples’ mudança”, avaliou Hanssen.

Ele reconhece, porém, que algumas barreiras precisam ser superadas para que a mudança de cenário ocorra no país.

“Infelizmente, essa valorização no Brasil não é tão simples, porque a grande maioria dos clubes possui dívidas quase que impagáveis, não tem boa gestão, e toda fonte de renda torna-se necessária. Soma-se a isso o sonho de qualquer jogador de ir para a Europa. Acaba tornando-se um ciclo, em que os clubes vendem rápido para fazer caixa, o que impede a valorização da liga no longo prazo e o próprio clube de vender seus jogadores por valores maiores. Alguns times até têm conseguido segurar seus principais jogadores, como Flamengo e Palmeiras, mas duas ou três equipes não conseguem fazer uma mudança tão grande em uma liga inteira”

Matheus Hanssen, cientista de dados

Desempenho dos atletas

A análise dos dados sobre o desempenho dos jogadores em determinados fundamentos mostra que o mercado tende a valorizar sobretudo o gol, principal objetivo do esporte.

De acordo com o levantamento de Hanssen, quanto menos tempo o jogador demora, em média, para marcar um gol ou dar uma assistência decisiva, maior será seu valor de mercado.

Atletas que levam de 64 a 127 minutos para participar de uma jogada que resulta em gol (assistência ou finalização) têm valor de mercado médio de quase € 23 milhões. Se esse prazo subir para entre 127 e 154 minutos, o preço cai e fica abaixo de € 15 milhões.

“A quantidade de diferentes estatísticas que temos disponíveis hoje é absurda. São rastreados não só gols e assistências, mas também desarmes, roubadas de bola, dribles realizados e tomados, cartões, finalizações, passes certos, passes errados. Cada estatística ainda pode ser mais explorada, como gols esperados ou gols a cada 90 minutos”, explicou Hanssen.

Segundo o especialista, as estatísticas podem fornecer ferramentas importantes, ajudando os times a definirem suas estratégias de contratação.

“Por exemplo, um clube que joga de forma mais ofensiva pode preferir um lateral que possui estatísticas mais fortes no ataque (como assistências e cruzamentos), enquanto outro pode priorizar um lateral com mais desarmes. Times com um elenco mais curto podem priorizar a contratação de jogadores com mais minutagem, que sofrem poucas lesões e têm bom físico, enquanto outras equipes, com maior quantidade de jogadores, podem assumir o risco de contratar um atleta de alto nível, sabendo que ele pode não atuar a temporada completa”, disse.

Mesmo que as características ofensivas ainda sejam mais valorizadas pelo mercado, Hanssen ressaltou que as estatísticas fornecem elementos que ajudam a chamar a atenção dos clubes e investidores para os atletas de defesa.

“Existem diversas estatísticas que são levadas em conta no cálculo do valor de mercado de um defensor, como desarmes, roubadas de bola, dribles levados e clean sheets (que é quando a defesa sai zerada do jogo). Na temporada 2018/2019, apenas um jogador [Leroy Sané] conseguiu driblar Virgil van Dijk, em 56 jogos. Foi algo tão incrível que fez do zagueiro finalista na disputa da Bola de Ouro, perdendo apenas para Lionel Messi. Acredito, e isso é uma opinião, que esse foi um marco que valorizou algumas estatísticas de defensores e o valor de mercado deles de forma geral”, destacou.

Ele reconhece, no entanto, que os valores de mercado de defensores e atacantes ainda estão longe de serem igualados pelo mercado.

“Parece ser mais seguro investir em um atacante que vai fazer muitos gols do que em um zagueiro que não vai tomar dribles. O gol é uma estatística que afeta diretamente o placar, enquanto que um defensor não levar um drible não indica, necessariamente, que o clube não vai levar gol”, argumentou.

Sair da versão mobile