Conscientizar o torcedor e os clubes sul-americanos sobre o racismo é o principal objetivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que firmou parceria com a Conmebol para realizar ações conjuntas de combate ao racismo.
Para Marcelo Carvalho, diretor do Observatório, a entidade tem como foco punir os casos de racismo. Para ele, é preciso agir em outra frente, que implica ações mais complexas: a de educar todo o ecossistema do futebol sul-americano sobre o motivo das punições.
“Até o momento, o principal olhar foi o de que precisamos punir para resolver o problema do racismo [nos estádios]”, afirmou Carvalho, em entrevista à Máquina do Esporte.
“A mudança agora é tentar conscientizar o torcedor para que entenda por que o clube dele está sendo punido. O que vemos fora do Brasil é o não entendimento dos clubes, dos torcedores e da sociedade em geral, achando que a Conmebol está agindo por pressão dos brasileiros”, acrescentou.
Crime
Para o diretor do Observatório, é preciso mostrar para clubes e torcedores de outros países sul-americanos que o Brasil está mais evoluído no combate ao racismo.
Em janeiro, por exemplo, foi sancionada a lei 14.532, que tipifica injúria racial como crime de racismo, aumentando a pena para dois a cinco anos de prisão. A diferença em relação à legislação anterior é que o racismo era um crime contra a coletividade, e a injúria racial atingia um indivíduo.
Em países como Argentina e Peru, não existe nenhuma legislação que trate o racismo como crime. Foi o que levou o argentino Leandro Desábato, do Quilmes, a estranhar ter sido preso após proferir injúria racial contra o atacante Grafite, do São Paulo, em jogo da Libertadores de 2005.
Casos mais recentes pululam. Em julho, Sebastian Avellino Vargas, preparador físico do Universitario, do Peru, foi preso após fazer gestos racistas em direção à torcida do Corinthians em um jogo da Copa Sul-Americana. No ano passado, na Libertadores, torcedores do Boca Juniors também foram detidos em uma partida contra o Corinthians após imitarem macacos e fazerem gestos nazistas na arquibancada da Neo Química Arena, em São Paulo (SP).
“Argentina, Uruguai e Paraguai foram os países onde o Observatório mais monitorou ofensas racistas contra brasileiros. Esses países têm uma população negra muito pequena. A Argentina é 6%, o Uruguai é 2%”
Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol
Diferenças
De fato, o Brasil é o país mais negro fora da África. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,1% da população brasileira é preta, algo que diferencia a população nacional de seus vizinhos sul-americanos. Mesmo nações com grande número de jogadores negros, como Colômbia e Equador, têm uma população preta bem menor que a brasileira, o que leva a entendimentos diferentes quando o assunto é racismo.
“Neste momento, nossa maior preocupação é esses países entenderem o que o Brasil está fazendo. Se o país não entende porque que o torcedor ou o dirigente dele está sendo preso por cometer racismo no Brasil, vai achar que é perseguição. E se ele entender que é perseguição, vai prender o brasileiro por qualquer motivo”
Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol
No caso da prisão de Vargas, por exemplo, o elenco do Universitario chegou até a posar com uma faixa de apoio ao preparador físico que havia sido detido por racismo no Brasil.
Segundo o diretor do Observatório, cada país tem problemas e contradições diferentes. Por isso, além do racismo, há outros problemas a serem atacados nas iniciativas conjuntas com a Conmebol.
“Países como Chile e Colômbia têm um problema muito maior de xenofobia do que de racismo. Então é todo um cuidado que precisamos ter para trabalhar a questão da discriminação, também olhando para a xenofobia”, contou o diretor do Observatório.
Planos
Para Carvalho, a estratégia para atacar o problema passa pela conscientização dos próprios funcionários da Conmebol e por ações educativas nos clubes, além dos torcedores.
“A Conmebol tem hoje cerca de 200 funcionários que precisam entender o que estamos falando. Então, é fundamental a nossa entrada dentro da instituição para que eles saibam o que é necessário comunicar”, afirmou o diretor do Observatório.
Entre as iniciativas previstas estão palestras sobre o problema do racismo com funcionários, diretoria e Comitê Disciplinar da Conmebol. Em seguida, a ideia é falar com os clubes.
“A Conmebol vai ser a ponte do Observatório para conversar com os clubes da América Latina sobre a questão racial”
Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol