Os clubes brasileiros não demonstraram recuperação financeira plena em 2021, mas viram os efeitos devastadores da pandemia terem impacto menor na arrecadação. Essa é, em linhas gerais, a avaliação dos especialistas ouvidos pela Máquina do Esporte sobre os balanços financeiros da última temporada divulgados pelos principais times do país.
“Com a abertura dos jogos para o público no último trimestre de 2021, houve um incremento nas finanças. Mas os clubes ainda ficaram nove meses sem arrecadação com matchday”, ponderou o contador Carlos Aragaki, sócio-líder da área de Esporte Total da consultoria BDO.
Por outro lado, houve um inusitado fator positivo na receita dos clubes no ano passado, curiosamente favorecido pela pandemia, que tantos estragos fez no calendário do futebol no auge da crise sanitária.
“Houve um efeito estranho no balanço por causa de receitas de 2020, como premiação e direitos de TV, terem sido lançadas só no ano seguinte por causa do adiamento das competições. Esses ganhos não deixaram de acontecer, mas foram postergados”, contou o economista Cesar Grafietti, sócio da consultoria Convocados.
Houve um efeito estranho no balanço por causa de receitas de 2020, como premiação e direitos de TV, terem sido lançadas só no ano seguinte por causa do adiamento das competições.
Palmeiras, Atlético-MG e Flamengo: o trio gigante
Nesse caso, melhor para quem foi finalista de Copa do Brasil, Libertadores ou ocupou as primeiras posições do Brasileirão 2020, todos encerrados já em 2021. Ou seja, times como Palmeiras (campeão da Libertadores e da Copa do Brasil 2020) e Flamengo (vencedor do Brasileirão 2020) tiveram ganhos acentuados no balanço do ano seguinte, com a liberação atrasada de bônus e premiações no início de 2021.
Até o final do ano, o Atlético-MG se juntaria a esse grupo de primos ricos pelas premiações, com os títulos do Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e Brasileirão 2021. O Palmeiras levaria outra Libertadores em 2021, ganhando a premiação de duas edições da competição no mesmo ano. O Flamengo, mesmo sem títulos relevantes na temporada passada, terminou o ano com boas premiações pelos vice-campeonatos do Brasileirão e da Libertadores.
“O balanço do Palmeiras, especialmente, está muito turbinado por conta dessas duas premiações da Libertadores, algo que talvez nunca mais aconteça, e a participação no Mundial. As conquistas esportivas foram fundamentais para o clube ter esse desempenho financeiro. E isso também vale para o Atlético-MG”, afirmou Grafietti.
Aragaki lembrou que mesmo sem as receitas de premiação e as limitações da presença de público nos estádios, o Palmeiras arrecadou R$ 652 milhões. O valor é superior ao faturamento de R$ 487 milhões de 2020, no auge da pandemia. Mas as premiações ajudaram bastante o ano a ser ainda mais positivo financeiramente.
“As receitas com premiação foram maiores do que os direitos de TV, o que não é usual. O clube recebeu R$ 258 milhões em prêmios por desempenho esportivo e R$ 243 milhões de receitas de televisão”, apontou o contador.
Rival do Palmeiras em nível nacional, o Flamengo teve boa arrecadação, mesmo sem conquistar uma competição relevante em 2022. O time rubro-negro obteve um bom faturamento por chegar longe nos torneios que disputou, além de ter conseguido uma boa fonte de receitas nos direitos de transmissão, no marketing e ainda por ter liderado o crescimento digital entre os clubes brasileiros.
“O Flamengo trabalhou bastante a marca do clube. Com isso, o segmento patrocínio e publicidade saiu de R$ 98 milhões [em 2020] para R$ 160 milhões [no ano passado]”, comentou Aragaki.
O terceiro membro do grupo dos primos ricos do futebol brasileiro atualmente, o Atlético-MG, teve um bom ano financeiro, mas há fatores a se preocupar.
“A estratégia do Atlético-MG é fazer com que o crescimento esportivo gere novas receitas. Com o novo estádio [Arena MRV], o clube vai turbinar receitas de bilheteria e entrar em um patamar diferente de faturamento. Além disso, o clube tem um shopping center, o que é incomum para um clube de futebol, que cobriria boa parte da dívida do time hoje”, ressaltou Grafietti.
“Hoje, se o Atlético-MG tiver um bom ano, sem ganhar títulos como Brasileiro e Libertadores, mesmo com um novo estádio, é um clube para gerar receitas de R$ 350 milhões, talvez R$ 400 milhões. Hoje, está operando muito acima disso porque tem alguém que fecha a conta. O risco é o clube se acostumar com esse nível de custo que não seja mais capaz de bancar”, alertou o economista.
O Flamengo trabalhou bastante a marca do clube. Com isso, o segmento patrocínio e publicidade saiu de R$ 98 milhões [em 2020] para R$ 160 milhões [no ano passado].
Corinthians e São Paulo
Time que se reforçou nos últimos meses com o objetivo de concorrer com o trio que dominou o futebol brasileiro nos últimos três anos, o Corinthians conseguiu aumentar o faturamento em setores como direitos de transmissão e patrocínio. Mas também precisa tomar cuidados.
“A dívida do Corinthians ficou mais ou menos estável, e as receitas aumentaram, especialmente com publicidade. O clube foi buscar um uso mais eficiente da sua marca. Mas, para solucionar de vez os seus problemas, o Corinthians deveria ser mais austero nas finanças, reduzir os custos. E isso ele não fez”, apontou Grafietti.
“É um clube com mais de R$ 900 milhões em dívidas, com taxa de juros que vai para 12%. Então, só de juros estamos falando em mais de R$ 90 milhões. Vai ter dificuldade para tratar esse tema em 2022, se não vender atleta e se não conquistar títulos”, comentou o economista.
Situação igualmente caótica também vive o São Paulo, apesar de ter conquistado o Paulistão em 2021, encerrando um período de quase uma década de jejum de títulos. No entanto, financeiramente, o ano não teve conquistas significativas em nível nacional ou internacional.
“O São Paulo teve uma evolução boa em relação a receitas de publicidade, mas continua um clube muito desorganizado do ponto de vista do planejamento. Gasta e contrata muito e está sempre dependendo, dentro de campo, de atletas mais jovens. E tem perdido a capacidade de vender jogador para o mercado internacional, que era o alívio do caixa todos os anos”, destacou Grafietti.
A estratégia de fazer pelo menos uma boa venda de jogador todos os anos para o mercado europeu é a solução de muitos clubes, que costumam revelar craques para conseguir empatar receitas e despesas no final do ano. Além do São Paulo, Corinthians e Santos também utilizam esse estratagema. Mas, com as finanças dos times europeus abaladas pelos efeitos da pandemia, esse meio de obtenção rápida de recursos tem tido efeito limitado.
“O São Paulo não tem chamado a atenção do futebol europeu e está repondo suas necessidades com jogadores de mais idade ou de segunda linha. Não está trazendo grandes atletas. A estrutura de gestão é muito arcaica”, analisou o economista.
Sem vendas, o São Paulo tem buscado reorganizar suas finanças. Neste ano, contratou a consultoria Alvarez & Marsal para tentar remodelar sua gestão e governança.
O peso das SAFs
Um fator que pode vir a ser positivo para as finanças dos clubes, a aprovação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) pelo Congresso Nacional no ano passado, ainda não teve efeitos econômicos significativos em 2021.
Botafogo, Cruzeiro e Vasco, os três clubes que optaram por esse modelo de gestão, estão em estágios bem diferentes com suas SAFs. Mesmo para o alvinegro carioca, que tem um modelo mais adiantado e finalizou negócio com o investidor John Textor ainda no ano passado.
“Todo peso da SAF está ocorrendo em 2022. Não houve impacto no balanço de 2021, quando as receitas e despesas ainda ocorriam no modelo associativo”, afirmou Aragaki.
O contador lembrou que, até no caso do Botafogo, o pagamento de dívidas e contratação de jogadores, que fez o time assumir um novo patamar no atual Campeonato Brasileiro, ocorreu em 2022, quase no fim do Cariocão.
Todo peso da SAF está ocorrendo em 2022. Não houve impacto no balanço de 2021, quando as receitas e despesas do clube ainda ocorriam no modelo associativo.
O Cruzeiro, que também já havia anunciado em 2021 a venda da sua SAF para o ex-atacante Ronaldo Nazário, penou mais financeiramente para se ajustar. A nova gestão procurou mapear as dívidas do clube, mergulhado em uma grave crise financeira, e realizar os pagamentos mais imediatos de débitos com outros clubes por causa de contratações passadas.
“Muito se tem falado que o investimento que o Ronaldo vai colocar no Cruzeiro não é da mesma forma que irão receber Vasco e Botafogo de seus investidores. De qualquer forma, se olhar de lá para cá, o clube pagou o transfer ban, que era a dívida que o impedia de contratar jogadores”, analisou Aragaki.
Ronaldo prometeu um time competitivo para a disputa da Série B do Brasileirão, principal objetivo da temporada. Neste ano, a equipe chegou à final do Campeonato Mineiro, algo que não alcançava desde 2019, antes de mergulhar na atual grave crise financeira. O clube vem fazendo campanha consistente na segunda divisão, na qual ocupa a liderança isolada, com 19 pontos em oito rodadas.
“É claro que há casos emblemáticos, como o do goleiro Fábio, que não faz mais parte do plantel. Mas que vai entrar no passivo do futuro”, afirmou Aragaki, lembrando a saída tumultuada do ídolo cruzeirense, que hoje joga no Fluminense.
O Vasco é o caso mais atrasado desse grupo. O time cruz-maltino ainda realiza uma due diligence nas contas antes da formalização da venda de 70% da SAF para a 777 Partners. De qualquer forma, a investidora já liberou R$ 70 milhões ao clube como uma espécie de empréstimo-ponte até a formalização do negócio.
“O Vasco está começando a contratar. O clube usou parte do adiantamento recebido da 777 para pagar dívidas. Com isso, sobra caixa no futuro para investir no elenco. Não impacta no time imediatamente. Demora um pouco para ter resultado no futebol”, finalizou Aragaki.