Clube mais bem-sucedido da Argentina na última década, o River Plate encontrou uma brecha para driblar a proibição imposta pela Associação do Futebol Argentino (AFA) às Sociedades Anônimas Desportivas (SADs), modelo defendido pelo atual presidente do país, Javier Milei, e similar às Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) brasileiras, mas que é repudiado por quase todos os times profissionais do país.
Nesta quinta-feira (3), a equipe de Buenos Aires lançou o Club River Plate Financial Trust, que não é exatamente uma SAD, mas sim um fundo de investimento aberto. No modelo adotado, torcedores comuns terão a oportunidade de injetar recursos no time, com cotas a partir de Arg$ 12 mil (R$ 67,20, pela cotação atual).
O objetivo dessa iniciativa é levantar o equivalente a US$ 20 milhões (quase R$ 110 milhões), que seriam usados em obras de infraestrutura no Estádio Mâs Monumental, em Buenos Aires, e também em melhorias nos campos das categorias de base, no ginásio de esportes e no Instituto River.
O sistema adotado pelo River Plate no Financial Trust é similar ao das debêntures-fut, previstas na lei que instituiu as SAFs no Brasil e que permitem aos times emitirem títulos de dívidas que geram crédito a quem os adquire. Esse é o sistema que tem sido adotado, por exemplo, pelo Atlético-MG, para reduzir seu endividamento.
No caso do Club River Plate Financial Trust, o investidor deverá receber o dinheiro de volta depois de 30 meses, corrigido pela inflação do período a uma taxa de juros de 9%.
Tema polêmico
Vistas no país vizinho como uma espécie de privatização do futebol, as SADs representam um assunto polêmico na Argentina, a ponto de terem ocupado o centro do debate político na última eleição, quando grande parte dos clubes se posicionou contrariamente à proposta do então candidato Javier Milei.
Uma das declarações mais contundentes foi feita pelo Racing, que ainda convive com um forte trauma relacionado a esse tema.
“Ninguém tem de nos explicar o que significa SAD num clube de futebol. Nossos sócios e torcedores, que restauraram a democracia para o Racing, sabem bem disso”, afirmou o clube, na postagem.
De 2000 a 2008, o clube branco e celeste adotou o modelo de concessão, que poderia ser descrito como um meio-termo em relação às SADs. À época, as gestões do futebol do Racing e de seu estádio, o El Cilindro, foram entregues por um período determinado a uma empresa privada, a Blanquiceleste S.A., que acabaria engatando diversos pedidos seguidos de falência, embora tenha ajudado o clube a conquistar o Apertura de 2001, primeiro troféu depois de uma fila de mais de 30 anos.
Arquirrival do River Plate e time de maior torcida da Argentina, o Boca Juniors viu a SAD se tornar o objeto central da disputa eleitoral interna, realizada no fim do ano passado, quando o ex-jogador Juan Román Riquelme derrotou o grupo do ex-presidente Mauricio Macri com 64% dos votos válidos.
Na campanha para se tornar presidente do Boca, Riquelme assumiu uma postura ferrenha contra as SADs.
“O torcedor precisa saber que estamos diante das eleições mais fáceis da história. Esses senhores, quando voltarem, vão privatizar o clube, vão dá-lo aos três amigos que têm por aqui, e não se vota nunca mais. Isso não pode acontecer”, declarou o jogador.
Vale lembrar que, embora hoje busque alternativas para obter investimentos externos, o próprio River Plate possui regras internas que proíbem o clube de ser transformado em SAD.
Durante a campanha presidencial que terminou com a vitória de Milei, a equipe prontificou-se a realizar uma assembleia de representantes dos sócios para rechaçar a adoção das SADs no futebol argentino. Além disso, conclamou as demais agremiações a defenderem “o modelo sob o qual os clubes foram concebidos no país, em que os sócios decidem sobre o destino da instituição a que pertencem”.