Com as principais ligas de futebol da Europa caminhando para seu desfecho, muitas delas já definiram as equipes que, em tese, disputarão as competições continentais.
Em tese – porque as novas regras definidas pela União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) sobre a questão da multipropriedade de clubes poderia barrar algumas equipes nesses torneios. Um exemplo mais notório envolve Manchester City, que lidera a Premier League com 86 pontos, dois a mais que o segundo colocado Arsenal, e Girona, que está em terceiro na LaLiga, a um ponto do Barcelona, na disputa pelo vice-campeonato.
Conforme noticiou a Máquina do Esporte em março deste ano, a entidade estava decidida a proibir a presença de dois times do mesmo grupo financeiro, em uma mesma competição. O critério para definir quem ficaria com a vaga seria a classificação na liga local. A regra entrou em vigor neste mês. Quem levaria a melhor por um lugar na Champions League 2024/2025, no caso, seria o Manchester City, que hoje está mais bem colocado na tabela da Premier League, do que o Girona na LaLiga.
Mas a Uefa encontrou uma brecha para evitar essa “escolha de Sofia” envolvendo os clubes do Grupo City, que, no Brasil, controla a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Bahia.
Redução de capital
Nesta semana, a entidade máxima do futebol europeu ofereceu duas possibilidades para que Girona e Manchester City possam coexistir na Champions League 2024/2025.
De acordo com o jornal britânico The Times, uma delas seria o Grupo City (que tem sede nos Emirados Árabes Unidos e integra o Abu Dhabi United Group, pertencente à família real de Abu Dhabi) reduzir sua participação societária no Girona, até chegar a 30%, no máximo.
Na verdade, a redução poderia ocorrer em qualquer um dos clubes. Porém, o caminho seria mais curto nesse caso, já que o Grupo City é dono de 100% das ações do Manchester City e de 47,85% do capital do Girona (embora se porte, na verdade, como dono de fato da equipe).
Dessa forma, para o Girona seguir na próxima temporada da Champions League, bastaria ao Grupo City se desfazer de 17,85% das ações. Hoje, 35% do capital do clube espanhol pertence ao empresário de origem boliviana Marcelo Claure, vice-presidente da Shein e que já declarou à Máquina do Esporte seu interesse em investir em algum clube brasileiro de futebol.
A outra possibilidade oferecida pela Uefa seria o Grupo City transferir todas as suas ações de um dos clubes (como no Girona a participação formal é menor e envolve menos dinheiro, esse processo seria mais simples) para um trust, que ficaria responsável por administrar esse patrimônio de maneira independente.
O argumento da Uefa é de que tais medidas resguardariam a integridade esportiva das competições do continente, evitando ingerência esportiva de uma mesma holding sobre diferentes clubes.
Caso o Grupo City não tome tais medidas, em tese, pela classificação atual das equipes, o Girona seria “rebaixado” à Europa League, cedendo sua vaga na Champions League para o Athletic Bilbao, enquanto o Manchester City seguiria livre para disputar a principal competição continental de clubes do planeta.
A polêmica envolvendo Manchester City e Girona será analisada pelo Órgão de Controle Financeiro dos Clubes (CFCB, na sigla em inglês).
Problema antigo
A questão dos clubes multipropriedades se arrasta desde a década de 1990 na Europa, quando AEK Atenas, Slavia Praga e Vicenza, equipes que tinham investimentos da empresa britânica Enic, chegaram às quartas de final da antiga Recopa Europeia.
Desde então, a solução encontrada pelos investidores tem sido reduzir sua participação acionária para até 30% do capital de um dos times (em geral, o menor).
Em um episódio mais recente e que ganhou grande repercussão, Red Bull Leipzig, da Alemanha, e Red Bull Salzburg, da Áustria, tiveram que anunciar “mudanças radicais” em suas estruturas administrativas, com o intuito de comprovar que seriam entidades separadas, de modo a poderem disputar, ao mesmo tempo, a Champions League 2017/2018.
À época, a Uefa entendeu que as mudanças feitas pelos dois clubes da Red Bull teriam sido “substanciais e significativas” e que “nenhuma pessoa física ou jurídica tinha mais influência decisiva” em ambas as equipes.
Vale observar que, pelas regras atuais da Uefa, pode ser considerada “influência decisiva” até mesmo a situação em que três ou mais jogadores forem vendidos ou emprestados entre clubes da mesma organização, direta ou indiretamente, ao longo da temporada.