Streaming vira solução – e problema – nos Estaduais

Momento em que o Novorizontino empatou o jogo diante do Palmeiras, em transmissão da Cazé TV - Reprodução / YouTube

Se a Copa do Mundo de 2022, realizada no Catar, representou uma espécie de sonho para o streaming esportivo, a rotina vislumbrada dentro dos principais Campeonatos Estaduais de Futebol do Brasil, ao que tudo indica, equivale a um duro despertar para essas plataformas.

Dois anos atrás, empolgada com os recordes e mais recordes batidos pela Cazé TV nas transmissões ao vivo no YouTube, muita gente, no Brasil, chegou a apostar que já estava preparado o caminho para que as TVs aberta e por assinatura pudessem ser jogadas para escanteio, em detrimento de canais cuja transmissão é baseada na internet.

Pouca gente levou em conta, à época, que aqueles números, embora gigantescos, representavam frações ainda pequenas (em torno de 10%) da audiência alcançada pela Globo na TV aberta durante o Mundial. E, mais do que isso, que a operação realizada pela Cazé TV e demais streamings, durante a Copa do Catar, contou com sinal de alta tecnologia gerado pela Fifa, organizadora do evento.

Na esteira do sucesso da Cazé, o mercado viu surgir diversas novas opções de canais 100% digitais com conceito de transmissão ao vivo pela internet. No movimento mais midiático deles, o Goat surgiu arrebatando direitos de competições internacionais e se posicionando como um concorrente ao canal do influenciador Casimiro Miguel.

Paulistão e Cariocão incorporam o streaming

Em 2024, Cazé TV e Goat apareceram como grandes novidades nas transmissões, respectivamente, do Paulistão e do Cariocão.

No primeiro caso, a negociação foi realizada pela LiveMode, agência parceira da Federação Paulista de Futebol (FPF), que foi a responsável tanto por comercializar os direitos de transmissão do campeonato quanto por adquiri-los para o canal de Casimiro Miguel, além de viabilizar a transmissão propriamente dita.

Já no segundo caso, o Goat utiliza o sinal gerado pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj). No último fim de semana, os dois Estaduais foram marcados por problemas técnicos na transmissão ao vivo, via streaming.

O Goat optou por se posicionar oficialmente nas redes sociais a respeito dos problemas, admitindo que foram diversos, mas alegando que teriam sido alheios ao controle do canal. A Máquina do Esporte apurou que as falhas registradas no Goat teriam ocorrido entre estádio e estúdio, e estariam relacionadas à intermediadora do sinal.

“Quem nos acompanha, nesses seis meses de existência, sabe que primamos por exibições limpas, com uma linguagem compatível a todas as idades e com uma proposta clara: futebol grátis, sem asteriscos. Entendemos a frustração do torcedor, afinal estamos com o mesmo sentimento. A única solução é trabalhar para solucionar todas as dificuldades enfrentadas”, afirmou o Goat, em postagem no Instagram.

FPF classifica falhas como graves

A FPF emitiu uma nota classificando como lamentáveis os problemas técnicos ocorridos nas transmissões de Novorizontino x Palmeiras e São Bernardo x Ituano, jogos exibidos no último domingo (21).

O primeiro jogo, por envolver um clube grande e que é o atual campeão brasileiro, acabou por viralizar nas redes, sobretudo pelo fato de que o problema se agravou justamente no momento em que o Novorizontino igualou o placar. Em vez da rede balançando, muitos usuários tiveram de se contentar apenas com borrões coloridos nas telas.

“Vamos identificar as graves falhas e garantir junto aos parceiros responsáveis pelos serviços de produção que estes erros jamais se repitam”, afirmou a nota da FPF.

Na terça-feira (23), pouco antes do início do confronto entre Mirassol e São Paulo, usuários capturaram telas da transmissão da Cazé TV em que as imagens estavam todas na cor verde.

Captura de tela da transmissão da Cazé TV de Mirassol x São Paulo, na última terça-feira (23), antes da bola rolar – Reprodução / YouTube

Depois que a bola rolou, o chat da transmissão recebeu diversas reclamações, dando conta de que a imagem e o áudio travavam a todo momento. Vale lembrar que, ainda no primeiro tempo de jogo, cerca de 1 milhão de usuários assistiram simultaneamente a Mirassol x São Paulo pela Cazé TV.

A Máquina do Esporte questionou a FPF a respeito da origem do problema e de outras questões técnicas relativas às transmissões em que houve problema. A entidade optou por não comentar essas perguntas, limitando-se a repetir a nota que havia divulgado. Os mesmos questionamentos foram encaminhados à LiveMode, que também não concedeu qualquer resposta.

Desafio da conexão

Problemas técnicos podem parecer questões corriqueiras, mas dizem respeito à experiência que o consumidor (o grande destinatário da cadeia de produção de conteúdo) usufruirá (ou amargará) em uma transmissão esportiva.

No caso específico do streaming, que é um modelo ainda novo de transmissão, esse incômodo “cartão de visitas” pode ocasionar uma má impressão em audiências que estão conhecendo apenas agora a plataforma, numa situação que tende a criar empecilhos para a consolidação e o crescimento desse formato em um curto prazo no país.

Mesmo com a introdução da internet 5G no Brasil, que hoje está presente em pouco mais de 180 municípios do país, segundo dados mais recentes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a velocidade de conexão representa um desafio real para o streaming esportivo no território nacional (tanto para a geração da transmissão ao vivo quanto para o consumidor que recebe essas imagens).

Exemplo dos Estados Unidos

Não se pode ignorar que, mesmo em mercados como o dos Estados Unidos, o streaming é visto ao mesmo tempo como algo promissor e ainda desafiador para a indústria do esporte.

Em uma coluna publicada em setembro do ano passado, o fundador e CEO da Máquina do Esporte, Erich Beting, lembrou que nenhuma das grandes ligas esportivas norte-americanas adotou o streaming como um caminho sem volta para suas transmissões. No texto, o jornalista citou o caso da NFL, que adotou um modelo híbrido para a exibição de seus jogos ao vivo.

“O melhor exemplo é a NFL, que dobrou o faturamento em mídia ao dobrar a entrega aos seus parceiros. Eles, agora, transmitem jogos ao vivo tanto no formato de TV quanto no de streaming. Isso acalmou todos os lados do negócio e permitiu duas coisas importantes para a NFL: a manutenção da audiência nas alturas, atraindo os fãs e mantendo-os fiéis a ela, e o incremento de receita com os direitos de mídia”, afirmou Beting.

No texto, ele também abordou o drama enfrentado por quem apostou em um modelo único. No US Open de tênis, a ESPN teve que liberar o acesso de seu serviço ESPN+ para os tenistas que estavam no torneio. Isso porque, por uma briga com as operadoras de TV a cabo, o sinal da ESPN foi cortado de boa parte dos lares em Nova York. A solução foi entregar o acesso ao serviço de streaming. Não por acaso, na segunda-feira após o título de Novak Djokovic, a Disney levantou a bandeira branca da paz com as operadoras, prometendo manter a entrega de conteúdo ao vivo e reduzindo a quantidade de eventos exclusivos do streaming.

A própria Amazon, uma das maiores provedoras de internet do mundo, tratou de tomar muito cuidado quando assumiu uma transmissão esportiva exclusiva. Em 2022, a empresa simplesmente ignorou as transmissões da NBA para qualquer outro mercado quando teve de transmitir ao vivo e com exclusividade o jogo de quinta-feira à noite da NFL (Thursday Night Football) para os Estados Unidos. Com receio de ter qualquer falha técnica, o Amazon Prime Video deixou apenas o futebol americano como consumidor de tráfego ao vivo dentro da plataforma.

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