A selvageria dos torcedores do Cruzeiro ao ver a materialização do rebaixamento do time, crônica que já vinha sido anunciada há pelo menos 15 rodadas, foi uma espécie de materialização de outro óbvio: o futebol brasileiro não sabe como fazer para lidar com o seu ativo mais valioso.
Ao longo das últimas décadas, nossos dirigentes se perderam na receita fabulosa da televisão, da venda de jogadores e dos patrocínios por conveniência e se esqueceram de cuidar de quem sempre será a fonte inesgotável de paixão e, logicamente, de renda.
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Os novos estádios vieram, assim como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, e nem assim aprendemos que quem mais dá ao futebol é o torcedor. É por conta da paixão dele que as coisas giram. Se a receita com TV é alta, é porque há torcida interessada em consumir futebol. Se temos produção de jogadores a todo instante, é porque esses atletas, quando meninos, sonhavam em jogar como seus astros na TV. Se o patrocinador ainda se interessa por futebol por mais bizarro que isso possa parecer, é porque ele dá retorno. E, se ele dá retorno, é porque tem gente que torce.
O desleixo com que tratamos nosso produto se reflete na aberração que é fechar o estádio para apenas uma torcida. Em nome de uma falsa sensação de segurança, abrimos mão de cuidar das pessoas.
Neste domingo (8), a polícia de Manchester identificou e prendeu um torcedor do City que fez gestos imitando um macaco para o jogador brasileiro Fred, do rival United. O próprio City foi o responsável por identificar o torcedor racista e denunciá-lo à polícia. Antes, já havia definido que o autor dos gestos seria banido para toda a vida do convívio com o clube.
Há 30 anos, a Inglaterra enfrentava mais um massacre de torcedores dentro de um estádio, vítimas da inoperância de seus dirigentes que não olhavam para nada além da bola dentro do universo do futebol. Agora, o torcedor é o centro das atenções dos clubes, que sabem que é por ele e para ele que a bola (e a grana) gira.
Por aqui, não é por uma mudança de comportamento que as tragédias estão afastadas do futebol brasileiro. Somos uma bomba-relógio. Nossos gestores não sabem que o maior ativo é o torcedor, e não a bola. As brigas em jogos de torcida única estão aí para provar. Elas escancaram nossa mediocridade.
Até quando vamos atuar com risco de assistir a um desastre e, só aí, tomar alguma providência? Não faltam elementos para nos mostrar que a única saída não é ter só uma torcida. Mas sim cuidar do torcedor.