Nos últimos dias, tem sido comum malhar a São Silvestre. A principal reclamação é pelo evento agora acontecer pela manhã, manchando uma “tradição”. São saudosos da corrida noturna, que já não acontece há 27 anos. Há quatro edições, a SS passou a ocorrer de manhã. Parece que só descobriram agora.
Há razões práticas para a mudança de horário. A prova encavalava com o Réveillon na Paulista, que atrai mais de 1 milhão de pessoas, contra os 30 mil corredores da SS. Era muito difícil desarmar um evento e aprontar outro, com intervalo tão curto de tempo.
Em 2011, houve a última experiência vespertina, com chegada no Ibirapuera. A iniciativa foi abandonada. Com razão. O local não suportava a chegada de tanta gente. O piso ficou enlameado (choveu horrores naquela edição). Não há metrô, o que dificultou o escoamento do público.
A prova de manhã oferece várias vantagens para quem, como eu, gosta de corrê-la: há menos risco de pegar uma tromba d’água, pode-se largar e chegar na Paulista (com a facilidade de ir e voltar de metrô) e há tempo suficiente de recuperação para o Réveillon.
Se fosse mesmo manter a tradição, a prova ainda teria chegada na Ponte Pequena. O percurso teria míseros 6,2 km. Menos de 150 corredores participariam. Estrangeiros seriam vetados. Mulheres e cadeirantes também. Foi assim na primeira edição, em 1925.
Mas, como todo evento quase centenário, a SS evoluiu. A corrida noturna parece que agrada mais os sedentários que nunca a correram ou os profissionais que nunca tiveram que perder seu Réveillon para cobri-la.
Uma pena. Quem acha que a SS perdeu sua “mística” é porque nunca participou da prova. Não sentiu o povo te incentivando, as crianças batendo na sua mão, os bombeiros cantando marchas pelo percurso, os personagens que a povoam, o banho de mangueira na Barra Funda, o desafio da subida da Brigadeiro ou a descarga de endorfina ao terminá-la. De manhã ou à noite, a SS não perdeu em nada o status de mais charmosa corrida de rua do Brasil.