“É uma surpresa”, reagiu Joseph Blatter, tentando fazer cara de espanto, ao saber do pedido de demissão de Michael Garcia da Comissão de Ética da Fifa.
Para quem acompanhou as tentativas canhestras da entidade em esclarecer a escolha de Rússia e Qatar a sede das duas próximas Copas do Mundo (2018 e 2022), a atitude do advogado não chega a causar estranheza.
Nos últimos meses, Garcia havia investigado o processo a fundo, e descoberto provas de que houve irregularidades nessas escolhas. No entanto, continuaremos sem saber o tamanho da caixa preta da Fifa. A entidade resolveu rasgar em pedacinhos as 450 páginas de provas do relatório produzido pelo norte-americano. Foi publicada apenas uma versão resumida, que representava menos de 10% do material redigido, na qual admitia “comportamentos duvidosos” de alguns dirigentes, mas negava a compra de votos.
Diante da divulgação de um documento retalhado, Garcia reagiu e recorreu ao comitê de recursos da federação, pedindo a publicação do material na íntegra. O pedido, como era se de esperar, foi negado. O advogado poderia ainda enviar a querela para a Corte de Arbitragem do Esporte, tribunal de Lausanne, na Suíça, que representa a última instância nas disputas esportivas. Desgastado, Garcia preferiu capitular.
Vivendo em um mundo à parte, a Fifa adota o discurso pela “transparência”, mas opta por esconder sua sujeira para baixo do tapete. Como entidade privada, acredita ser esse direito.
Nem a perda de patrocínios importantes nos últimos meses, casos de Sony e Emirates, em grande parte insatisfeitas com a condução das denúncias de corrupção, abalou a Fifa. Qatar Airways e Samsung logo se mostraram interessadas em conversar.
Com as ações de acobertamento dos últimos meses, resta pouca esperança de que a Fifa vá rever seus procedimentos. E aqui o mercado publicitário e de direitos de TV, os grandes financiadores do esporte, têm um papel fundamental. São eles que podem pressionar por mudanças. Enquanto os escândalos não abalarem o faturamento da entidade, nada será feito.