Populista sagaz, não há dúvidas de que Hugo Chávez soube usar, durante seus 13 anos de governo, o poder do esporte para afiançar sua posição. Na Venezuela, a modalidade de maior tradição é o beisebol. Porém, símbolo do “inimigo” norte-americano, o esporte do bate foi deixado de lado por Chávez para priorizar outros caminhos.
E o primeiro foco foi aquele que sempre foi o favorito de seus vizinhos: o futebol. E, gostando ou não dos métodos do falecido comandante, pode observar-se a evolução do esporte no país.
Antes o “bobo” das Eliminatórias, a Venezuela passou por um longo processo de crescimento, deixou de ser apenas a vítima dos “chapéus” de Ronaldinho Gaúcho, e hoje compete de igual para igual contra seus rivais sul-americanos, correndo inclusive sério “risco” de se classificar para a Copa de 2014, já que atualmente ocupa a 4ª posição nas eliminatórias continentais.
A grande sustentação do projeto esteve baseada na realização da Copa América de 2007 no país. Para o torneio, o governo de Chávez preparou uma recepção de alto nível, acima do padrão médio das sedes anteriores do torneio, com a construção de três novos estádios e a reforma completa de outros seis, chegando a um investimento total de mais de US$ 900 milhões.
Em termos de desempenho, existem marcas nítidas da evolução da equipe. O time que conquistou suas primeiras vitórias oficiais contra rivais como Uruguai, Chile e Paraguai apenas em 2001 atingiu as semifinais da Copa América da Argentina dez anos depois. Nas categorias de base o resultado também é evidente: em 2009, por primeira vez, a equipe sub-20 do país disputou o mundial da categoria.
Hoje, a “Vinotinto” é a 45ª colocada no ranking da Fifa, nada mal para um time que no início do governo Chávez detinha apenas a 110ª posição.
Houve também grande crescimento na esfera dos clubes. O campeonato nacional foi ampliado de dez para 18 times, alguns deles com grande investimento de empresas estatais, como a petroleira PDVSA. Em 2009, um clube do país consegui sua melhor classificação em uma competição continental, com o Caracas chegando à fase de quartas de final da Copa Libertadores,, onde foi eliminado pelo Grêmio.
Nos últimos anos, com o futebol consolidado como segundo esporte do país, Chávez focou suas atenções também em outra modalidade: o automobilismo. Desta vez, o patrocínio das estatais serviu como meio principal para a chegada de pilotos venezuelanos a algumas das principais categorias do mundo.
O principal expoente disso foi Pastor Maldonado. Campeão da Fórmula Renault e da GP2, o piloto recebe há anos o apoio direto e explícito de Chávez e conseguiu, por meio do forte patrocínio da PDVSA, uma vaga em uma das mais fortes e tradicionais equipes da Fórmula 1, a Williams, no fim de 2010. Estima-se que o investimento da petroleira para levar Maldonado à equipe tenha sido em torno de US$ 15 milhões.
Desde então, e não meramente por ajuda do presidente, Maldonado vêm tendo um desempenho satisfatório, não apenas mantendo a vaga na Williams, mas somando pontos e inclusive vitórias. Em maio do ano passado, o venezuelano conquistou na Espanha seu primeiro Grande Prêmio na principal categoria do automobilismo mundial.
“Hoje a Venezuela brilhou no mundo inteiro, me sinto orgulhoso por ser venezuelano e de fazer parte de nossa geração de ouro. Agradeço antes de tudo o grande apoio de nossa PDVSA, que é a gasolina da Williams e da maioria dos pilotos venezuelanos. E agradeço especialmente ao presidente Chávez, por tornar realidade esse feito histórico. Viva a Venezuela!”, forma as palavras do piloto após conquistar a primeira vitória para seu país na Fórmula 1.
Antes de Maldonado, o maior nome do automobilismo venezuelano foi Johnny Cecotto. O piloto foi campeão do extinto mundial de motociclismo 750cc em 1978 e chegou a disputar 23 corridas na Fórmula 1 entre 1983 e 1984, sem obter grandes resultados. Talvez sua melhor marca na categoria seja, ao lado do único ponto conquistado, dividir escuderia com o então estreante Ayrton Senna, em 1984, na Toleman.
Os esportes olímpicos também foram um grande foco do “Comandante”. Segundo dados do Ministério do Esporte da Venezuela, foram gastos na preparação do país para os Jogos Olímpicos de Londres-2012 o equivalente a R$ 709 milhões de reais, valor superior ao investimento olímpico brasileiro no mesmo período.
Apesar disso, em relação à Pequim-2008, a delegação Venezuela em Londres-2012 teve 41 atletas a menos, chegando à inexpressiva marca de apenas 69 representantes.
No entanto, mesmo com a diminuição, um desses 69 atletas foi o responsável por dar à Venezuela sua segunda medalha de ouro em toda sua história. Rubén Limardo, esgrimista de 26 anos, venceu na modalidade espada e tornou-se o primeiro latino-americano a triunfar na modalidade desde 1904. Até então, a única medalha dourada do país havia sido conquistada na longínqua Olimpíada da Cidade do México, em 1968, no boxe, pelos punhos de Francisco “Morochito” Rodríguez.
Nas quatro Olimpíadas que ocorreram durante o governo Chávez, a Venezuela conquistou, no total, quatro medalhas olímpicas, sendo uma de ouro com Limardo, e outras três de bronze, duas no taekwondo e uma no halterofilismo. Nas três edições anteriores, não havia ganhado nenhuma. Considerando toda sua trajetória olímpica, que conta com 19 edições dos Jogos, o país teve apenas mais oito conquistas.
A parte final da “revolução bolivariana” de Chávez no esporte aplicou-se ao seu setor mais básico: a população. O mandatário aprovou, no início de 2012, uma nova lei na Constituição venezuelana, que obriga todas as empresas, públicas e privadas que alcancem um determinado patamar de faturamento, a repassar ao menos 1% de seus lucros para o esporte.
A lei também contém outras cláusulas, como a veiculação obrigatória de comerciais de promoção do esporte, produzidos pelo governo, nas emissoras de rádio e televisão do país; a obrigatoriedade da disciplina de Educação Física nas escolas locais e a democratização das federações esportivas do país, sendo os presidentes de cada uma delas eleitos pelos próprios atletas. Além disso, no total de seu governo, Chávez construiu mais de 2 mil instalações esportivas e criou um programa de bolsas de auxílio para atletas.
Em seus mais de 13 anos no comando, Hugo Chávez levou o esporte venezuelano a outro patamar. Isso é um fato. Ao mesmo, tempo o custo dessa reforma não foi nada barato. Segundo a revista inglesa “The Economist”, o mandatário gastou cerca de R$ 1,5 bi para criar o Ministério dos Esportes, estádios para a Copa América e na ampliação do campeonato de futebol.
O esporte se firmou na Venezuela também como uma saída para os problemas sociais. A paixão que motiva os atletas e as torcidas serviu como uma espécie de camuflagem para o lado ruim do governo populista de Chávez. Mas, ao mesmo tempo, trouxe uma nova perspectiva para o futuro.
Como disse o “El Comandante” na ocasião da inauguração dos Jogos Militares de 2010: “Ainda que alguns possam negá-lo, o esporte na Venezuela se transformou, nestes 11 anos de Revolução, em uma verdadeira alternativa de realização nacional, O que quinze, vinte ou trinta anos atrás era uma atividade marginal, hoje é uma honra suprema para o país”.